O fim do parcelamento sem juros no cartão de crédito teria impacto direto no poder de compra das famílias e no comércio, segundo analistas ouvidos pelo UOL.
Presidente do BC falou em “disciplinar” parcelamento. Em sessão no Senado na semana passada, Roberto Campos Neto levantou a possiblidade de se criar uma tarifa para desincentivar o parcelamento sem juros no cartão. Outra possibilidade em discussão condicionaria o prazo da operação ao tipo de produto. Assim, um eletrodoméstico poderia ser vendido em um maior número de parcelas sem juros do que uma roupa, por exemplo.
A hipótese de fim do parcelado entrou em pauta em meio ao debate sobre os juros do rotativo do cartão. O governo busca reduzir os juros da modalidade, que hoje estão em cerca de 440% ao ano. No mês passado, a inadimplência no rotativo ficou em 49,1%.
O fim do parcelamento sem juros afetaria o consumo e a atividade econômica. Segundo dados do Datafolha, 75% da população fez uso do crédito parcelado sem juros em 2022. “A cultura do parcelamento está muito arraigada. Quando eu interfiro no parcelamento, eu tiro a possibilidade de consumo de diversas famílias”, diz Izis Ferreira, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
População de baixa renda seria a mais afetada. A medida seria prejudicial para o consumidor e para o varejo, diz Mariana Rinaldi, especialista da Fundação Proteste. A população das classes C, D e E seria a mais afetada. “Os mais afetados são os que recebem até dois salários-mínimos, justamente pela perda do poder de compra, não que os demais também não sejam”, diz.
Medida pode gerar revolta na população. O parcelamento contribui para o endividamento da população, que atingiu neste ano níveis recordes, diz a planejadora financeira Myrian Lund. Porém, segundo ela, esse é um tema que deve ser pensado com cautela. “É uma medida que precisa ser muito pensada, porque a revolta vai ser muito grande na população”, diz.
80% das compras parceladas são feitas em até 6 meses, em média, segundo o IDV. O cartão é forma de varejo se aproximar do consumidor. A oferta do parcelamento é hoje um meio de aproximação do varejo com o consumidor, diz Izis Ferreira, da CNC. Com o parcelamento, o cliente faz compras com mais frequência, e o lojista consegue entender melhor as suas necessidades de consumo, adaptando as ofertas.Continua após a publicidade
Custo de crédito aumentaria e varejo perderia bilhões em vendas. Restringir o parcelamento sem juros geraria um aumento no custo de crédito de 35% e uma retração de até 27% no volume de crédito, diz a ABLOS (Associação Brasileira dos Lojistas Satélites de Shopping), em nota. “O varejo perderia R$ 190 bilhões em vendas, gerando um efeito dominó sobre os outros setores da economia”, afirma.
Custo do parcelamento sem juros está embutido nos produtos. A facilidade oferecida aos consumidores tem um custo e ele já está embutido nos preços, dizem as analistas. Os lojistas fazem um contrato com os bancos para antecipar o valor a receber, e pagam uma porcentagem por isso. Esse custo do adiantamento vai para os preços dos produtos, diz Carla Beni, professora da FGV.
Fim do parcelamento pode impactar preço à vista, mas também volume de vendas. Como a antecipação dos valores a receber já está embutida nos preços, o fim do parcelamento pode em tese deixar os produtos mais baratos. “Já imaginou qual seria o impacto para a economia se os produtos pudessem ser desinchados desse adicional que todo mundo paga?”, questiona Beni. Porém, parte da população não conseguiria pagar à vista, o que impactaria o volume de vendas, diz Ferreira, da CNC. “Por mais que o preço seja mais baixo, não consigo chegar no valor que a pessoa precisa”, diz.
Cartão de crédito não está funcionando bem. Ainda que o fim do parcelamento não seja viável, Rinaldi, da Proteste, diz que o produto cartão de crédito não está funcionando bem, por conta da inadimplência e do endividamento. Para ela, medidas que ajudem a combater o problema são bem-vindas. Segundo dados da Serasa, cerca de 30% dos inadimplentes no país têm dívidas com bancos e cartão de crédito.Continua após a publicidade
Consumidor deve estar no centro do debate.As necessidades do consumidor devem ser o foco da discussão, diz Rinaldi. Ela defende também que, qualquer medida a ser tomada, venha com um prazo adequado para adequação da população e do mercado. “A solução é colocar o consumidor no centro desse debate”, diz.
Fim do parcelamento não é solução para os juros altos do rotativo, diz Haddad. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista ao podcast Reconversa que “não pode mexer” no parcelamento, porque “as compras são feitas assim no Brasil”. Segundo ministro, é preciso garantir proteção a quem está no crédito rotativo sem comprometer o varejo.
Febraban diz que parcelamento não vai acabar. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) disse em nota que “não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito”. A entidade disse que analisa as causas dos juros praticados no país e estuda o “aprimoramento” do parcelamento. Afirma, no entanto, que é necessário debater “a grande distorção que só no Brasil existe, em que 75% das carteiras dos emissores e 50% das compras são feitas com parcelado sem juros”.
Informações UOL