PF diz que criminosos usaram Telegram para disseminar discurso nazista e de ódio sem que sejam rastreados e plataforma tem se recusado a entregar dados à polícia.
A Polícia Federal descobriu uma articulação de grupos nazistas usando o aplicativo de mensagens Telegram para estimular a violência em escolas. Segundo a polícia, a plataforma permite que usuários ocultem seus dados, sendo difícil rastrear quem adota condutas criminosas. Nesta quinta-feira (26), depois que a plataforma se recusou a entregar dados de integrantes de grupos nazistas, a Justiça determinou a suspensão do Telegram no país.
“O ambiente é tão seguro para ocultação das identidades dos seus usuários que o aplicativo concorre com o também preocupante ambiente proporcionado na ‘dark web’, porém, com o atrativo de ser um aplicativo simples e de fácil manuseio para quem não detém maiores conhecimentos de informática, o que seria necessário para a utilização da deep web”, disse a PF em trecho do inquérito.
A “deep web” (“rede profunda”, em tradução livre) é como é conhecida a parte da internet que não pode ser encontrada em buscadores como Google e Bing, e sim por programas que funcionam como intermediários. A parte anônima da “deep web” é a chamada “dark web” (“rede escura”), que tem desde conteúdos de ativistas políticos até de criminosos virtuais.
A investigação sobre a articulação de grupos com discursos nazistas começou após o ataque em Aracruz, no Espírito Santo, que deixou quatro pessoas mortas. Durante a investigação, a polícia descobriu que o assassino fazia parte de um grupo com conteúdo nazista no Telegram. Além disso, foram encontradas fotos dele momentos antes do crime com uma suástica e um livro de Hitler.
Após a descoberta, a Inteligência da PF pediu à plataforma os dados dos organizadores e integrantes do grupo, mas o Telegram se recusou a entregar. O relatório da polícia, que o g1 teve acesso com exclusividade, explica que o aplicativo de troca de mensagens permite que o administrador de um grupo seja oculto e que integrantes possam ocultar suas informações, incluindo o número de telefone, sendo impossível rastrear os envolvidos. A maneira como a ferramenta funciona, segundo a polícia, tem facilitado a conduta criminosa.
Em pedido, PF diz que Telegram é ‘ambiente seguro para ocultação de identidade de seus usuários’ — Foto: Reprodução
Ao longo da investigação, a PF pôde acompanhar o grupo e percebeu que, após a portaria do Ministério da Justiça que obrigava as redes sociais a remover conteúdo sobre ataques a escolas, o grupo chegou a mudar de nome. Contudo, tanto com a medida quanto com o avanço de operações da PF que chegaram a apreender adolescentes com itens nazistas envolvidos em grupos na internet de estímulo a violência em escolas, a comunidade seguiu ativa no Telegram.
Justiça manda suspender o Telegram e impõe multa de R$ 1 milhão à empresa
Com os dados dos criminosos ocultos, a Justiça pediu à plataforma informações como dados pessoais e número de telefone dos administradores, mas o Telegram havia se recusado. Na última semana, sem retorno, a PF acionou a Justiça que determinou a entrega em 24h sob pena de suspensão do aplicativo no país. A PF chegou a receber uma remessa de informações da empresa, mas os dados não cumpriam as exigências mínimas para a identificação dos envolvidos.
Segundo a PF, a empresa alegou que o grupo que o assassino de Aracruz fazia parte havia sido excluído horas antes do prazo final da decisão judicial, em 20 de abril. O pedido, no entanto, havia sido feito oficialmente a empresa, sem a disputa na Justiça, em 10 de abril.
A polícia ainda diz que a empresa não pode alegar não ter os dados com a desarticulação do grupo, pois há previsão legal de que os registros sejam mantidos por seis meses. E ainda reforça que a postura do Telegram pode manter pessoas envolvidas em assassinatos impunes.
“Identificar os responsáveis pela divulgação de material de extremismo violento é crucial para a investigação. A ocultação de suas identidades contribui para a impunidade e para a disseminação do ódio que resulta na execução de crianças e inocentes. A recusa no fornecimento de dados suficientes para a identificação dos responsáveis é ato que corrobora com a ocultação de criminosos”, diz a PF em trecho do inquérito.
A reportagem acionou o Telegram, mas não obteve o retorno até a publicação. Segundo a polícia, as empresas de telefonia e lojas de aplicativo receberam um ofício nesta quinta-feira para que suspendesse a operação do aplicativo no país, mas ainda não havia prazo para que ele saísse do ar.
Informações G1