Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula.
Obrigada a reagir após uma série de vitórias da direita, a esquerda voltou ao poder no Brasil e em outros países da América Latina, além de ter representantes nos Estados Unidos.
A existência de dois campos políticos opostos não é mais colocada em dúvida, como chegou a acontecer nos final dos anos 1980 e começo de 1990. Pelo contrário, a polarização acirrada parece evidenciar as diferenças entre eles.
Ainda assim, há nuances. Ao longo de mais de dois séculos, o termo esquerda abarcou grupos, propostas e ideais diferentes, até se chegar a um relativo consenso.
Conheça os capítulos principais dessa história.
O uso do termo tem origem atribuída a um episódio ocorrido em 28 de agosto de 1789, no período da Revolução Francesa.
Naquele dia, a Assembleia Nacional Constituinte criada após a tomada da Bastilha deliberou sobre os poderes constitucionais a serem eventualmente concedidos ao rei Luís 16 sobre as decisões do Legislativo.
À direita da tribuna agruparam-se aqueles que queriam dar ao rei poder de veto absoluto. À esquerda ficaram aqueles que eram contra qualquer poder de veto ou defendiam apenas a possibilidade de um veto suspensivo, ou seja, provisório.
A partir dessa decisão, foram cunhados os termos direita e esquerda. No entanto, eles só passariam a ser usados de forma corrente a partir do século 19, para distinguir adeptos da monarquia absolutista dos partidários da monarquia constitucional ou mesmo do regime republicano.
Ao longo do tempo, o termo passou a designar grupos distintos.
Se, nos primórdios, o termo esquerda designava aqueles favoráveis a uma limitação do poder do monarca, a partir da obra de Karl Marx (1818-1883) passou a se associar à luta pelo socialismo e à defesa dos trabalhadores.
Com a queda do Muro de Berlim e fracasso do projeto da União Soviética, por sua vez, a esquerda passou a incorporar cada vez mais bandeiras relativas aos direitos de grupos marginalizados.
Inserem-se nesse contexto o feminismo e os movimentos antirracista e LGBTQIA+.
“De forma geral, a esquerda hoje não é mais uma esquerda de combate ao capitalismo, é pela igualdade dos oprimidos”, diz o cientista político Bruno Bolognesi, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
“Os valores mudaram porque o bloco socialista acabou como ideal histórico e também porque essas pessoas vivem em um mundo de maior abundância.”
Há diferentes definições. Na academia, uma das mais utilizadas é a elaborada pelo filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004) em seu livro “Direita e Esquerda – Razões e Significados de Uma Distinção Política”, de 1994.
Na obra, publicada no Brasil pela editora Unesp, Bobbio define a esquerda como o campo político guiado pelo ideal da busca por igualdade, não como uma utopia, mas como uma tendência.
Em termos práticos, diz, isso significa “favorecer as políticas que objetivam tornar mais iguais os desiguais”.
Outro critério bastante usado para distinguir esquerda e direita na academia é o grau de intervenção do Estado na economia.
Não. Há grupos considerados de esquerda ou centro-esquerda em alguns países que não receberiam a mesma classificação em outras nações —caso de alas do Partido Democrata dos Estados Unidos, por exemplo.
Além disso, há temas que, em alguns países, são mais associados à esquerda e, em outros, à direita.
Bolognesi ressalta o exemplo de países nórdicos, em que a aliança com partidos verdes e a emergência da questão imigratória levou a uma moderação da esquerda, o que não ocorre em outras partes do mundo.
O cientista político e professor da FGV Cesar Zucco cita também o exemplo do Chile, com presença forte de uma esquerda cristã, em contraposição ao secularismo desse campo em outros países.
Segundo ele, isso acontece porque nem sempre a política é unidimensional, ou seja, em alguns casos ter uma posição mais de esquerda na economia não significa estar nesse mesmo campo na questão dos costumes ou das liberdades individuais.
Em outras situações, por sua vez, a política apresenta essa característica unidimensional, quando o critério de ser de esquerda ou de direita mapeia muito bem outras diferenças.
“Nos Estados Unidos, se você perguntar a posição da pessoa sobre o aborto muito provavelmente vai saber qual a preferência política dela. No Brasil, também há uma forte correlação”, afirma.
Antes de responder à pergunta, é preciso fazer a ressalva de que há diferentes critérios usados para classificar um partido na esquerda ou na direita.
Entre eles, está a autodeclaração de parlamentares das siglas; análise da atuação no Congresso; análise por inteligência artificial dos manifestos partidários; e avaliação por uma comunidade de especialistas, por exemplo, cientistas políticos.
Um dos artigos mais recentes sobre tema é o publicado por Zucco e pelo brasilianista Timothy Power, da Universidade Oxford. Eles analisam o posicionamento ideológico de partidos com presença no Congresso por meio de entrevistas realizadas com os parlamentares.
Com isso, ficam à esquerda PSOL, PT, PSB, PDT e PC do B.
Outra métrica, criada pela Folha, mescla sete critérios: frentes parlamentares; migração partidária; coligações; opiniões de especialistas; autodeclaração dos parlamentares, medida na pesquisa de Power e Zucco; GPS ideológico do Twitter; e votação na Câmara dos Deputados.
Foram avaliados todos os partidos. Aqueles sem presença no Congresso, ou com presença muito diminuta, não pontuaram nos quesitos relativos a atuação parlamentar.
Nessa régua, o PCO é o partido mais à esquerda, seguido por PSTU, PSOL, Unidade Popular, PT, PCB, Rede, PC do B, PSB, PV e PDT.
A ressalva do uso de diferentes critérios também vale nesse caso, mas, ainda segundo a obra de referência de Bobbio, a diferença estaria no valor da liberdade.
Na extrema esquerda, estariam grupos que, além de defender a igualdade, são autoritários. Ele cita o exemplo dos jacobinos da França, que mandavam seus inimigos para a guilhotina no período do Terror da Revolução Francesa.
Já na centro-esquerda, segundo o filósofo italiano, estariam doutrinas e movimentos que defendem tanto a igualdade como a liberdade, incluindo o que ele chama de “socialismo liberal” e os partidos social-democratas.
A eles se contraporiam a centro-direita, libertária, mas defensora apenas da igualdade perante a lei, e a extrema direita, antiliberal e anti-igualitária, que tem como exemplos o fascismo e o nazismo.
Fonte: Folha de São Paulo.