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AFP – Quando o marido de Priscila Tomás da Silva perdeu o emprego de carregador de caminhões por causa da paralisação das atividades para conter o novo coronavírus em São Paulo, o casal enfrentou uma escolha difícil: pagar o aluguel ou alimentar os seis filhos.

Eles, então, construíram um barraco em uma nova favela na periferia norte da cidade, um símbolo da devastação que a pandemia provoca no Brasil.

A comunidade, no bairro Jardim Julieta, surgiu em um estacionamento informal para caminhões.

Há quatro meses, um grupo de novos sem-teto começou a transformá-lo em uma favela em expansão, como consequência da devastação que a COVID-19 causa no Brasil, o segundo país do mundo mais castigado pela pandemia, atrás dos Estados Unidos.

Agora, cerca de 700 famílias vivem ali. A cada dia, mais pessoas parecem chegar, carregando móveis sobre as cabeças nos becos sem pavimentação, tendo ao fundo o ruído de martelos e furadeiras, o som da construção de novos barracos feitos de madeirite, placa de compensado de madeira.

A maioria das casas ainda não tem banheiro e muitas têm lonas de plástico como telhados improvisados.

As condições são de aglomeração, a higiene é um desafio e o distanciamento social, praticamente inexistente, enfatizando a vulnerabilidade das favelas ao vírus.

Mas as pessoas se esforçam para transformá-las em lar.

Dentro de um barraco, um amontoado de tábuas cortadas com uma cama feita de pallets de madeira, Priscila, de 35 anos, carrega o filho pequeno, enquanto explica como sua família de oito pessoas se viu incapaz de pagar o aluguel de R$ 500 por mês.

“Devido à pandemia, meu marido, que é o único que trabalha, foi mandado embora. A gente não tem como pagar o aluguel porque tem seis filhos também… Ficou difícil e aí a gente veio pra cá”, relata à AFP.

Os efeitos econômicos da pandemia são sentidos com mais força entre os mais pobres no estado de São Paulo, epicentro na doença no país, com quase 25% das 91.263 mortes registradas no Brasil.

Muitas pessoas com trabalhos informais, como diaristas, ajudantes de pedreiro e empregadas – cerca de 40% da força de trabalho na maior economia da América Latina – praticamente perderam toda a sua renda quando as medidas de quarentena as impediram de trabalhar.

Muitos países suspenderam os despejos de inquilinos nestes casos.

Mas no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro vetou uma lei similar em junho.

Na favela de Jardim Julieta, muitos moradores dizem ter ficado se opções.

Joyce Pinto, de 27 anos, perdeu o trabalho informal em uma gráfica quando São Paulo entrou em quarentena, deixando-a sem creche para a filha de dois anos.

“E tive que ficar em casa. Foi faltando o dinheiro do aluguel”, contou Joyce.

“Ele (o proprietário da casa antiga) tava me ameaçando”, relata seu marido, Gilmar Chaves, de 29 anos, que vivia de bicos e está sem trabalho.

Joyce o interrompe.

“Ele ia matar ele (o marido) e minha filha”, conta, com os olhos cheios de medo.

Então, eles pegaram dinheiro emprestado com a mãe dela para a madeirite e construíram o barraco.

Desde que a pandemia começou, os novos sem-teto também começaram a invadir um prédio abandonado no centro da cidade de São Paulo.

De fato, ao longo do tempo, epidemias e pestes têm empurrado os pobres no Brasil a residir em favelas e outros assentamentos informais, afirma o arquiteto Lino Teixeira, coordenador de políticas urbanas do Observatório das Favelas, um grupo de pesquisas e defesa da moradia na região metropolitana de São Paulo.

“Historicamente, as pandemias estão ligadas à formação das favelas e à formação de políticas de remoção. No Rio de Janeiro, a própria formação da favela está ligada a um conjunto de epidemias urbanas, desde a febre amarela até a gripe espanhola, a varíola, depois o sarampo”, relata.

Frequentemente, os pobres são novamente despejados de seu território recém-reivindicado. E 2020 não é uma exceção.

“O que a gente tem visto é um ciclo vicioso. O agravamento da crise econômica, que já vinha acontecendo, se agrava agora com a pandemia. Aí a pessoa não consegue arcar com os custos do aluguel, acaba sendo despejada, e acaba ocupando algum espaço, que provavelmente é ambientalmente frágil, e logo em seguida vem a remoção”, explica Talita Gonzales, pesquisadora do Observatório de Remoções, um grupo de defesa do direito à moradia.

Em São Paulo, a maior cidade da América do Sul, mais de 2.500 famílias foram despejadas ou ameaçadas de despejo durante a pandemia, mesmo com as recomendações do governo para que todos permaneçam em casa, segundo o grupo.

As autoridades já emitiram ordens de despejo para os moradores da favela do Jardim Julieta. O prazo vence em 7 de agosto.

Mas muitos não têm aonde ir.

“Aqui a gente ainda tem uma cobertura, né? Mesmo que de madeirite, telha simples, mas estamos cobertos”, diz Luciene dos Santos, de 42 anos, auxiliar de cabeleireira desempregada.

“Se não ficarmos aqui, vamos pra onde? Viver embaixo da ponte como muitos aí?”, questiona.

A favela Jardim Julieta
© FERNANDO MARRON A favela Jardim Julieta

Fonte: AFP

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