Segundo técnicos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva bater o martelo. Depois, o projeto será enviado ao Congresso
O projeto prevê um piso por hora rodada para esses trabalhadores, que seria de R$ 30 para motoristas e de R$ 17 para entregadores. O cálculo foi feito para equivaler a um salário mínimo proporcional às horas trabalhadas.
Trata-se de um valor por hora rodada, e não pelo período logado no aplicativo. Nas discussões, os trabalhadores (especialmente os entregadores) queriam uma regulamentação pela hora em que o motorista estivesse logado na plataforma e não por hora rodada, mas o governo argumentou que não haverá essa cobrança.
Para definir a cifra, foram consideradas 176 horas mensais, incluindo o descanso remunerado e os custos operacionais dos prestadores, com o meio de transporte, veículo e motocicleta, e combustível.
O desenho da regulamentação prevê recolhimento de 7,5% dos trabalhadores para a Previdência. As empresas pagarão 20%. Há, porém, diferentes bases para esses valores serem calculados. No caso dos motoristas de aplicativo, os percentuais vão incidir sobre 25% do valor repassado a eles pelas empresas, o que representaria o rendimento efetivo do trabalhador.
Tomando o valor da hora trabalhada de R$ 30, a contribuição vai incidir sobre R$ 7,50.
Já no caso dos entregadores, o governo quer estipular como base de cálculo 50% do ganho. Neste caso, a alíquota incidiria sobre R$ 8,50, considerando o valor da hora de R$ 17.
Representantes dos trabalhadores e das plataformas querem que seja adotada a mesma base de cálculo para todos. As empresas alegam que motoristas também fazem entregas. Outro argumento é que, como os entregadores ganham menos em relação aos motoristas, proporcionalmente, eles pagarão mais para a Previdência.
O governo afirma que isso pode gerar um descasamento entre receitas e despesas com benefícios da Previdência. Com o recolhimento, os trabalhadores passam a ter acesso a todos os direitos relativos ao INSS, como aposentadoria.
Segundo técnicos do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva bater o martelo. Depois, o projeto será enviado ao Congresso.
Os termos da regulamentação foram alinhavados pelo MTE e deverão ser apresentados ao presidente Lula em duas semanas, segundo fontes. O grupo de trabalho criado em maio, com representantes do governo, dos trabalhadores e das plataformas, concluiu as discussões em 30 de setembro.
Como ainda não foi fechado um acordo com os entregadores, só com os motoristas, as negociações continuam. Isso envolve as duas principais empresas dos setores. A Uber teria concordado com a proposta, mas o iFood, não, explicou um interlocutor. Contudo, a empresa de entrega está interessa em fechar um acordo.
As plataformas resistiram ao máximo à contribuição patronal, mas o governo decidiu arbitrar para assegurar proteção previdenciária aos trabalhadores, como acontece com os assalariados. O argumento das empresas é que não há vínculo e não haveria necessidade de cobrar contribuição patronal.
A alíquota de 7,5% para o trabalhador ficou acima do percentual cobrado do microempreendedor individual (MEI), que é 5%, para evitar o descasamento das contas da Previdência no futuro. O valor é o mesmo do piso de contribuição do assalariado. A estimativa é que existam 1,5 milhão motoristas de aplicativos e 300 mil entregadores ativos.
Outros pontos polêmicos estão em aberto. As empresas insistem que os operadores de logística, como motoboys de uma empresa de transporte, por exemplo, fiquem de fora das novas regras, com o argumento de que são assalariados. Mas boa parte está na informalidade, afirmam membros do governo.
Procurado, o MTE não quis comentar, alegando que o projeto ainda está sendo fechado. A iFood não quis se posicionar, e a Uber não retornou.
A negociação no grupo de trabalho criado pelo governo para propor uma regulamentação foi tensa, segundo as empresas. Elas se queixam que o objetivo do grupo era propor regulamentação para uma categoria “diferente”, ligada a novas tecnologias, mas se tornou uma negociação salarial.
Os trabalhadores chegaram a propor R$ 35 por hora para os entregadores, o que foi rechaçado pelas empresas. O valor de R$ 17 acabou avançando quando se fixou a hora rodada em vez da logada.
Os motoristas pediram R$ 32 de vale-refeição, mas aceitaram R$ 30 a hora sem vale.
Não é só o Brasil que tenta regulamentar o trabalho por aplicativos e plataformas on-line. No exterior, alguns países estabeleceram direitos, mas sem considerar esses trabalhadores como empregados; outros determinam que seja registrado o vínculo empregatício, enquanto em outros não há qualquer proteção social.
Em Portugal, salvo nos casos em que a plataforma consiga comprovar que o trabalhador era autônomo, são considerados empregados. A Espanha criou um modelo de trabalho que fica entre a mesma regulação do empregado formal e a do autônomo.
O documento traz regras mais gerais: não estabelece duração da jornada de trabalho, mas determina que todo trabalhador deve ter um intervalo de 12 horas entre cada jornada.
Na Alemanha, os casos são decididos nos tribunais e, em grande parte, a análise gira em torno do grau de autonomia que o trabalhador mantém em sua relação com a plataforma. Em 2020, a Justiça da França reconheceu um motorista da Uber como empregado, em uma ação individual, com o argumento de que ele não definia suas tarifas e trabalhava sem autonomia na prestação do serviço.
Mas, apesar da decisão, a questão está longe de ser resolvida, e cada caso é tratado individualmente nos tribunais: enquanto alguns trabalhadores são reconhecidos como empregados, outros ainda são considerados como autônomos.
Em seu site, a Uber informa que a plataforma conta com seis milhões de motoristas cadastrados no mundo, dos quais um milhão está no Brasil, uma parcela representativa.
Pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com dados da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), estima que há 1,2 milhão de motoristas de aplicativos no Brasil, enquanto são apenas 385 mil entregadores.
O levantamento considerou o intervalo entre agosto e novembro de 2022. Os dados foram compartilhados por empresas como iFood, Uber e 99, representadas pela associação, e mostram também que a jornada semanal desses trabalhadores é de cerca de 4,2 dias.
Entre sindicatos que representam a categoria, os números são diferentes. O Sindmobi, que reúne trabalhadores vinculados a aplicativos no Rio de Janeiro, estima que o número de entregadores e motoristas chegue a 1,8 milhão no Brasil.
A Federação dos Motoristas de Aplicativo contabiliza 1,5 milhão de motoristas vinculados às plataformas, sem considerar o número de entregadores.
Já em um estudo com dados de 2021, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que existem 945 mil pessoas exercendo a função de motorista de aplicativo e taxista no Brasil. Não há informações separadas entre os dois subgrupos.
O Globo