No início do ano, o cenário era bem positivo para as empresas do varejo, entre elas o Magazine Luiza. Além da perspectiva da vacinação em massa e a eventual retomada das atividades presenciais, a expectativa dos economistas ouvidos pelo Banco Central para 2021 era de inflação em 3,34%. Por sua vez, os juros ficariam em 3,25%. Naquele momento, a Selic mais baixa influenciava também para que mais investidores estivessem mais presentes na Bolsa, deixando a renda fixa em segundo plano.
No entanto, de lá para cá, o valor de mercado da varejista liderada pelo empresário Frederico Trajano saiu de R$ 162,8 bilhões, no dia 4 de janeiro, para R$ 44,6 bilhões, no último dia 2 de dezembro, de acordo com dados da Economatica compilados a pedido do UOL. Ou seja, o “valuation” atual da empresa corresponde a pouco mais de um quarto (precisamente 27,4%) sobre o início de 2021.
Mas, o que aconteceu para a retração expressiva daquela que era considerada uma das “queridinhas dos investidores”?
A head do setor de varejo e co-head de Equity Research da XP Investimentos, Danniela Eiger, explica que a reversão de diversos componentes econômicos pesou sobre a varejista. Com o aumento dos juros, de 2% para 7,75% ao ano, mais pessoas passaram a recorrer à renda fixa para se proteger da inflação, hoje em 10,67% nos 12 meses encerrados em outubro.
O próprio avanço do IPCA, puxado pelos reajustes nos preços da gasolina, energia e alimentação, é outro componente que corrói a renda da população e afasta os consumidores de gastos não essenciais. Um terceiro aspecto é a possibilidade de recessão em 2022 —no início do ano, acreditava-se em um PIB (Produto Interno Bruto) de 2,5% para o próximo ano.
“Esses três fatores traçam um cenário mais desafiador do ponto de vista de consumo, principalmente categorias cíclicas, que é onde a Magalu atua com a venda de eletrodomésticos e eletroeletrônicos”, afirmou Danniela.
Segundo Gustavo Cruz, economista e estrategista da RB Investimentos, outro componente para o recuo do valor de mercado foi justamente o cancelamento das restrições, com mais pessoas comprando no presencial. “No segundo semestre, muitos investidores entenderam que era o momento de olhar outros papéis que ficaram para trás, como shoppings e educação, deixando de lado o e-commerce”, disse.
No terceiro trimestre, o Magazine Luiza registrou crescimento de 121% na receita bruta, para R$ 10,4 bilhões, enquanto no ano até setembro, o avanço foi de 121,7%, para R$ 31,5 bilhões. Por sua vez, o lucro líquido registrou retração de 30,3% no terceiro trimestre, para R$ 143,5 milhões. Nos nove primeiros meses do ano, porém, o lucro líquido é 189% maior em 2021, na casa dos R$ 497,7 milhões.
Pode favorecer a companhia as mais de 20 aquisições realizadas desde janeiro do último ano, algumas delas estratégicas, como o e-commerce KaBum!, as startups de delivery AiQFome e Plus Delivery e os sites de conteúdo Jovem Nerd e Canaltech.
Mas os investidores querem entender sobre a capacidade da empresa em converter isso em receita diante do cenário de aumento da competição no e-commerce brasileiro.
Se antes o varejo tinha Amazon, Americanas, Ponto Frio e Casas Bahia (da Via) e a própria Magalu como os principais players, esse ecossistema ganhou a presença da AliExpress (do Alibaba) e da Shopee, dois gigantes que fazem barulho na Ásia.
“Como há um cenário de concorrência agressiva no varejo, Magalu tem uma margem de repasse dos custos e da inflação muito mais limitada. A gente vê pressão nas margens operacionais e um custo de aquisição de clientes [CAC] maior, porque a competição se dá também com os bancos digitais”, disse Rodrigo Crespi, analista de equity research da Guide Investimentos. Ele se refere aos marketplaces lançados por Nubank, Inter, Original e Next, que ora atuam como parceiros, ora são concorrentes.
Gustavo Akamine, analista da Constância Investimentos, entende que esse ambiente de competição deixou investidores céticos quanto a uma possível retomada do Magazine Luiza. Ele acrescenta que nessa dinâmica de mercado há uma espécie de efeito dominó: é normal que empresas façam uma oferta subsequente de ações (o chamado “follow-on”) para captar recursos para investimentos e capital de giro.
“Uma empresa que negocia em um valuation mais caro, ele consegue diminuir a diluição de capital novo para a empresa. Um mesmo dinheiro em uma participação mais cara reduz a participação dos acionistas. Isso acaba se tornando uma vantagem muito relevante”, afirmou Akamine. O que ocorre com o Magalu, portanto, é justamente o contrário.
Dessa maneira, Danniela Eiger, da XP Investimentos, mantém uma recomendação neutra para a varejista. “Então, se o investidor não possui o papel, ele não deve comprar porque o cenário é desafiador no curto prazo e deve trazer volatilidade para os papéis”, disse.
Por outro lado, quem já possui precisa avaliar a necessidade de uso daqueles recursos. “É uma decisão particular, que deve ser analisada caso a caso. É importante entender o quanto isso representa no patrimônio e o nível de aversão a risco”, declarou ela.
Informações UOL Economia