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Reprodução/O Globo

Após o recesso de carnaval, o Senado impôs um novo revés ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, logo na primeira votação, ao aprovar nesta terça-feira um projeto que encerra a prática da “saidinha” de presos em datas comemorativas. O projeto recebeu 62 votos a favor e apenas 2 contra.

Contrariando a posição do governo, o projeto foi relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e incluiu uma emenda do senador Sergio Moro (União-PR), ambos destacados adversários políticos do PT na Casa. O texto agora retorna à Câmara dos Deputados, onde passará por uma nova votação.

Apesar dos esforços nos bastidores para bloquear a aprovação da medida, o governo não obteve sucesso. No plenário, até mesmo senadores da base governista votaram a favor.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, é contrário à política de encarceramento em massa e já expressou sua oposição a esse tipo de medida no passado, como em seu discurso de posse. Durante sua presidência no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele foi responsável pela implementação das audiências de custódia, que reavaliavam prisões em flagrante em até 24 horas.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), reconheceu que legendas da base orientaram a favor do projeto, mas afirmou que, mesmo assim, não daria orientação favorável e liberou a bancada.

–A única coisa que me sobra aqui é liberar a bancada do governo na medida em que, eu não gosto da ideia de liberar, mas eu também não vou conflitar com todos os líderes que já encaminharam, então, o governo nesse caso vai liberar e eu vou explicar para o governo qual foi a posição que aconteceu–afirmou Wagner.

Ele disse que não houve orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre vetar o projeto.

O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), liberou a bancada do partido e defendeu que a medida fosse ainda mais restritiva do que propôs a oposição.

Partidos da base do governo, como o União Brasil e o PDT foram favoráveis ao projeto. O PSB e o PT liberaram sua bancada.

– O PDT faz o encaminhamento sim, pelos nossos estados, mas que tenhamos um debate – disse a senadora Leila Barros (PDT-DF).

O Palácio do Planalto ainda avalia a possibilidade de Lula vetar a medida caso o texto passe novamente pela Câmara. Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, porém, um eventual veto ainda não foi discutido.

— A gente não trabalha com “se” nem com “caso”. Tem um projeto que está em tramitação ainda. O governo e os líderes vão debater — disse Padilha, antes da aprovação no Senado.

Atualmente, a legislação prevê que detentos com bom comportamento no regime semiaberto possam temporariamente deixar a prisão para visitar familiares durante os feriados, participar de atividades que contribuam para sua reintegração social e frequentar cursos.

No entanto, o projeto relatado por Flávio Bolsonaro propõe a exclusão das duas primeiras possibilidades. Durante a análise no Senado, Flávio Bolsonaro acatou uma emenda apresentada por Moro, que modifica o texto para permitir que os presos saiam para frequentar cursos supletivos profissionalizantes, de ensino médio ou superior. A emenda também estipula que essa autorização não se aplique a presos condenados por “crime hediondo” ou por crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa.

— O Senado – como acredito que fará, aprovará esse projeto – dá uma bela resposta à sociedade em mostrar que não estamos ausentes do debate, que não vamos nos omitir em discutir a segurança pública neste país— afirmou Moro.

O tema é uma bandeira de parlamentares de direita, que defendem uma política penal mais dura para evitar que condenados por crimes possam ser reintegrados à sociedade antes de cumprirem suas penas. A morte de um policial militar em janeiro deste ano, em Minas Gerais, reacendeu o debate.

O sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, foi baleado por um fugitivo que não voltou para a cadeia após a saída temporária de Natal. Flávio Bolsonaro anunciou que, caso seja sancionada, a lei levará o nome do policial militar.

Na época, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o Congresso precisava alterar a lei que trata das “saidinhas” de presidiários durante feriados. Na rede social X (antigo Twitter), Pacheco escreveu que o crime cometido “é de gravidade acentuada e gerou a todos grande perplexidade e tristeza”. O presidente do Senado ainda citou outros casos de violência contra policiais e disse que a situação pede um reação do Congresso, que segundo ele, deve promover mudanças na lei que delimita as “saidinhas” de fim de ano para presidiários.

O projeto tramita no Congresso há 14 anos e foi aprovado pela Câmara em 2022. O Senado aprovou a urgência do texto na semana anterior ao carnaval, em uma votação simbólica ( quando não há a contagem de votos individuais) que durou 48 segundos.

“A ‘saidinha’ falha com as vítimas e compromete nossa segurança. Não podemos tolerar mais impunidade. Apoio firme ao projeto que encerra essa brecha. A justiça não pode ser opcional”, escreveu o senador Nelson Trad (PSD-MS), nas redes sociais antes da votação.

Criminalistas, contudo, criticam o projeto e afirmam que a medida é ineficiente.

— A medida é antiquada e ineficiente. Descumpre a finalidade precípua, a ressocialização e a integração à comunidade. A medida parece visada para retroalimentar o crime organizado que precificará seus componentes. Talvez, o intuito seja outro — afirmou Thiago Turbay, advogado criminalista e sócio do escritório Boaventura Turbay Advogados.

O doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), Rubens Beçak, diz que a efetividade das “saidinhas” é uma unanimidade para profissionais e estudiosos do direito penal e criminal. Beçak diz que o benefício serve como um incentivo para o bom comportamento de detentos e que a taxa de fugas é consideravelmente baixa.

— Eu acho que tem algo que não se fala muito, é de que com a saidinha uma parcela pequena não retorna, cerca de menos de 5%, mas esse fator gera uma sensação de descrença no sistema a médio e longo prazo, por parte da população — observou.

Segundo ele, essa sensação leva a população a desacreditar da aplicação de penas no sistema prisional brasileiro.

— Se a população tem uma sensação de que uma parcela desses presos não voltam e que cometem crimes e incide no ilícito novamente, isso gera uma defasagem na crença da aplicação da pena pela Justiça.

Com informações de O Globo

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