Lira mudou ato que permite a parlamentares registrarem presença por aplicativo mais de 10 vezes desde julho de 2022. Flexibilização atende à pauta de votações e agrada parlamentares.
Arthur Lira em 23/05/2023 — Foto: TON MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
A votação remota, criada para que o Congresso Nacional continuasse a funcionar durante a pandemia, tem se tornado cada vez mais um instrumento de poder dentro da Câmara dos Deputados.
Prova disso é que o ato que regulamenta o Sistema de Deliberação Remota (SDR) tem sido utilizado constantemente pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), para viabilizar votações de propostas que exigem mais votos para serem aprovadas, como, por exemplo, a da Reforma Tributária.
Na prática, a deliberação remota muda a dinâmica de votações e pode facilitar a aprovação de matérias. Além disso, é uma estratégia usada para ajudar no cumprimento de prazos regimentais de tramitação e agradar os parlamentares – que podem participar das sessões de suas bases sem ter desconto por falta no salário, como no período eleitoral de 2022 (leia mais abaixo).
Em dias como segunda e sexta-feira, nos quais os parlamentares costumam estar em suas bases eleitorais, o registro remoto de presença facilita o alcance da presença mínima – quórum – para o início das votações.
Segundas e sextas, tradicionalmente, não têm sessões, mas o presidente pode convocá-las, como foi feito na semana em que a Câmara analisou a reforma tributária.
Por outro lado, ao exigir o registro biométrico presencial às segundas e sextas, Lira pode forçar a vinda dos colegas a Brasília antecipadamente e garantir que os pares estarão na cidade para a discussão de matérias consideradas prioritárias até o final da semana.
Procurada, a assessoria do presidente da Câmara informou que “a definição sobre as pautas prioritárias e eventualmente a consideração do processo de votação de acordo com a importância dos temas é discutido e decidido no Colégio de Líderes”.
Arthur Lira, presidente da Câmara, libera presença remota para facilitar a votação da reforma tributária
O Sistema de Deliberação Remota (SRD) foi regulamentado por um ato da Mesa Diretora da Câmara em março de 2020, ainda durante a gestão de Rodrigo Maia (à época, do DEM-RJ), com o objetivo de “viabilizar o funcionamento do plenário durante a emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus”.
O texto liberava o registro de presença e a votação de projetos por meio de um aplicativo, chamado Infoleg, medida necessária para evitar a aglomeração de parlamentares na Câmara.
Com a redução dos casos de Covid, em abril de 2022, o ato que trata da votação remota recebeu um dispositivo que obriga os deputados a irem até a Câmara para registrar presença. Depois, os parlamentares estariam liberados para votar por meio do aplicativo.
O artigo diz que “o registro de presença para efeito de abertura de sessão, início da ordem do dia ou de quórum para abertura de reunião deverá ocorrer exclusivamente de forma presencial nos postos de registro biométrico instalados nos plenários”.
A necessidade do registro biométrico presencial obriga, pelo menos, a vinda do deputado a Brasília. Ou seja, os parlamentares podem votar dos seus gabinetes, sem necessariamente estarem em plenário, por exemplo.
“O presente Ato veicula alterações destinadas a instituir nova disciplina ao registro de presença dos Deputados às sessões da Câmara dos Deputados e às reuniões das Comissões, em harmonia com os esforços de retomada gradual das atividades presenciais nos edifícios da Casa”, justificou Lira.
Em junho de 2022, dois meses depois de obrigar o registro biométrico presencial, Lira editou um novo ato da Mesa Diretora e acrescentou dois parágrafos ao texto.
Um destes dispositivos – parágrafo 7 do artigo 24 – passou a dispensar o registro biométrico presencial às segundas e sextas-feiras, dias em que o Congresso costuma estar esvaziado. Esta é a regra geral.
Este dispositivo, no entanto, tem sido flexibilizado por Lira para acrescentar sessões convocadas para terças, quartas e quintas-feiras.
O texto inicial do parágrafo estabeleceu, na oportunidade, uma exceção pontual: a sessão de 23 de junho de 2022 – quinta-feira.
“O registro biométrico de que trata o caput deste artigo será dispensado no dia 23 de junho de 2022 e nas sessões e reuniões deliberativas convocadas para segundas e sextas-feiras, sendo permitido aos parlamentares nessas ocasiões o registro de presença e a votação das matérias constantes da ordem do dia das sessões ou da pauta das reuniões pelo aplicativo lnfoleg”, diz o ato.
Na sessão, praticamente vazia em razão das festas de São João, nenhum projeto foi votado. O encontro durou 2 minutos.
Apesar de nada ter sido votado, o quórum para abertura foi alcançado e a sessão foi importante para iniciar a contagem do prazo para a tramitação de matérias na Câmara dos Deputados, como as Propostas de Emenda à Constituição (PEC).
Para ser votada, uma PEC precisa ser analisada por uma comissão especial. Segundo o regimento, as comissões especiais que analisam PECs têm um prazo de 10 a 40 sessões do plenário para votar o relatório final.
Na oportunidade, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado de Lira, patrocinou a votação da PEC que concedeu uma série de benefícios sociais em ano eleitoral e a sessão de 23 de junho ajudou a contar nesse prazo.
O dispositivo que exige a biometria presencial para contabilidade de presença já foi flexionado outras 12 vezes com o intuito de acrescentar exceções à regra geral – votação 100% remota às segundas e sextas-feiras – conforme as matérias em pauta ou em tramitação na Casa:
Vista do plenário da Câmara dos Deputados antes do início da votação do texto da reforma tributária, em Brasília, na noite desta quinta-feira, 6 de julho de 2023. — Foto: CLÁUDIO REIS/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO
O líder do Solidariedade, deputado Áureo Ribeiro (RJ), defende o uso do sistema. Para ele, o instrumento garante a participação de mais parlamentares na sessão.
“A votação remota é um instrumento tecnológico, de avanço muito grande e eu sou defensor de que ela possa servir para todas as votações”, afirmou.
Por outro lado, a vice-líder do PSOL, Fernanda Melchionna (RS), afirmou que o modelo dificulta o debate político ao agilizar a análise das matérias.
“O sistema remoto foi instituído durante a pandemia. Agora, pós pandemia, não tem nenhuma lógica você ter esse modelo, que já é híbrido, e ainda ser flexibilizado sistematicamente”.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), defendeu o modelo utilizado.
“É um sistema moderno, ajuda. Esse sistema veio para ficar. Não é um instrumento para ajudar ou dificultar nada, governo ou oposição, é um sistema moderno”.
O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) defendeu que as flexibilizações sejam votadas no plenário antes de entrar em vigor e que os deputados tenham o direito de discursar mesmo no ambiente virtual, o que é vedado hoje.
“Aqueles que participam virtualmente deveriam ter direito a falar, como foi durante a pandemia. Do jeito que está, o sistema é absolutamente arbitrário”, afirmou.
Informações G1