A legislação ucraniana garante que combatentes mortos durante a guerra têm direito a uma indenização de US$ 400 mil, o equivalente a cerca de R$ 2 milhões. As famílias dos quatro brasileiros que atuaram como voluntários das tropas da Ucrânia e morreram durante o conflitoesperam receber o pagamento.
Um decreto foi assinado pelo governo ucraniano, no início da invasão russa, em fevereiro de 2022, para garantir “a proteção social e legal” aos parentes de militares mortos em combate.
O pagamento inicial deve ser de R$ 400 mil — o restante (R$ 1,6 milhão), dividido em 40 parcelas, de acordo com a resolução do Ministério da Defesa da Ucrânia, de janeiro deste ano.
Especialistas consultados pelo UOL atestam a legitimidade do pedido de indenização das famílias de voluntários estrangeiros mortos em combate. Eles alertam, porém, para a necessidade de que tenham um advogado ucraniano para representar os seus interesses.
Questionado se tem conhecimento da lei e se há algum tipo de contato com o governo ucraniano, o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) disse que “eventuais contratos privados assinados por cidadãos brasileiros no exterior” fogem da sua competência.
Procurada, a Embaixada da Ucrânia no Brasil não respondeu aos questionamentos feitos pelo UOL.
As pessoas com direito de receber o auxílio financeiro pontual, previsto nesta resolução, poderão exercê-lo a partir da data da morte (…) durante o período de lei marcial, especificada no atestado de óbito.”
As famílias dos combatentes mortos devem receber uma ajuda financeira [de um valor equivalente a R$ 2 milhões]. Só não terão direito à indenização os parentes de cidadãos da Rússia, de Belarus [país aliado dos russos] ou de pessoas que residam permanentemente nesses países. As famílias de condenados por traição ou assistência ao Estado. agressor também não terão direito ao auxílio.
Trechos da resolução assinada pelo governo ucraniano
Voluntários vindos de outros países têm direito aos mesmos benefícios e garantias oferecidas aos combatentes ucranianos na guerra. Formalmente, os estrangeiros não fazem parte de uma organização separada. Eles integram as forças armadas da Ucrânia.
Kostia Gorobets, advogado ucraniano especialista em direito internacional
As famílias de voluntários brasileiros mortos em combate precisam de um advogado ucraniano que possa representá-los no país em guerra porque é um assunto interno da Ucrânia. Levar o assunto ao Itamaraty só daria resultado se o Brasil assumisse uma representação diplomática. É preciso que algum tratado internacional regulamente a atuação de voluntários em combate.
Alonso Gurmendi Dunkelberg, advogado e professor na Universidade de Oxford, no Reino Unido
A questão crucial é que estamos falando de um país que teve uma redução no PIB de 22% só em 2022, com previsão de queda ainda maior neste ano. A estimativa é de 350 mil combatentes mortos. A Ucrânia precisaria de auxílio dos EUA e de países europeus para pagar as contas e manter o esforço de guerra. Se não houver uma reviravolta financeira, a chance de pagamento de indenizações é mínima.
Tito Barcellos Pereira, geógrafo e especialista na atuação das forças armadas no mundo
O gaúcho André Hack Bahi, 43, foi o primeiro combatente brasileiro morto em confronto na Ucrânia. Veterano de guerras anteriores, ele morreu em junho de 2022 em combate em Sieverodonetsk, um dos principais campos de batalha no leste ucraniano.Continua após a publicidade
Os restos mortais dele só chegaram ao Brasil em dezembro, seis meses após a sua morte.As cinzas foram jogadas pela família em uma praia do Ceará.
Thalita do Valle, 39, morreu no mesmo bombardeio que vitimou o gaúcho Douglas Búrigo, 40, no dia 1º de julho de 2022, na cidade de Kharkiv. As cinzas de Búrigo foram entregues à família no dia 20 de setembro do ano passado.
Búrigo revelou medo de morrer em áudioenviado a um amigo dias antes do bombardeio. “Tô apavorado aqui já. Abateram um colega nosso aqui. Rapaz, eu vou te falar bem a verdade. Não sei se volto vivo para o Brasil. Se eu não voltar, eu quero que vá a bandeira [do Brasil] pra mim”, disse.
O paranaense Antônio Hashitani, 25, foi o quarto brasileiro morto na guerra da Ucrânia. Ele estava em um bunker bombardeado por russos no último dia 2 de agosto, próximo à cidade de Bakhmut. As informações foram repassadas por voluntários aos parentes dele. A morte foi confirmada pelo Itamaraty.Continua após a publicidade
Hashitani era estudante de Medicina e havia trancado a sua matrícula para viajar para a Tanzânia, na África, em abril deste ano. Lá, ele participava de um projeto social e sonhava em construir uma escola para crianças. Após viajar para a Tanzânia, Hashitani se alistou junto às tropas ucranianas sem avisar a família.