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Por Felipe Moura Brasil 

Colunista do UOL

Os autores da ação em que Sergio Moro foi citado para explicar os prejuízos da Petrobras e da economia do país, como se tivessem sido causados pelo combate à corrupção e não pelos corruptos, são os deputados do PT Rui Falcão, Erika Kokay, Natalia Bonavides, José Guimarães e Paulo Pimenta.

Todos eles, como mostrei no artigo anterior, votaram a favor das mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, agora usadas até por Arthur Lira e Jair Bolsonaro para se livrarem de acusações por desvios cometidos em Assembleia e gabinete, respectivamente. Também defenderam, claro, os jabutis inseridos no pacote originalmente anticrime, proposto por Moro.

No Congresso ou na Justiça, o PT aplica o slogan da campanha de Lula, “Vamos reescrever uma nova história”, aquele que, de um lado, confessa a intenção do partido de trocar fatos incômodos por narrativas e, do outro, nem sentido faz, porque só se escreve uma nova história ou se reescreve uma já existente. Compreende-se pelos atos, porém, que os petistas tentam reescrever a história do petrolão, enquanto afrouxam a legislação para turbinar a impunidade geral.

2.

A história original foi legitimada pela auditoria técnica do Tribunal de Contas da União em relatório de 7 de janeiro de 2022, que embute ainda um parecer anterior da Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura (Seinfra Operações) do TCU.

Como diz o item 251, “não se sustenta a premissa de que a atuação dos integrantes da Operação Lava Jato causou a situação financeira atual do Grupo Odebrecht“. 

“Não há indícios que suportem tal ilação. Ao contrário, a situação financeira atual do Grupo decorre da prática delituosa e do seu modelo de negócio adotado, envolvendo ‘caixa 2’, por pelo menos 30 anos, conforme dito pelo próprio então Presidente do Conselho de Administração, Sr. Emílio Odebrecht.”

Item 252: 

Os órgãos de investigação do Estado brasileiro, em razão das competências e deveres legais, não podem se furtar a investigar os crimes cometidos por empresas do Grupo Odebrecht simplesmente porque, como consequência de tais investigações, poderia ser afetada a situação financeira e a arrecadação tributária desse ou dos outros grandes grupos empresariais envolvidos nas fraudes. 

Quanto aos prejuízos que decorrem das fraudes investigadas pela Operação Lava Jato, entende-se que tais valores estão contemplados, pelo menos em parte, nos acordos de leniência e colaboração, já que não foi calculada a integralidade do dano ao erário.”

Estarem contemplados nos acordos significa que os valores são ressarcidos aos cofres públicos pelas empresas que, confessadamente, participaram do esquema.

3.

Em forma de cronologia, trago apenas alguns exemplos, incluindo episódios relacionados:

Em 21 de dezembro de 2016, a Odebrecht e seu braço petroquímico, Braskem, assinaram um acordo internacional, comprometendo-se a pagar, respectivamente, R$ 3,82 bilhões e R$ 3,1 bilhões às autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça.

Em 9 de julho de 2018, o governo brasileiro assinou um acordo de leniência com a Odebrecht, esclarecendo que, daqueles R$ 3,82 bilhões, a construtora pagaria R$ 2,7 bilhões, ao longo de 22 anos, aos cofres públicos do país, como informou a Advocacia-Geral da União (AGU).

Desse total, R$ 900 milhões são referentes ao montante de propina paga pelo grupo Odebrecht a cerca de 150 agentes públicos; R$ 1,3 bilhão, ao lucro obtido nos contratos celebrados mediante corrupção; e R$ 442 milhões, à multa.

Em 29 de junho de 2021, a Petrobras anunciou que ultrapassou R$ 6 bilhões em recursos recuperados. Vale a pena resgatar o comunicado oficial, na íntegra, não só pela sua essência, mas também pelos detalhes finais:

Recebemos no final de junho a quantia de R$ 271,1 milhões referente ao acordo de leniência celebrado pela Technip Brasil e Flexibras(empresas do Grupo Technip). Assim, o total de recursos devolvidos para a companhia em decorrência de acordos de colaboração, leniência e repatriações ultrapassou o montante de R$ 6 bilhões. Somente este ano, mais de R$ 1 bilhão foi recuperado pela companhia. 

O acordo de leniência foi firmado com a atuação conjunta entre o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Departamento de Justiça Norte-Americano (DoJ). A Petrobras já havia recebido as duas primeiras parcelas do acordo, em julho de 2019 e em junho de 2020, que somaram cerca de R$ 578,3 milhões. 

