Desde o início de agosto, as farmácias brasileiras foram autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a oferecer uma série de exames diagnósticos simples.
Depois da experiência com os testes de Covid-19 durante a pandemia, o paciente que quer fazer um exame rápido de dengue, Beta-hCG, colesterol, glicemia, teste de tolerância alimentar, hepatite ou sífilis, por exemplo, não precisa mais procurar um laboratório — hoje, basta procurar uma farmácia habilitada.
A ideia é facilitar o acesso a exames simples, principalmente para a população de baixa renda. Porém, a Anvisa alerta que o teste não é definitivo, e deve servir apenas como uma primeira avaliação, uma espécie de guia para um exame mais completo feito em laboratório e interpretado por profissional de saúde especializado.
A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) chegou a emitir um alerta explicando que os exames de alergia oferecidos nas farmácias constatam apenas a sensibilização alérgica, e não exatamente a alergia, o que pode causar confusão no paciente que não conta com um especialista para interpretar os resultados.
“O cidadão, aquele que deveria ter a integridade de sua saúde preservada pelas leis, acaba sendo a vítima da popularização de testes diagnósticos interpretados por profissionais sem o conhecimento adequado para sua correta avaliação”, diz a nota.
O presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), Carlos Eduardo Gouvêa, é a favor do novo modelo e explica que a ideia de oferecer os exames começou a partir do sucesso dos testes rápidos de Covid-19 nas farmácias.
“Das 93 mil farmácias existentes no Brasil, cerca de 10 mil são ligadas à Abrafarma, que é a associação de farmácias no Brasil. Dessas, cinco mil fizeram testes com regularidade durante dois anos da pandemia. Só elas foram responsáveis por 20 milhões de testes”, conta o especialista.
Estima-se que, deste número, cerca de 3 milhões são pacientes que teriam condição de ir a um laboratório, mas escolheram a farmácia. “Conseguimos levar acesso à uma população que é invisível para o SUS. Esse modelo, que deu certo com a Covid-19, pode funcionar com muitas outras condições. O projeto pode não ser o ideal ainda, mas já é um grande avanço”, considera Gouvêa.
O presidente da CBDL explica que as farmácias foram escolhidas por serem ambientes de saúde reconhecidos pela legislação. O farmacêutico é o profissional de saúde que deve fazer o exame e dar o primeiro acolhimento ao paciente, indicando onde ele pode encontrar um centro de saúde para garantir o tratamento.
Um dos exemplos positivos é a hepatite C. A doença é silenciosa e, se o paciente não faz o teste, o problema vai se agravando até que se desenvolve uma cirrose hepática. Nem sempre há tratamento e o indivíduo pode acabar morrendo. Se o quadro é descoberto no começo, a terapia é aplicada antes que o quadro piore. Gouvêa explica que a pessoa pode apenas passar na farmácia, sem exame médico, e fazer o teste.
“O indivíduo sai já referendado para começar a sua jornada como paciente mais cedo, o que promove acesso a uma terapia mais eficaz, assertiva, muitas vezes menos invasiva e com resultados melhores. É uma grande oportunidade de pulverizar o acesso aos exames de forma ampla para a população enquanto diminuímos a sobrecarga do sistema público, inclusive financeira. São muitos benefícios”, aponta Gouvêa.
Apesar de representar uma mudança no cenário de análises diagnósticas, os testes rápidos nas farmácias não são unanimidade.
Em nota publicada no site da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), o presidente do Conselho de Administração da entidade, Wilson Shcolnik, lembra que o ambiente mais apropriado para realização de exames ainda é o laboratório clínico, que é controlado e conta com pessoal qualificado e treinado.
“Nós, profissionais de laboratório, conhecemos muito bem os benefícios e os riscos dos testes rápidos. Os benefícios são os resultados obtidos praticamente em minutos, mas o problema é que o funcionamento e o desempenho desses testes varia muito”, ressalta. Shcolnik lembra que todos os resultados precisam ser confirmados por exames feitos em laboratório.
O presidente da Abramed também aponta que é essencial a comunicação do resultado de alguns exames ao Ministério da Saúde e demais autoridades sanitárias para o controle epidemiológico de algumas doenças.
Em nota, a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (Sbac) também afirma que “lugar de exame é em laboratório”. “A Sbac enfatiza o posicionamento claro e assertivo de que o lugar de realização de exames é no ambiente laboratorial, com avançados equipamentos de medição, laudos assinados por profissionais especializados, sem nenhuma orientação de comércio de fármacos”, diz o texto.
O projeto ainda está no início, e precisa de ajustes: os especialistas reforçam que a população deve entender que é apenas um resultado primário e não deixar de procurar um médico depois do resultado positivo para confirmar o diagnóstico e dar início ao tratamento. Os farmacêuticos também precisam de treinamento e orientação.
Gouvêa explica que, para garantir a segurança do paciente e o padrão do teste rápido, a CBDL tem discutido com as entidades médicas e a Anvisa sobre maneiras de implementar regras de qualidade para os exames, inclusive criando formas de verificar a calibração dos testes.
Fonte: Metrópoles.