Em 17 de janeiro de 1961, durante seu discurso de despedida, o então presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower (um ex-general cinco estrelas do exército norte-americano) disse ao Congresso de seu país que reconhecia a indústria de defesa como vital para a manutenção da paz, mas que, era preciso, no governo, que os líderes se precavessem contra a sua “aquisição de influência injustificada”, pois “o potencial para a ascensão desastrosa de poder ‘fora de lugar’ exist[ia] e persisti[ria]”.
Ao cunhar o termo “complexo industrial-militar”, Eisenhower referia-se a uma ampla e articulada rede de indivíduos, grupos e instituições envolvidas na produção de armas e tecnologia militar, cujo interesse permanente estaria em mobilizar esforços para garantir um nível favorável de gastos do governo em seu segmento. O presidente alertava para os riscos de tensionamento entre interesses públicos e privados, uma vez que haveria necessidade de gerenciar, em muitos momentos, o que seria o melhor para o Estado norte-americano versus o que beneficiaria apenas alguns grupos econômicos.
Eisenhower tinha razão. As guerras e seus senhores tornaram-se assunto permanente em matéria de política doméstica e de inserção internacional dos Estados Unidos. São incontáveis os livros, artigos, documentários e relatórios produzidos ao longo das últimas décadas a respeito deste lobby, considerado um dos mais poderosos do país. Ele reúne membros do Congresso ligados a distritos dependentes dessa indústria, o Departamento de Defesa e os braços a ele relacionados, e empresas de grande porte, como Boeing, Lockheed Martin e Northrop Grumman, por exemplo.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os gastos militares se multiplicaram nos Estados Unidos e, impulsionados pela Guerra Fria e depois pelo 11 de setembro, nunca deixaram de crescer. Os relatórios publicados anualmente pelo SIPRI, o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, evidenciam que o país consistentemente se mantém como o maior responsável por esse tipo de gasto no mundo.
No documento de 2021, ainda antes do início da Guerra na Ucrânia, os norte-americanos apareciam como os que empregaram US$ 778 bilhões nesse setor. Em segundo lugar, com diferença digna de nota, vinha a China (US$ 252 bilhões), seguida da Índia (US$ 72,9 bilhões) e somente então a Rússia (US$ 61,7 bilhões).
O papel do complexo industrial-militar ganhou novo momentum essa semana quando o presidente Joe Biden visitou uma instalação da Lockheed Martin no Alabama. Trata-se da maior produtora de armas do mundo e de uma das mais importantes fornecedoras do governo dos Estados Unidos. Os contratos, nos últimos anos, passaram da casa dos bilhões de dólares. Além disso, a Lockheed também costuma ser mencionada no contexto de discussões envolvendo o papel da OTAN no mundo, uma vez que uma das organizações que mais incentiva sua expansão foi chefiada por um vice-presidente da empresa, Bruce Jackson.
A visita de Biden ocorreu quando muito se falava sobre a necessidade de reabastecer o estoque de armas do país. Estando lá, ele aproveitou para reforçar seu pedido ao Congresso dos Estados Unidos para que acelerasse a aprovação de um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia.
Vale lembrar que, pouco tempo antes, também a Alemanha, que está em vias de rever sua posição sobre desarmamento, anunciou a compra de jatos F-35 da Lockheed, o que causou um pico no preço das ações da empresa, alcançando um aumento de 43,4% em apenas quatro meses.
Desde o início no conflito no leste europeu, os norte-americanos já enviaram bilhões de dólares em armas para a Ucrânia, e o orçamento do Pentágono não pára de crescer.
A disputa envolvendo uma proxy war (uma “guerra por procuração”, conforme já explicamos nessa outra coluna) visando combater um “inimigo externo comum”, com cara de Guerra Fria, conquistou apoio bipartidário nos Estados Unidos. Em ano de eleições legislativas, a barganha da indústria de defesa encontra um horizonte amplamente favorável para a expansão de seus negócios.
Os custos detalhados disso, nos próximos meses e anos, ainda são desconhecidos. Em todo caso, a experiência pregressa permite apostar: 1) no desvio de atenção e de recursos para outras agendas importantes; 2) no aumento progressivo dos déficits federais e; 3) na disputa inter-burocrática cada vez mais intensa dentro dos Estados Unidos.
Por hora, sabemos que o conflito na Ucrânia pacificou republicanos e democratas em torno dos senhores da guerra.
Informações UOL