Esses ressarcimentos decorrem da condição de vítima da Petrobras nos crimes investigados no âmbito da Operação Lava Jato. Reafirmamos nosso compromisso de adotar as medidas cabíveis, em busca do adequado ressarcimento dos prejuízos decorrentes que lhe foram causados. A companhia atua como coautora do Ministério Público Federal e da União em 21 ações de improbidade administrativa em andamento, além de ser assistente de acusação em 79 ações penais relacionadas a atos ilícitos investigados pela Operação Lava Jato.”

Na verdade, em razão das mudanças na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) – aprovadas por parlamentares do PT, da base bolsonarista e do Centrão, entre outros da velha política -, a Petrobras começou a perder o protagonismo em ações da Lava Jato. 

Em 25 de novembro de 2021, a companhia seria rebaixada à posição processual de “simples interessada” em ação de improbidade ajuizada por ela e pela União contra empreiteiras (Mendes Júnior, Mendespar, KTY Engenharia, Andrade Gutierrez) e seus executivos. O processo trata do pagamento de propina ao ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto da Costa, para fraude em processos licitatórios.

“Por mais que possa interessar à Petrobras a reparação de eventual lesão ocasionada pelo suposto ímprobo, o novo regramento retirou do embargante os poderes necessários para continuar protagonizando posições de legitimação ativa na ação por ato de improbidade”, afirmaria a juíza Luciana da Veiga Oliveira, em decisão de não conhecer do recurso da companhia pela renovação do bloqueio de bens da Andrade Gutierrez.

“Assim, embora a estatal continue legitimada à ação civil pública autônoma (instrumento apto à pretensão específica da reparação cível ao erário), no contexto do modelo atual de persecução sancionadora-administrativa exerce papel de simples interessada, vítima do suposto evento danoso”, concluiria a juíza.

Isto porque foi revogado pela Lei 14.231/2021 o parágrafo 3º do artigo 17 da LIA, segundo o qual a pessoa jurídica interessada na ação de improbidade poderia atuar ao lado do autor, desde que isso se afigurasse útil ao interesse público. Agora, o mesmo artigo indica que a ação para a aplicação das sanções será proposta pelo Ministério Público, como o único e exclusivo legitimado à persecução sancionadora.

Mais uma ajudinha do sistema, no Congresso, às empreiteiras do petrolão.

Em outra ação de improbidade, que cobra cerca de R$ 3 bilhões como ressarcimento de valores obtidos ilicitamente nos contratos com a petrolífera, a Petrobras ainda aguarda decisão do STJ sobre manter (como decidiu a 3ª Turma do TRF-4) ou não (como havia decidido a 11ª Vara Federal de Curitiba) Odebrecht, Construtora Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez como rés.

Já nos Estados Unidos, sem manobras, tudo parece andar mais rápido.

Em 12 de outubro de 2021, o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês) anunciou que o ex-presidente da Braskema José Carlos Grubisich foi condenado a 20 meses de prisão no país. O motivo: Grubisich e outros funcionários da Braskem e da Odebrecht criaram e usaram um fundo secreto de recursos para subornarfuncionários públicos e partidos políticos do Brasil, garantindo contratos com a Petrobras.

Operado entre 2002 e 2014, sobretudo ao longo do governo do PT, o esquema de pagamento de propinas foi denunciado no âmbito da Lava Jatopor delatores como Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. “Como parte do esquema, Grubisich e seus parceiros desviaram aproximadamente US$ 250 milhões da Braskem [mais de R$ 1,3 bilhão, no dia do anúncio] para um fundo secreto, que Grubisich e os demais formaram por meio de contratos fraudulentos e empresas de fachada offshore controladas secretamente pela Braskem”, disse o comunicado do DoJ.

A decisão contra Grubisich, que admitiu os subornos durante o processo, incluiu o confisco de US$ 2,2 milhões [R$ 12,1 milhões] e multa extra de US$ 1 milhão [R$ 5,5 milhões].Total recuperado, no câmbio daquele dia: R$ 17,6 milhões.

Em 17 de março de 2022, o Departamento de Justiça dos EUA e o FBI divulgaram na conta oficial de Twitter do DoJ a oferta de uma recompensa de até US$ 5 milhões (cerca de R$ 24 milhões, naquele momento) a quem fornecer informações que levem à identificação de destinatários de propinas da Odebrecht e da Brasken.

Aprovado pelo Congresso americano e administrado pelo Gabinete de Terrorismo e Inteligência Financeira do Departamento do Tesouro, o “Programa de recompensas de Recuperação de Ativos da Cleptocracia” tem como meta “identificar e recuperar ativos roubados, confiscar os lucros da corrupção e, quando apropriado e viável, devolver esses bens roubados ou valores ao país prejudicado pelos atos de corrupção”.

