As Santas Casas e hospitais filantrópicos enfrentam uma grave crise financeira e viram sua dívida dobrar em 18 anos.
Responsáveis por quase metade das internações no SUS (Sistema Único de Saúde), essas instituições viram sua dívida saltar de R$ 5 bilhões em 2005 (valor corrigido pela inflação) para R$ 10 bilhões.Em alguns casos, os problemas financeiros são causados por deficiências de gestão.
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O Brasil tem 3.288 hospitais filantrópicos e Santas Casas em 1,7 mil municípios. Essas unidades somam 165.225 leitos e 20.126 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e, em 2022, responderam por 5,1 milhões das internações no SUS — 41% do total.
Os administradores reclamam que o Ministério da Saúde paga um valor defasado pelos procedimentos realizados gratuitamente. Mirocles Véras, presidente da CMB (Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos), afirma que não há reajuste da tabela SUS, referência para que o governo remunere os prestadores de serviços à saúde pública, há mais de 20 anos. Desde o início do Plano Real, em 1994, a tabela sofreu um reajuste médio de 93,77%, enquanto o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) subiu 636,07% no mesmo período.
O SUS cobre, em média, 60% dos custos dos procedimentos realizados, segundo ele, o que obriga as instituições a encontrarem maneiras de complementar o restante destes valores com doações, emendas parlamentares e empréstimos bancários.Como exemplo, ele diz que o SUS paga cerca de R$ 450 por um parto — o procedimento custa, no mínimo, R$ 2.500.
O endividamento hoje, só na Caixa Econômica, está em torno de R$ 7 bilhões. No total, com os demais bancos, deve chegar a R$ 10 bilhões. É consequência dos serviços prestados ao Sistema Único de Saúde (…) Cobrir os custos do procedimento é o que nós queremos. Não queremos ter lucro, queremos ter sustentabilidade para que as nossas instituições, que são centenárias, sigam com a sua missão.
Mirocles Véras, presidente da CMB
A CMB diz que tem conversado com o governo em busca de soluções. Véras diz ter mantido diálogo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para negociar a dívida e os juros pagos pelos hospitais — cerca de R$ 150 milhões por mês — e com a da Saúde, Nísia Trindade, sobre o financiamento das entidades. Questionada sobre projetos para socorrer as Santas Casas, a Fazenda informou sobre a reabertura do PES (Programa Especial de Regularização Tributária para Saúde), negociação que permite às entidades pagar os débitos inscritos em dívida com prazo ampliado. A adesão estava disponível até 30 de agosto.
Já o Ministério da Saúde informou não realizar pagamento diretamente aos estabelecimentos de saúde. Mas esclareceu que este ano reajustou o incentivo 100% SUS, destinado a unidades que se caracterizam como entidades privadas sem fins lucrativos e que destinem a totalidade de seus serviços de saúde exclusivamente ao sistema público.Continua após a publicidade
A pasta também ressaltou ter liberado R$ 2 bilhões para reequilibrar as contas de entidades filantrópicas em abril. O valor, aprovado no governo anterior, foi repassado aos Fundos Estaduais e Municipais. “Foi importante esse recurso, mas, naturalmente, o custo que hoje é a inflação, os juros que estão com o endividamento que nós temos, isso tudo nos leva a nos preocuparmos com as nossas instituições porque não existe ainda nenhuma posição de novos recursos alocados”, diz Véras. Questionado, o ministério não respondeu se prevê aumentar a tabela SUS.
A Santa Casa de São Paulo, que destina 100% de seus atendimentos a pacientes do SUS, diz que vem buscando fontes alternativas de financiamento por causa da defasagem na tabela. No ano passado, a instituição realizou 537 mil atendimentos ambulatoriais, 231 mil atendimentos de urgência e emergência e fez 27 mil cirurgias.
