O advogado Júlio César Cavalcanti Ferreira, que foi assessor do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), fez uma delação e revelou que juízes investigados na Operação Faroeste, que investiga a venda de sentenças judiciais favorecendo a grilagem de terras no oeste baiano, teriam envolvimento em outros esquemas de vendas de sentenças.
Os depoimentos de Júlio César Cavalcante Ferreira foram agrupados entre fatos relacionados à Operação Faroeste e não relacionados as investigações, que expandem a suspeita de envolvimento de juízes em outros esquemas de venda de decisões.
O acordo de delação foi firmado junto à procuradoria-geral da república e homologado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Og Fernandes no fim de março do ano passado. Além de entregar provas, o delator se comprometeu a devolver mais de R$ 2 milhões, e veículos que teriam sido obtidos por meio das infrações penais supostamente cometidas pela organização criminosa.
Dentro da faroeste, um dos esquemas delatados foi uma suposta negociação no valor de R$ 60 mil envolvendo um processo de recuperação judicial. O advogado relatou que redigiu o voto no sistema do TJ-BA usando a senha de uma funcionária do gabinete da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli.
A negociação, de acordo com Júlio César Cavalcante Ferreira, teria sido feita com o filho da desembargadora, Vasco Rusciolelli. Na delação, o advogado contou que ficou com R$ 10 mil, uma assessora da desembargadora com outros R$ 10 mil, e o filho de Sandra Inês Moraes Rusciolelli R$ 40 mil.
Dos fatos não relacionados à Operação Faroeste, a delação revelou que um interlocutor constante nos relatos de Cavalcanti era o advogado Rui Barata, filho da desembargadora Ligia Cunha, outra investigada.
Em um dos anexos, o advogado disse ter intercedido também em favor de um posto que enfrentava um recurso da Petrobras e do estado da Bahia. A promessa é que ele receberia no esquema R$ 150 mil. Uma parte do dinheiro seria dividida com Vasco Rusciolelli, filho de Sandra Inês.
Em dois casos o advogado apontou decisões referentes a licitações. Uma delas era um processo para beneficiar uma empresa que participou de uma licitação em Camaçari, cidade que fica na região metropolitana de Salvador.
Para isso, teriam sido negociados, disse o delator, pagamento de R$ 60 mil, dos quais R$ 20 mil ficaram com ele e outros R$ 40 mil para Ivanilton Jr., filho do desembargador Ivanilton Silva.
Outro caso que envolve licitação, segundo o colaborador, teria relação com uma decisão contra a Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). Foi negociada uma quantia que ele diz ser de R$ 120 mil a R$ 150 mil com Rui Barata, para intervir junto à sua mãe, desembargadora Ligia Cunha, em favor de um instituto que disputava concorrência pública.
Houve ainda o caso da desapropriação de uma barraca de praia da cidade de Porto Seguro, cidade que fica no sul da Bahia. O delator afirmou ter negociado R$ 40 mil para redigir um voto que seria dado pela desembargadora Sandra Inês, mas houve um pedido de vista por outra magistrada antes, e o valor acabou não sendo pago.
A defesa da desembargadora afastada Sandra Inês Rusciolelli e Vasco Rusciolelli informou que não teve acesso formal a delação e tem se manifestado no processo em que os clientes respondem ou são investigados.
Em nota, Marcelo Leal, advogado dos réus Rui Barata e Lígia Cunha, afirmou que a delação de Júlio Cavalcanti é completamente vazia, não existindo qualquer prova de suas alegações.
A prefeitura de Camaçari informou que não tem conhecimento sobre o fato, apenas tendo tomado ciência da referência ao nome do município nas matérias recentemente veiculadas. O órgão municipal relatou que pelo que foi noticiado, se confirmada a versão do delator, trata-se de disputa entre empresas licitantes, não tendo o município conhecimento acerca de eventual fato criminoso.
Segundo a prefeitura, como são inúmeros os processos judiciais que têm por objeto discussões acerca de procedimentos licitatórios, sendo assim, não é possível identificar de qual caso se está tratando.
A defesa de Ivanilton Silva afirmou que o delator não relata qualquer participação do desembargador, muito menos apresenta qualquer prova nesse sentido. De acordo com o advogado João Daniel, Júlio Cesar Cavalcanti afirmou que Ivanilton jamais recebeu dele qualquer valor e concluiu falando que a delação é “mais uma ficção criada por um criminoso confesso a fim de melhorar sua situação”.
Em nota, o advogado Gabriel Andrade, responsável pela defesa de Ivanilton Junior, informou que o conteúdo da delação é “absolutamente inverídico e contraditório”, a ponto de ser mencionado pelo delator uma decisão judicial que teria sido negociada, quando, na realidade, consta nos autos do processo a publicação de outra decisão em sentido diametralmente oposto.
O TJ-BA informou que o Poder Judiciário da Bahia não se manifesta em questões relacionadas a processos judiciais que tramitam em instâncias superiores.
Sede do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), em Salvador — Foto: Alan Oliveira/G1
Os investigados na Operação Faroeste foram afastados dos cargos e tiveram prorrogação desse afastamento:Gesivaldo Nascimento Britto, José Olegário Monção Caldas, Maria da Graça Osório Pimentel Leal e Maria do Socorro Barreto Santiago e os juízes Sérgio Humberto de Quadros Sampaio e Marivalda Almeida Coutinho.
Recentemente, no dia 5 de maio, o STJ também prorrogou por mais um ano o afastamento da desembargadora Sandra Inês Rusciolelli Azevedo, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA). Ela também é investigada na Operação Faroeste por envolvimento no esquema de venda de sentenças judiciais.
Além de afastada, Sandra Inês também está presa desde março de 2020, em uma das fases da Operação Faroeste. Ela é investigada pela suspeita de ter recebido propina de R$ 250 mil, para dar parecer favorável a uma empresa em um processo judicial.
Sandra Inês foi exonerada do cargo de supervisora do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do TJ-BA em abril de 2020.
A Operação Faroeste começou no final de 2019, com a prisão de quatro advogados, o cumprimento de 40 mandados de busca e apreensão e o afastamento dos seis magistrados – entre eles o presidente do TJ-BA da época. Desde então, várias prisões e movimentações no caso ocorreram.
As investigações da Polícia Federal apontam a existência de um esquema de venda de decisões judiciais por juízes e desembargadores da Bahia, com a participação de membros de outros poderes, que operavam a blindagem institucional da fraude.
O esquema supostamente consistia na legalização de terras griladas no oeste do estado. A organização criminosa investigada contava ainda com laranjas e empresas para dissimular os benefícios obtidos ilicitamente.
Há suspeitas de que a área objeto de grilagem supere os 360 mil hectares e de que o grupo envolvido na dinâmica ilícita tenha movimentado cifras bilionárias.
A Polícia Federal informou que o grupo é suspeito de corrupção ativa e passiva, lavagem de ativos, evasão de divisas, organização criminosa e tráfico influência.
Ao longo das fases anteriores da operação foram presos:
Informações G1 Bahia