Foto: Arquivo Pessoal
Ser low-profile virou moda: o termo em inglês, usado para definir pessoas discretas, se popularizou no Brasil para definir uma parcela dos internautas que vai à contramão dos influenciadores. Pelas redes sociais, é impossível encontrar muitas informações sobre essas pessoas que, por escolha, se desconectam o máximo possível das telas.
“Eu me incomodava com meu tempo de uso, pensava: ‘Tenho tanta coisa pra trabalhar e estou há uma hora aqui no Facebook, comentando as histórias dos outros”, diz Lucas Corvacho, 35, que abandonou as redes sociais há 10 anos.
O administrador também chegou a ter uma conta no falecido Orkut, que o ajudou a manter contato com os amigos no Brasil enquanto morava na Austrália, de 2009 a 2012.
Lá, ele decidiu dar uma chance para o Facebook, na intenção de “ficar amigo dos amigos” que fez no país — dessa vez, virtualmente.
“Eu queria saber dos eventos e tudo mais. Mas, em 2014, tudo mudou e decidi deletar todo mundo, umas 1.500 pessoas. E aí eu percebi que minha vida não mudou. Posso até abrir a rede, mas eu não recebo notificações. E fico sabendo de tudo que preciso só por WhatsApp”
Lucas conta que chegou a ser questionado por pessoas que viram a amizade virtual rompida e se questionaram se tinham feito algo para o rapaz, que explicou a mudança no estilo de vida.
“Eu deixava claro que não era nada pessoal. Teve um episódio que acho que foi a gota d’água, quando discuti com um primo de terceiro grau por questões políticas, em 2014. Naquele momento, eu percebi que além de estar perdendo muito tempo vendo besteiras, eu estava também muito nervoso. Não acho que é assim que se discutem as coisas.”
Natural da capital, o paulistano mora há oito meses em uma zona rural do estado, com pouco sinal de telefone.
Ele mantém perfis ativos no Facebook e no Instagram para caso seus familiares queiram marcá-lo em algum post, mas mantém o celular sem aplicativos.
“Eu fico no WhatsApp porque dependo dele para trabalho e para ligar para as pessoas mesmo. Eu toco o meu negócio, mas deixo as redes sociais com quem entende”, afirma ele.
“Além disso, acho que as redes sociais não têm a ver com uma promoção do trabalho e mais com uma promoção do indivíduo. Eu gosto de ser um cara comum, não ter destaque, acho que minha decisão tem mais a ver com essa perspectiva. Não considero que eu saí da rede, porque nunca agreguei muito a ela”.
Lucas também acha que a filha, de 7 anos, mudou sua relação com a tecnologia. Ele opina que, certas vezes, a internet pode “roubar” o tempo de qualidade disponível.
“De redes sociais, eu tenho certeza que não bato uma hora por semana. Eu não tenho o que fazer nelas. Quando alguém me manda um link urgente no Instagram, abro pelo WhatsApp Web”, explica.
O paulistano afirma que não sofreu com a adaptação a uma rotina desconectada, já que os amigos aceitaram rápido a falta de Lucas para acompanhar as tendências das redes.
Em reuniões de marketing digital, ele conta com ajuda da equipe para “traduzir” o vocabulário das redes e se manter atualizado.
“Quando alguém comenta: ‘Você viu o post de não sei quem?’. Eu só falo que não vi, não preciso ficar: ‘não vi porque eu não tenho rede social’. Não virou uma bandeira, até porque sei da importância social das ferramentas, só não me toca individualmente.”
“A Mariana, minha esposa, tem que me avisar que fez um post e que ele teve não sei quantas curtidas. Aí eu pego o celular dela e vejo. Mas ela é uma profissional autônoma e usa a rede para caramba, por exemplo, tem um viés profissional, de divulgação.”
Miguel Tescaro, 18, acabou de entrar na faculdade. Mas quem quiser encontrá-lo não pode contar com as redes: já faz pelo menos quatro anos que ele excluiu a única conta que tinha, no Instagram.
Ele é mais um dos “anti-influencers” que deixa claro não ter nada contra a internet, que usa desde criança para jogar videogame.
“Meus pais não gostavam tanto que eu e meu irmão, que tem a mesma idade que eu, ficássemos muito nas telas. Minha mãe restringia o uso a uma hora de manhã e uma de tarde ou à noite”, lembra.
Já na adolescência, o estudante decidiu criar uma página no Instagram, mas não conseguiu adaptar a personalidade low profile ao estilo de post da plataforma.
“Eu não sou muito de tirar foto, então apaguei depois de um ano e pouco. Pra mim, a utilidade social da Internet vem da comunicação direta ou exposição de ideias, não curto muito a cultura de celebridades, que é bem forte no Brasil”, afirma.
Assim como Lucas, o jovem mantém apenas o WhatsApp — e afirma que é o suficiente para as conversas mais rotineiras.
“Vira e mexe entro em um fórum para falar de algum interesse específico. Tento buscar algo e se não acho vou fazer outra coisa. Para mim não é questão de evitar, realmente não me interessa”
Apesar de não ser um usuário das redes, Miguel ainda passa algumas horas por dia conectado. Em dias de mais tempo livre, seu uso de telas chega a cinco horas.
Além de videogames, ele também é um fã do YouTube — apesar de preferir explorar os assuntos pessoalmente, em uma conversa com os amigos.
“Eu costumo ver vídeos sobre interesses que não compartilho com amigo algum. Em dias mais movimentados uso o celular entre uma hora e duas, só o tempo que fico no sofá, nada além disso”, completa.
Carol Reymunde, 31, viu sua vida mudar depois de um retiro de meditação, em 2013.
Na época, ela tinha migrado do Orkut para o Facebook e costumava usar a plataforma. Mas a imersão na experiência budista fez com que ela repensasse sua relação com a internet.
“Fiquei no retiro um mês e cinco minutos depois que eu saí, excluí a conta, pensando em toda a sustentação que a rede exige e que a gente se coloca de certa maneira. Nunca mais criei mais nada”, conta.
Carol chegou a ficar com medo de perder algumas das amizades que tinha, mas afirma que a situação a ajudou a rever algumas relações.
“Eu fiquei um pouquinho com esse sentimento, até porque eu tinha acabado de voltar de um intercâmbio. Mas também percebi que temos muitas relações pra sustentar, não é possível, mesmo com a internet. Então as mais consolidadas se mantiveram por WhatsApp.”
A jovem mora em um centro budista de Porto Alegre e se dedicou exclusivamente à organização por alguns anos.
Depois de mais um retiro, em 2019, ela deu uma outra virada e começou a trabalhar como terapeuta, contando com o “boca a boca” para conseguir clientes.
“Minhas amigas terapeutas, que também são autônomas, estranham, mas eu estou muito na expectativa de que não vou precisar criar redes, porque só o Whats já consome muito”
“Desconexão, só sem smartphone. Se eu pudesse escolher, eu nem usaria. É uma coisa que fui entendendo: não dá pra fazer tudo na vida. Como todas minhas amigas têm Instagram, eu fico sabendo das coisas do mesmo jeito. Não fico sem saber das notícias.”
Informações UOL