Uma das maiores dificuldades atuais tem sido a aquisição de medicamentos e materiais hospitalares, incluindo órteses e próteses utilizadas em procedimentos de alta complexidade e que, em muitos casos, são remuneradas pelo SUS abaixo do preço de custo. Se, de um lado, a procura por atendimento no SUS tem aumentado, pelo outro lado, os custos dos insumos hospitalares sofreram enorme variação, principalmente após a covid-19, e não retornaram aos patamares pré-pandemia; enquanto a Tabela SUS permanece a mesma há anos.
Maria Dulce Cardenuto, médica e superintendente da Santa Casa de São Paulo
O governo de São Paulo anunciou no mês passado a nova tabela SUS Paulista. Haverá uma complementação do valor que os hospitais recebem do Ministério da Saúde pelos procedimentos hospitalares, e as unidades vão receber até cinco vezes a tabela nacional do SUS. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que um dos objetivos da medida era manter as Santas Casas em operação. Os recursos devem ser pagos até o início de 2024.
As Santas Casas da Misericórdia, uma irmandade católica, foram criadas em Portugal no século 15. A primeira Santa Casa brasileira foi a de Santos (SP), fundada em 1543. Mas, até a criação do SUS, nos anos 1980, elas permaneceram como o principal aparato de cuidado médico para populações mais pobres.Continua após a publicidade
Em 832 municípios, as Santas Casas e hospitais filantrópicos são o único equipamento de saúde para atender a toda população. Desse total, 95% das cidades possuem menos de 50 mil habitantes, ou seja, as instituições filantrópicas são a única unidade hospitalar que dá suporte à saúde dos cidadãos desses municípios.
Há exemplos de hospitais filantrópicos com problemas financeiros causados por problemas na gestão. Atualmente, das 409 Santas Casas de São Paulo, 46 estão sob intervenção administrativa e com seus diretores afastados, segundo a Fehosp (Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo).
A Santa Casa de Andradina (SP) é uma delas. Em maio, a prefeitura decretou intervenção administrativa na unidade por seis meses e revelou que o hospital tem uma dívida de R$ 45 milhões. Com a intervenção, os membros da diretoria da OSS (Organização Social de Saúde) da Irmandade Santa Casa de Andradina foram afastados e desabilitados de suas funções e a gestão do hospital passou a ser do Executivo. A reportagem não conseguiu contato com a organização — na ocasião da intervenção, a direção informou à TV TEM, afiliada da Globo, que não se manifestaria sobre o caso.
A Santa Casa de Juiz de Fora (MG), onde o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi socorrido depois de levar uma facada em 2018 durante ato de campanha, também enfrentou problemas. Em agosto, o MP (Ministério Público) denunciou o presidente do Conselho de Administração do hospital, Renato Loures, a filha dele, Moema Loures, e o genro, Fábio Gonçalves, pelo suposto desvio e apropriação de valores da entidade, feitos a partir de contratos firmados com empresas de arquitetura das quais o casal é sócio. Os contratos foram feitos entre outubro de 2012 e junho de 2023 e os desvios, em valores corrigidos, chega a R$ 6,9 milhões.
Em nota, a defesa do trio informou que “a denúncia não é verdadeira conforme as provas já existentes nos autos e aquelas que serão juntadas durante a instrução do processo”. “Não houve desvios, mas efetiva prestação de serviços. Também não procede a acusação de falsificação de documento particular dirigida à Moema Loures, conforme será demonstrado no processo que se inicia.” Procurada por telefone e e-mail, a assessoria da Santa Casa de Juiz de Fora não retornou. Loures foi afastado do cargo em junho, quando o MP realizou uma operação sobre o caso.Continua após a publicidade
Questionado se os problemas financeiros enfrentados não se devem justamente a problemas como estes, Véras diz que ’90 e tantos por cento’ dos hospitais são bem geridos. “Houve uma evolução muito grande, através de qualificação, de contratação de administradores. De Norte a Sul têm uma excelente gestão. Repito, como é que você pode ser um bom gestor, se abre o mês com um déficit de quarenta por cento do teu custo para atender os pacientes do sistema público de saúde?”
Informações UOL
O hospital dom Pedro de Alcântara tem serviço relevante para a microrregião porém uma auditoria seria bom.