Sergio Moro comentou a postagem do DoJ: “Vergonhoso: enquanto o Brasil joga pelo ralo o legado da Lava Jato, inclusive tratando com naturalidade a candidatura de um ex-presidente que chegou a ser condenado por corrupção, os EUA oferecem US$ 5 mi por pistas que levem ao dinheiro desviado. Essa tarefa era para ser nossa.”

Em 19 de abril de 2022, a Quinta Turma do STJ brasileiro pelo menos manteve a condenação do petista José Dirceu, entre outros réus, no âmbito da Lava Jato, fixando em 27 anos e 1 mês de prisão, em regime inicial fechado, a pena do ex-ministro do governo Lula e braço-direito do ex-presidente. Dirceu recebeu mais de R$ 15 milhões de propina e lavou mais de R$ 10 milhões, de acordo com documentos do processo que apurou condutas ilícitas de empresas privadas – entre elas, a Engevix Engenharia -, agentes políticos, funcionários públicos e integrantes da Petrobras.

Curiosamente, no mesmo dia 24 de maio de 2022 em que veio à tona a citação de Moro na ação do PT, o MPF firmou um acordo de leniência com a empresa de trading company Glencore, também no âmbito da Lava Jato. Como noticiou O Globo:

“A organização, que opera a compra e venda de petróleo e derivados no mercado externo, reconheceu atos de corrupção por meio de pagamentos indevidos a funcionários da Petrobras, com o auxílio de intermediários, para ser favorecida nas transações. Com isso, terá que pagar diretamente à estatal o valor de US$ 39,6 milhões [mais de R$ 190 milhões, no câmbio do dia]. 

(…) O acordo prevê que o pagamento do valor milionário seja efetuado em parcela única, diretamente à Petrobras e em até 30 dias após a homologação do acordo pela 5ª Câmara de Combate à Corrupção do MPF (5ª CCR).”

4.

Encerrada a breve cronologia de exemplos, volto à auditoria técnica do TCU.

Prossegue o relatório, nos item 252 e 253: “E no caso dos valores constantes de tais acordos, não é permitida a sua inclusão na negociação com a AGU em relação aos créditos tributários, conforme normativo da própria AGU. Assim, considerando que [nem] sequer há indícios de perda de arrecadação tributária, não se sustenta a alegação de ocorrência de dano ao erário decorrente da atuação dos Procuradores ou do ex-juiz Sergio Moro e muito menos foi estabelecido o devido nexo causal, não existem elementos para conhecer a representação nesse ponto.”

Mais adiante, no item 260, o ponto é novamente enfatizado, assim como a responsabilidade da Odebrecht pela situação financeira decorrente dos próprios crimes:

“Quanto à prática do lawfarenão há nos autos qualquer indício de transação tributária envolvendo o Grupo Odebrecht nem, repita-se, que a situação financeira atual do Grupo Odebrecht tenha sido causada por Procuradores do MPF em Curitiba/PR ou pelo ex-juiz Sergio Moro. Também não há indícios de utilização dos instrumentos jurídicos, por parte de Procuradores e do ex-juiz, para perseguir, de forma ilegal e propositada, o Grupo Odebrecht. Ao contrário, o modelo de negócio adotado pelo Grupo, baseado no cometimento de fraudes, corrupção e ‘caixa 2’, por muito mais de uma década, é que o levou à situação atual de recuperação judicial e a própria condição de investigado.”

O item 261 mostra como a existência do petrolão foi atestada por diversões órgãos, para muito além da Lava Jato.

“Em adição, a CGU/AGU, o TCU, o CADE, a Polícia Federal, a CVM, a Petrobras e a Receita Federal do Brasil, a partir de suas próprias investigações e elementos compartilhados, também se utilizando dos instrumentos legais, chegaram à conclusão de que houve o desvio de bilhões de reais por meio de fraudes em licitações públicas envolvendo as empresas cartelizadas. E veja que os valores dos danos que estão sendo calculados pelo TCU são muito maiores do que aqueles montantes apurados pelo MPF. 

Negar o exercício de tais competências desses órgãos, e as consequências decorrentes das investigações, seria atentar contra a própria Constituição Federal e legislação vigentes. Assim, da mesma forma que os Procuradores ou o ex-juiz federal, os servidores públicos daqueles órgãos também não podem ser considerados responsáveis pelas dificuldades enfrentadas pelos grupos empresariais envolvidos nas fraudes. Não se trata, portanto, de perseguição ou abuso dos instrumentos jurídicos contra o Grupo Odebrecht, mas da assunção das consequências dos ilícitos cometidos.”

