Cerca de 800 funcionários dos bares do Lollapalooza, responsáveis por entregar as bebidas aos mais de 100 mil frequentadores diários do evento, estão com seus direitos trabalhistas”gravemente violados”.
Esta foi a conclusão de uma nova fiscalização no multimilionário festival de música, em seu primeiro dia de atrações, sexta-feira (24). Auditores fiscais do trabalho encontraram uma série de infrações cometidas pela empresa terceirizada Team Eventos, que substituiu a Yellow Stripe depois que a organização da festa rompeu o contrato em razão do flagrante de que cinco trabalhadores eram mantidos em condições análogas à escravidão, conforme revelado em primeira mão pela Repórter Brasil.
Procurada pela Repórter Brasil, a Team Eventos informou que “em menos de 24 horas tivemos que mobilizar grande contingente de pessoal e promover ajustes em nossa operação a fim de realizar o serviço” e disse estar “trabalhando nas adequações cabíveis”.
Já a T4F (Time for Fun) afirmou ter o “firme compromisso com o respeito às pessoas e à legislação” e que a conduta da empresa está ” expressa em normativos” que são divulgados a colaboradores, fornecedores e prestadores de serviço. “Logo que chegou ao nosso conhecimento as determinações do Ministério do Trabalho com relação a uma de nossas prestadoras de serviço, solicitamos a imediata regularização e o encaminhamento das comprovações”, disse a a T4F.
Os contratados da Team Eventos realizavam jornadas irregulares de 12 horas, sem remuneração por hora extra e sem o descanso adequado previsto em lei, tinham o valor do exame médico admissional descontado de seu salário e não recebiam vale-transporte.
A ação foi realizada pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego — a mesma equipe que resgatou os funcionários escravizados no início da semana.
São violações graves. A empresa já foi notificada, exigimos que a situação seja regularizada imediatamente”
Rafael Brisque Neiva, auditor fiscal do Trabalho que participou das fiscalizações.
Segundo ele, a Team Eventos terá que comprovar que se adequou à legislação e que realizou os pagamentos dos direitos devidos aos trabalhadores.
A empresa Team Eventos foi contratada pela T4F, dona do Lollapalooza no Brasil, de forma emergencial após a Yellow Stripe, outra terceirizada, ser flagrada usando trabalho escravo na terça-feira — e ter seu contrato rescindido. “A T4F continua omissa, deixando de fiscalizar e verificar o cumprimento da legislação trabalhista pela nova empresa contratada, uma falha no seu processo de devida diligência”, diz Neiva.
A Team Eventos havia combinado com os trabalhadores o pagamento de diárias de R$ 160 e jornadas de 12 horas, sem o pagamento das quatro horas extras adicionais ao turno regular, de oito horas. Além desse problema, de acordo com a legislação, é obrigatória uma folga de 36 horas após essa jornada estendida, mas os trabalhadores do Lollapalooza tinham direito a um descanso inferior a 11 horas depois de cada dia de trabalho.
O Lollapalooza começou na sexta-feira, com um público estimado em 103 mil pessoas, e vai até amanhã (26). O ingresso para um dia de evento custa R$ 1.300, mas pacotes luxuosos chegam a R$ 5.300 — para os três dias de shows e acesso às áreas VIPs, com cadeira de massagem e outros benefícios. Dentre as atrações deste ano estão Billie Eilish, Lil Nas X e Drake. No ano passado, o festival movimentou mais de R$ 400 milhões, segundo a prefeitura paulistana.
Na terça-feira uma fiscalização resgatou cinco trabalhadores em condições análogas à escravidão no autódromo de Interlagos, sede do festival. Eles trabalhavam como carregadores de bebidas em jornadas de 12 horas diárias: “Depois de levar engradados e caixas pra lá e pra cá, a gente ainda era obrigado pela chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”, afirmou J.R, um dos resgatados, à Repórter Brasil.
A Yellow Stripe, terceirizada responsável pela contratação dos trabalhadores, informou em nota que “cumpriu as determinações do Ministério do Trabalho, sendo que os empregados em questão foram devidamente contratados e remunerados”. Já a T4F afirmou tratar-se de um “fato isolado”, e disse repudiar “veementemente o ocorrido”.
Duas deputadas e uma vereadora de São Paulo protocolaram na sexta-feira uma medida cautelar pedindo o veto a novas edições do festival de música Lollapalooza pelo uso de mão de obra em condições análogas à de escravo. O pedido, assinado pela deputada federal Sâmia Bonfim, pela deputada estadual Mônica Seixas e pela vereadora Luana Alves, todas do PSOL, tem como base a reportagem da Repórter Brasil.
O documento foi enviado ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao secretário da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita. Pede que seja aplicada a Lei Paulista de Combate à Escravidão (14.946/2013), que prevê que empresas que façam uso de trabalho escravo tenham o registro do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) suspenso por dez anos.
Além disso, seus sócios ficariam impedidos, por igual período de tempo, de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova empresa no setor em São Paulo. Na prática, a medida inviabilizaria novas edições do festival no estado.
Contudo, de acordo com a regulamentação da lei, o processo administrativo que pode levar ao banimento não se inicia com o flagrante da fiscalização, mas após a decisão em segunda instância na Justiça, ou seja, de um colegiado de juízes.
Informações Splash UOL