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Isenção da cesta básica tem mais incertezas e ‘lobby’ do que alívio nos preços

Diferentes setores defendem a inclusão ou exclusão de itens da lista que não pagarão impostos; reforma não diferencia rico de pobre

O motor da reforma tributária é a simplificação dos impostos no Brasil. Mas isso significará redução do preço dos alimentos da cesta básica? A resposta é sim, mas com algumas ressalvas e muitas dúvidas, discussões e interpretações. O texto da reforma aprovado na Câmara dos Deputados e que segue para votação do Senado zera os impostos sobre eles. Mas abre as portas para uma discussão mais complexa: o que, afinal, compõe a cesta? Muito além do arroz e do feijão, diferentes setores defendem incluir ou retirar categorias de alimentos que podem abranger desde opções tradicionalmente mais caras, como filé mignon e salmão, a ultraprocessados, como salsicha e miojo.

Após ser aprovada na Câmara no início de julho, a reforma precisa ser votada no Senado, o que está previsto para ocorrer ainda neste ano. Até lá, diferentes setores opinam sobre o que deveria ou não estar na cesta básica e ser favorecido com a isenção de impostos — que beneficia não somente o consumidor, mas a indústria alimentícia. Confira os detalhes nesta que é a quarta matéria da série de reportagens “Be-A-Bá da Reforma”.

O que a reforma tributária altera na tributação da cesta básica?

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária determina que uma lei complementar, que ainda será discutida, definirá a cesta básica nacional de alimentos. Não haverá incidência de impostos sobre os itens que a compuserem. Atualmente, os itens da cesta não têm impostos federais, mas sofrem tributação estadual. Na prática, é como se houvesse 27 cestas básicas diferentes no país, pois cada Estado tem uma lista de alimentos e regras próprias de tributação. Ou seja, com a reforma, pode ser que haverá menos impostos sobre a cesta.

Os alimentos fora dela também terão redução de impostos. A reforma tributária estabelece uma alíquota padrão para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), novo tributo que substituirá os atuais federais IPI, Cofins e PIS, além do ICMS (estadual) e ISS (municipal). No caso da comida, a alíquota será reduzida em 60%.

“Hoje, a cesta básica é tributada nos Estados. Além disso, nosso sistema é acumulativo, não devolve o dinheiro gasto na semente, no óleo diesel utilizado no trator etc. A cesta tem resíduos tributários”, pontua o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordenou o grupo de trabalho para a reforma tributária.

Uma crítica de alguns analistas é que a desoneração da cesta básica isenta produtos e não consumidores de baixa renda. Isso ocorre porque tanto ricos quanto pobres consomem produtos da cesta. Mas, para pessoas com renda mais baixa, o gasto com alimentos representa uma fatia muito maior do salário. Para o deputado Reginaldo Lopes, que defende a isenção da cesta básica, os gastos dos mais pobres com alimentação podem ser compensados pelo cashback, mecanismo também previsto na reforma que intenciona devolver aos cidadãos parte do valor pago em impostos. Ainda não há, porém, definição sobre como a ferramenta será implementada ou qual será o público beneficiado por ela.

Confira mais no vídeo:

Como filé mignon, arroz arbóreo e cápsula de café podem parar na cesta básica?

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara determina a criação da cesta básica nacional, porém não explica os critérios que serão utilizados para formá-la. Essa indefinição abriu uma corrida de setores para sugerir o que consideram mais importante acrescentar na lista. “É uma procuração em branco para o Congresso. Fica aberto o espaço para olobby. O que se espera é que essa cesta básica trate de produtos que são normalmente consumidos pela população de baixa renda”, reflete o presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Janir Adir Moreira.

A depender da forma como os alimentos sejam incluídos na lista da cesta básica, entretanto, opções geralmente distantes do prato da maior parte dos brasileiros, como filé mignon e salmão, podem ser isentos de impostos. A lista proposta pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) ao Congresso, por exemplo, inclui categorias amplas de alimentos, como “carne bovina”, sem especificar cortes. Da mesma forma, cita o café sem qualquer especificidade — o que abre margem para o entendimento de que as cápsulas, por exemplo, também sejam isentas, além do café em pó. E arroz, que pode ser o simples ou o arbóreo (modalidade mais cara e muito usada para fazer risoto).

A Abras argumenta que a população teria mais liberdade de escolha se grandes categorias de alimentos fossem isentas, em vez de itens específicos. “A sugestão de produtos da cesta básica determina alíquota zero para as categorias essenciais à alimentação da população, e não devemos determinar quais itens de cada categoria o consumidor deverá ou poderá comprar, mas sim que essas categorias tenham isenção total de impostos para serem acessíveis à população. O consumidor terá a liberdade de escolher os itens que preferir para a sua cesta básica, não diferenciando população nem classe social por meio de imposto de consumo”, diz o vice-presidente de Ativos Setoriais da entidade, Rodrigo Cantusio Segurado.

Já a especialista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ana Maya pensa que não é bem assim. Ela justifica que os preços mais elevados não serão significativamente reduzidos pela isenção de impostos e continuarão inacessíveis. “Precisamos ter especificidade dos tipos de carne, de peixe, de proteínas na cesta básica. A população vulnerável ainda não terá acesso a filé mignon e salmão, porque eles continuarão caros”.

A cesta básica será mais saudável?

