As compras de brasileiros no comércio on-line no exterior, que entram no país como encomendas de pequeno valor, registraram queda de 16,12% nos dez primeiros meses de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado. O recuo ocorreu no momento em que o governo apertou a fiscalização contra empresas que exportam para o Brasil encomendas de até US$ 50 e criou um programa específico para essas mercadorias. Os dados são do Banco Central, compilados pelo Banco Inter.
De janeiro a outubro de 2023, as encomendas internacionais de pequeno valor somaram US$ 8,34 bilhões. Em 2022, no mesmo intervalo, esse total foi de US$ 9,94 bilhões. Apenas em outubro deste ano, último dado disponível, a redução foi de 54,5%, frente ao mesmo período de 2022 — de US$ 1,449 bilhão, no ano passado, para US$ 658 milhões.
Em agosto, entrou em vigor um programa do Ministério da Fazenda chamado deRemessa Conforme, que funciona por adesão. Com ele, o Imposto de Importação para compras de até US$ 50 foi zerado — antes, era de 60%. O governo, porém, avalia aumentar a alíquota no ano que vem.
Além disso, essas empresas devem pagar ICMS (imposto estadual) de 17%, sobre compras de qualquer valor. Antes do programa, não havia alíquota única do imposto estadual para essas compras.
As empresas internacionais de comércio eletrônico em atuação no Brasil já aderiram ao programa. Na lista estão:Amazon,Shein,AliExpress,Mercado LivreeShopee.
— A desaceleração na atividade em 2023 teve impacto nas importações como um todo, que caíram cerca de 11% no acumulado do ano. No entanto, a categoria de encomendas de pequeno valor teve queda mais acentuada, devido ao impacto da maior tributação que passou a ser aplicada, além de aumento da fiscalização — avalia Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
Ao longo do ano, o Fisco vinha identificando que empresas estrangeiras estariam enviando compras fatiadas ao Brasil em nomes de pessoas físicas para evitar tributação. Isso porque, por lei, pessoas físicas podem enviar remessas de até US$ 50 para outras pessoas físicas, em solo brasileiro, sem pagar o imposto de importação na base de 60% sobre o produto ou bem.
Como exemplo, a Receita Federal cita que nomes fictícios, inclusive de pessoas famosas, estavam sendo usados nas operações, ou a situação em que uma pessoa física enviou para o Brasil 16 milhões de remessas de itens ou produtos.
Foi nesse contexto que a Fazenda criou o programa Remessa Conforme, abrindo exceção ao zerar o imposto federal. Em contrapartida, as empresas precisam cumprir uma série de regras, como a declaração de importação e o pagamento dos tributos antes da chegada da mercadoria no Brasil, além da obrigação de informar ao consumidor a procedência dos produtos e o valor total da mercadoria (com inclusão dos tributos federais e estaduais).
O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, informou em outubro que o Fisco estava se encaminhando para a marca de 70% das remessas internacionais declaradas em solo brasileiro. A meta é atingir 100% até o fim do ano. É um salto em relação ao 3% de informações declaradas antes do Remessa Conforme, conforme estimativa do Fisco.
É com base nesse conjunto de dados sobre as operações que o governo estuda aplicar uma alíquota para as compras de até US$ 50. Ou seja, retomar o Imposto de Importação nesses casos. A ideia é encontrar um consenso entre a demanda do varejo nacional, que pressiona pela tributação, e a necessidade de aplicar um valor menor que 60% — que poderia desestimular o consumo desses bens.
O secretário executivo da Fazenda, Dario Durigan, já declarou que o valor do Imposto de Importação deve se aproximar de 20%, no caso das compras de até US$ 50. Porém, não há uma definição fechada.
Números da Neotrust mostram queda de 17,4% no volume de pedidos e de 11,6% no faturamento acumulado de janeiro a outubro no e-commerce brasileiro. As estatísticas não incluem informações de plataformas de venda cross border, como as asiáticas.
Mas mostram que o varejo enfrenta, desde o ano passado, condições macroeconômicas desfavoráveis, segundo Luiz Otávio Cambraia, gerente de vendas da Neotrust:
— Vimos uma melhora no varejo no segundo semestre deste ano, mas o cenário ainda não é de crescimento. É de diminuição dessa queda.
Para Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), a queda nas compras internacionais está mais relacionada ao Remessa Conforme do que à incidência de ICMS. Ele lembra que as estrangeiras precisaram se adequar, o que exigiu adaptação de plataformas e deixou consumidores mais cautelosos:
— Falta recompor a diferença (de carga tributária). O cenário ainda é favorável para as plataformas estrangeiras.
A Shein informou que segue comprometida com o plano de conformidade e em diálogo com o governo para que “possa contribuir para o aprimoramento do programa”. E diz que o mercado local representa quase 50% do volume de vendas no Brasil. Até o fim de 2026, a expectativa da empresa é chegar a 86% de vendas locais, considerando fabricantes e vendedores.
O Mercado Livre disse ser favorável ao programa, embora com ressalvas sobre a isenção para compras internacionais de até US$ 50, e defende a isonomia de impostos entre empresas locais e internacionais.
Já a Shopee, plataforma de Cingapura, ressaltou que o foco da sua atuação é local, com mais de 90% das operações de vendedores brasileiros.
A AliExpress informou que “após a implementação do Remessa Conforme, o consumidor brasileiro tem “sentido o impacto das mudanças, alterando seus hábitos de compra e reduzindo, principalmente, o consumo de itens acima de US$ 50 na nossa plataforma.” Estes têm taxação maior.
Informações TBN