O item 262 registra que a roubalheira correria solta sem a Lava Jato e os demais órgãos:

“Como registrado anteriormente, é viável supor que sem a atuação da OLJ e dos demais órgãos citados não se conheceria o esquema cartelizado, não teriam sido realizadas as investigações nem teriam sido obtidos os elos para identificação dos responsáveis e para quantificação dos montantes desviados.”

O item 263, fundamental, indica a concorrência desleal das empreiteiras mancomunadas com o Poder Público, por meio de suborno, em relação às empresas que atuam honestamente no mesmo mercado de trabalho, também prejudicado.

“Caso não houvesse as investigações por aqueles órgãos, a situação financeira do Grupo Odebrecht e dos demais grupos empresariais possivelmente seria melhor que a atual, em detrimento de outras empresas idôneas e da eficiência do mercado, de uma forma geral. No limite de tal panorama, o cartel continuaria atuando para fraudar os procedimentos licitatórios e manipular preços, projetos inviáveis continuariam a ser construídos com dinheiro público, por preços muito acima do mercado, nenhum responsável teria sido identificado e nenhum valor teria sido ressarcido.

Ou seja: O prejuízo continuaria sendo do erário público, das empresas estatais e dos acionistas. Certamente, essa não é a melhor alternativa.

Como lembra o item 273, “a Exma. Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, homologou os 77 acordos de colaboração dos executivos do Grupo Odebrecht, os quais confirmaram as fraudes, a operação de ‘caixa 2’, o pagamento das propinas, os prejuízos ao erário e o modelo de negócio adotado pelo Grupo por 30 anos”.

“Aliás”, diz o item 274, “o próprio TCU, divergindo dos valores calculados nos acordos de leniência e colaboração, considera que o dano causado ao erário devido às fraudes é bem maior do que os valores que foram acordados nas leniências subscritas pelo MPF, CGU e pelas empresas envolvidas, o que poderá agravar a situação financeira de tais empresas. E, ainda, em diversos casos, este Tribunal sancionou empresas, impedindo-as de contratar com a Administração Pública, bem como indisponibilizou os seus bens, incluindo os de pessoas físicas envolvidas”.

Mesmo assim, só Moro e procuradores da Lava Jato são alvos de perseguição.

Não se tem conhecimento de nenhuma reclamação contra servidores e autoridades das Instituições citadas no sentido de que, no exercício de suas obrigações e competências constitucionais, tenham contribuído para causar as dificuldades financeiras enfrentadas pelos envolvidos. Até porque, não se trata de opção, mas de obrigação de investigar e punir os responsáveis por fraudes.”

Caso contrário“, diz o item 276, apontando a eventual seletividade indesejada, “tais Instituições poderão, de forma injustificada, escolher quem deve ser investigado, sancionado ou condenado. E da mesma forma, agentes públicos e privados poderão cometer fraudes, receber propinas e causar danos ao erário sem o receio de serem responsabilizados sempre que sua situação financeira for prejudicada.”

A legitimação do “rouba mas faz”, em nome da estabilidade, é justamente o desejo dos criminosos e de seus protetores, em sua mistura de fraudes e chantagem emocional.

Por fim, “vale destacar”, como diz o item 277, “que o raciocínio segundo o qual o combate à corrupção teria acarretado a má situação financeira dos grupos empresariais atingidos pelas investigações e sanções é contrário a um compromisso internacional assumido pelo Brasil com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE)” e, como acrescenta o item 278, “poderão ter como efeito prático a negativa de acesso do País a essa condição” (tema abordado no meu artigo “O Brasil na contramão do combate a autocratas e ricos delinquentes“).

Como disse o Sr. Drago Kos, chefe do Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE, citado no relatório: “enquanto a Operação Lava Jato nos deu informações tão positivas sobre a capacidade do Brasil de combater a corrupção nacional e internacional, hoje parece que alguns dos processos iniciados em 2014 estão dando marcha a ré”, “o desejo de encerrar a operação o mais rápido possível é realmente surpreendente”.

A Lava Jato já foi encerrada pelo procurador-geral da República, o “espectador” Augusto Aras, hoje mais ocupado em ofender um colega de Conselho Superior do MPF (“Vossa Excelência não é digno de respeito”) e partir para cima dele. Mas o sistema, sobretudo Lula, continua tentando reescrever a história, em busca de vingança e propaganda eleitoral.

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