Quem tem moto ou carro flex espera economizar na hora de escolher o combustível. Como o preço da gasolina disparou nos últimos meses por causa da valorização do dólar e da alta no preço internacional do petróleo, a expectativa de muitos motoristas era de que o álcool (etanol hidratado) se tornasse uma opção bem mais vantajosa, mas isso não aconteceu.
Segundo a empresa de gestão de frotas Ticket Log, o litro do álcool chegou ao preço médio de R$ 3,86 na primeira quinzena de fevereiro —alta de 2,1% em relação a janeiro. No mesmo período, a gasolina subiu 4,5%, alcançando a média de R$ 5,03 por litro.
Como rende 30% a menos, o álcool só vale a pena do ponto de vista econômico se o litro custar até 70% o da gasolina —esta é uma média, pois existe variação dependendo do motor.
Atualmente, o álcool compensa nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. Mesmo assim, o ganho é pequeno, de no máximo R$ 0,03 por km rodado.
Apesar de ser produzido em quase todo no Brasil e com produtos nacionais (principalmente a cana-de-açúcar), o álcool sofre influência direta da cotação do dólar. O preço do açúcar no mercado internacional, a procura por álcool em gel, a safra da cana e os impactos da pandemia na indústria de combustíveis também explicam por que o preço do álcool subiu tanto.
O gráfico acima mostra como o preço dos combustíveis em geral despencou a partir de fevereiro de 2020 e voltou a crescer depois de maio. Isso aconteceu no mundo todo, por causa do coronavírus.
As medidas de isolamento social levaram a uma queda do consumo de combustíveis para o transporte e para a indústria. A redução na demanda puxou os preços para baixo e fez com que sobrasse estoque do produto. O petróleo foi até negociado a valores negativos já que, sem ter onde estocá-lo, muitos investidores preferiram pagar para não receber os barris comprados.
Com a gasolina e o diesel baratos, o álcool teve que baixar de preço também. Segundo Antonio Rodrigues, diretor técnico da Unica (União da Indústria de Cana-de-açúcar), o setor acumulou prejuízos naquele período, vendendo abaixo do preço de custo.
Agora, com a gasolina em alta, o setor de etanol também está subindo os preços e recuperando os prejuízos. “Hoje não podemos reclamar, porque estamos vendendo com margem positiva, tanto o açúcar quanto o etanol”, diz Rodrigues.
A cana-de-açúcar é a principal matéria-prima no Brasil para a produção de álcool e de açúcar. Segundo a Unica, 85% da cana é processada em indústrias mistas, que podem produzir os dois.
Mais uma vez, o preço internacional dos insumos teve interferência no preço. Nos últimos 12 meses, o açúcar subiu cerca de 14% na Bolsa de Nova York e 18% na de Londres, principais pontos de negociação no mundo. Por isso, usinas brasileiras investiram na produção do alimento, em alta, e reduziram a produção do combustível, desvalorizado.
Além disso, o real depreciado perante o dólar tornou o açúcar brasileiro mais competitivo no mercado internacional, onde disputa espaço principalmente com a Índia e a Tailândia.
O Brasil produz também etanol de milho, mas é cerca de 5% do total. E, assim como acontece com a cana, o milho tem outras utilidades e é negociado em dólar.
Outro motivo para a alta no preço do álcool combustível é a época do ano. A cana-de-açúcar tem uma produção concentrada principalmente entre abril e novembro. O Brasil está agora no período de entressafra, se preparando para plantar a próxima leva.
Por isso, é comum que os preços do álcool subam no início do ano, afirma Milas Evangelista, consultor da FGV Energia.
A pandemia trouxe também uma procura maior por etanol como produto sanitário, como o álcool em gel. A Unica estima que a venda desses produtos cresceu 65,7% no primeiro semestre de 2020. Para Evangelista, a procura pelos produtos de limpeza não influenciou tanto o preço do álcool combustível, mas ajudou a compensar as perdas do setor.
Com a gasolina em alta, o consumidor passa a procurar mais pelo etanol. Esse aumento na demanda abre margem para que os produtores e revendedores cobrem mais pelo etanol.
Segundo o consultor da FGV Energia, o mercado de álcool combustível no Brasil é competitivo, o que é bom para o consumidor. Algumas empresas maiores conseguem segurar os estoques à espera de um preço mais vantajoso para elas, mas a maioria não tem condição de arcar com esse risco —pois não existe a certeza de que o preço vai subir.
Para Antonio Rodrigues, da Unica, o preço depende essencialmente da relação oferta e demanda. Se subiu, é porque há gente disposta a pagar esse valor. “O consumidor é o regulador do mercado. Ele faz a avaliação do momento em que vale a pena usar o etanol ou a gasolina”, diz.
Informações UOL Notícias