Outro ponto que preocupa a especialista do Idec Ana Maya é a possível isenção para alimentos ultraprocessados — aqueles que passaram por maior processamento industrial e que, em geral, possuem maior teor de gordura e açúcar, por exemplo. Uma série de estudos associam o consumo frequente desse tipo de alimento, que costuma ser mais barato e, portanto, acessível, à incidência de câncer e mortes prematuras. Maya defende não só que eles sejam excluídos da cesta básica, mas também que não sejam favorecidos com a diminuição da alíquota prevista para os alimentos em geral.

Na perspectiva dela, esse tipo de alimento deveria ser incluído no chamado “imposto do pecado”, tributação mais alta prevista na reforma tributária para produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O Idec defende que o governo siga os parâmetros do Guia Alimentar para a População Brasileira, documento aprovado pelo Ministério da Saúde em 2014 que propõe reduzir o consumo de ultraprocessados e aumentar o de alimentos in natura no dia a dia da população.

A posição também é defendida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). “É fato que a comida saudável está cada vez mais distante da mesa dos brasileiros, o tipo de alimentação está mudando. Em 2022, os alimentos ultraprocessados se tornaram mais baratos do que a comida de verdade no Brasil e isso é uma situação gravíssima e está colocado no centro das discussões e das controvérsias em torno da reforma tributária”, pondera Paula Johns, conselheira nacional de saúde e representante da Associação de Controle do Tabagismo, Promoção da Saúde e dos Direitos Humanos (ACT),ao site do CNS. O texto do CNS também exemplifica que os achocolatados e macarrão instantâneo, ultraprocessados, são favorecidos com alíquota zero do PIS/Cofins, enquanto o suco de frutas integral paga uma alíquota de 9,25%.

“As pessoas estão comendo mais ultraprocessados porque não têm dinheiro, e isso não é saudável. A alimentação é um tema prioritário no país”, pontua a economista sênior do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Lino Costa.

A cesta básica ficará mais barata?

O Dieese fez uma simulação da potencial redução do preço da cesta básica. Caso a única mudança no cenário seja o corte de impostos com a reforma tributária, haveria uma queda de R$ 67 da cesta, considerando o preço médio nacional, segundo a economista sênior da entidade Patrícia Lino Costa. Assim, se o consumidor comprasse uma cesta por mês, economizaria cerca de R$ 800 por ano. A análise considera somente 13 itens da cesta (entenda mais no tópico seguinte) e é baseada no que se sabe da reforma hoje e que ainda pode mudar.

Antes de o texto atual ser aprovado na Câmara, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou que a carga tributária sobre a cesta básica poderia ficar 60% mais alta se fosse aplicada uma alíquota de 12,5% sobre ela. Já naquela época, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, contestou o dado. O cálculo da Abras não diz que a cesta em si ficaria 60% mais cara, e sim que os impostos sobre ela aumentariam nessa escala.

Quais produtos serão incluídos na cesta básica?

Essa é uma das principais dúvidas sobre o tema, pois o texto da reforma determina a criação de uma cesta básica nacional, contudo não esclarece quais serão os critérios adotados para isso. Hoje, estima-se que há 1.380 itens considerados básicos e isentos de impostos federais.

A cesta considerada pelo Dieese, uma das referências nacionais do tema, faz um recorte de 13 itens da lista nacional e considera as quantidades necessárias para a alimentação mensal de uma família de dois adultos e duas crianças. O valor médio dessa cesta é calculado nas capitais. Em junho deste ano, o preço em BH foi R$ 656,02. A mais cara é a de São Paulo, R$ 783,05.

Com base na cesta em São Paulo, o salário mínimo necessário para o trabalhador e sua família terem acesso a alimentação e a outros serviços básicos seria R$ 6.578,41. Confira o que está incluído na cesta básica considerada pelo Dieese:

Hoje, cada Estado tem uma cesta básica específica com itens que recebem um tratamento tributário especial. Em Minas, a lista tem 60 itens, cuja carga tributária varia entre 7% e 12%. Ela inclui uma série de carnes, queijos e pão de queijo, por exemplo. São Paulo inclui também itens de higiene, e o Rio de Janeiro, protetor solar e repelente. O deputado federal Reginaldo Lopes avalia que há espaço para incluir itens de higiene também na cesta nacional: “Tudo o que for essencial à vida do ser humano”, pontua.

Quem decide o que irá na cesta básica?

Como a lista será instituída por uma nova lei, ficará à cargo do Congresso definir a lista de alimentos e outros itens que serão incluídos na nova cesta básica nacional. É um cenário que possibilita pressões, avalia a especialista do Idec Ana Maya. “É uma discussão difícil, porque a indústria de alimentos ultraprocessados, que defende salsicha e refrigerante, tem acesso aos parlamentares e tem pressionado para abrir espaço para benefícios fiscais para os produtos que eles defendem”, diz.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) sugeriu uma lista de 38 itens que poderiam ser incluídos na nova cesta básica e, assim, ficar isentos de impostos. Ela vai além da lista do Dieese e inclui itens de higiene, por exemplo. Veja a sugestão:

Proteínas

Farinhas e massas

Laticínios

Cereais e leguminosas

Outros

Frutas, legumes e verduras (FLV)

Higiene pessoal

Limpeza

FONTE: terrabrasilnoticias.com

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