O STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou hoje (21), por nove votos a dois, o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
A tese do julgamento (o entendimento da Corte sobre o tema), porém, deve ser firmada na próxima quarta-feira (27) uma vez que ainda há divergências nos pontos sobre indenizações a proprietários de terra que ocuparam as áreas de boa-fé.
Os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia seguiram a ala contrária ao marco temporal, já composta pelo relator, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, que votou ontem. Para eles, a proteção dos direitos indígenas sobre as terras independe de um marco temporal.
Primeiro a votar, Fux afirmou que as terras indígenas devem ter a proteção do Estado, mesmo que ainda não tenham sido demarcadas. Cármen Lúcia afirmou que o Supremo discute um tema que envolve a “dignidade de um povo”.
As áreas ocupadas pelos indígenas e aquelas áreas que guardam ainda uma vinculação com a ancestralidade, ainda que não estejam demarcadas, elas têm proteção constitucional
Luiz Fux, ministro do STF
O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, também votou contra o marco temporal, mas fez diversas ressalvas ao tema. Afirmou que era preciso estabelecer limites e defendeu a discussão sobre a exploração das terras indígenas, apontando que é preciso distinguir os interesses dos indígenas dos interesses de “tutores”.
A mim me parece que há uma concepção segundo a qual uns ficam com direito a bastante terra, e o direito também de viverem empobrecidos neste país rico
Gilmar Mendes, decano do STF
Apenas Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Jair Bolsonaro (PL), se manifestaram favoráveis à tese. A discussão do tema é criticada pelo ex-presidente.
O marco temporal é uma tese jurídica que estabelece que povos indígenas só podem reivindicar as terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. Para os povos originários, a norma valida invasões e usurpações de seus territórios. Já ruralistas a defendem como um mecanismo de segurança jurídica.
Apesar da maioria, os ministros ainda divergem sobre as indenizações que podem ser pagas a proprietários que ocuparam terras indígenas de boa-fé, ou seja, sem histórico de esbulho (usurpação) ou conflito.
Fachin propôs que a indenização deve ser paga somente pelas benfeitorias no terreno.Cármen acompanhou o colega neste ponto, mas disse estar aberta a discutir outros modelos.
Moraes, por sua vez, sugeriu que a indenização também deve alcançar a terra nua e deve ser paga previamente ao processo de demarcação.
O voto de Moraes foi visto com preocupação por lideranças indígenas, que temem atraso nas demarcações se o pagamento da indenização for critério prévio ao processo.
A AGU (Advocacia-Geral da União) também demonstrou temor e afirmou que os pagamentos poderiam levar a um “gasto incalculável”, como mostrou o UOL.
Cristiano Zanin, por sua vez, deu um voto semelhante ao de Moraes, defendendo, porém, que a indenização não deve ser vinculada à demarcação e que o pagamento não caberá somente à União, mas também aos estados e municípios que tenham promovido a titulação indevida. Toffoli acompanhou o colega.
Para Nunes Marques, o marco temporal é a solução que “concilia” os interesses dos indígenas e dos proprietários de terras. Mendonça afirmou que a tese é um critério objetivo que “imuniza” riscos de conflitos e garante segurança jurídica.Continua após a publicidade
Posses posteriores à promulgação da Constituição Federal não podem ser consideradas tradicionais, porque isso implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário nacional
Nunes Marques
Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes compreender que o olhar do passado deve ter a perspectiva, a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro.
André Mendonça
Na contramão do entendimento da maioria da Corte, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado começou a discutir um projeto de lei que fixa o marco temporal como critério para demarcação de terras indígenas.
Ontem (20), a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) pediu vista (mais tempo de análise) e os governistas assinaram coletivamente o pedido. Com isso o texto será apreciado na próxima quarta (27).
O secretário dos Povos Indígenas, Eloy Terena, afirmou ao UOL que vê a possibilidade da proposta do Congresso cair, mesmo se aprovado.
É uma questão que mesmo que o Congresso aprove esse projeto, ele vai, querendo ou não, ser judicializado e decidido no âmbito do STF.
Eloy Terena, secretário dos Povos Indígenas
A decisão do Supremo sobre marco temporal servirá para solucionar disputas judiciais em todas as instâncias do país. Há 226 processos parados aguardando a solução da Corte.
O caso específico envolve uma disputa entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do estado.
Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental. O governo pediu a reintegração de posse, e obteve em primeira instância, mas a Funai recorreu, e o caso chegou ao Supremo em 2016.
Informações UOL