Canal Tech – O ano de 2020 foi muito impactante em vários aspectos, por causa da pandemia de COVID-19. Mas muito além das consequências óbvias que a doença trouxe para o físico de boa parte da população mundial, estão as consequências psicológicas. Por isso, neste ano, aprendemos a reconhecer a importância de cuidar da saúde mental.
Em entrevista ao Canaltech, Ueliton Pereira, psicólogo, psicanalista e diretor técnico da clínica Holiste, explica que não existe um conceito específico e único de saúde mental, mas que a saúde mental pode ser vista como a capacidade ou o estado de bem estar de uma pessoa, que consegue responder por si usando suas habilidades e faculdades cognitivas e emocionais.
É unânime que a pandemia tenha tido um impacto em nossa saúde mental, de uma forma ou de outra. “Essa pandemia além de ter trazido prejuízos funcionais nas pessoas, tem afetado psicologicamente muitos sujeitos. O maior medo das pessoas tem sido a morte ou de ficar gravemente doente, e de até mesmo contaminar os outros”, disserta o especialista.
O psicólogo relata um aumento muito grande de quadros de ansiedade (TAG, pânico), como angústia generalizada, depressão, comportamentos obsessivos, chegando até ideação suicida. “A melhor forma de reverter essa situação é buscar uma ajuda especializada com profissionais da área de saúde mental como psicólogos, psiquiatras para realizar um acompanhamento e tratamento específico”, observa.
Em outubro, fizemos uma ampla análise diante de todo o impacto psicológico causado pelo coronavírus, dividido em duas partes com quatro capítulos cada. Enquanto a primeira parte esteve focada nas causas, a segunda partelevantou as consequências e os efeitos a longo prazo. Na ocasião, entendemos que tudo começa com o isolamento social, uma das maiores proteções contra a COVID-19. Na prática, isso significa abrir mão de sair de casa, encontrar pessoas na rua, ver a vida funcionando ao seu redor. Ficar dias, semanas, e até mesmo meses isolado em casa pode ser uma medida para proteger o nosso corpo, mas não impede estragos na nossa mente.
Na época, conversamos com Dr. Luiz Scocca, psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da USP, membro da Associação Americana de Psiquiatria (APA), que contou que os profissionais de sua área esteve estimulando que as pessoas realmente não esquecessem da saúde mental na pandemia. “Estão todos bastante irritados. Os níveis de ansiedade aumentaram. Isso a gente vê na prática psiquiátrica: muitas pessoas recaíram, muitas pessoas estão com grande sofrimento do ponto de vista ansioso e do ponto de vista depressivo. Estão preocupados com futuro, seja pelo medo da própria doença, seja por questões econômicas”, apontou o especialista.
Vale lembrar que pesquisadores da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP) monitoraram (e, inclusive, continuam monitorando) o impacto do distanciamento social e da pandemia na saúde mental de 4 mil pessoas do estado de São Paulo. O acompanhamento da saúde mental durante a pandemia integra o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto – ELSA Brasil, que acompanha a saúde de 15 mil funcionários públicos de seis universidade e centros de pesquisa do país desde 2008. O projeto tem financiamento do próprio Ministério da Saúde. Além do estudo sobre saúde mental durante a pandemia, o ELSA-Brasil vai permitir fazer relações entre questões associadas ao estado de saúde, de saúde mental e da própria COVID-19.
Um estudo com os primeiros dados disponíveis sobre o total de internações por transtornos mentais no Rio Grande do Sul desde a chegada da COVID-19 apresentou uma série de alertas sobre os efeitos da COVID-19 também na saúde mental da população. As maiores prevalências de transtornos comuns foram identificadas entre os professores (média de 36,9%) e profissionais da saúde (27,7%). O trabalho menciona que os impactos da pandemia na saúde mental podem perdurar em momentos distintos e apresentar diferentes motivações.
Com isso, um dos aprendizados de 2020 tem a ver justamente com as causas desses transtornos e como eles têm impacto direto em nossas vidas. O isolamento social e o acompanhamento constante de más notícias são alguns exemplos de causas de transtornos que acabamos descobrindo ao longo desse ano, e que podemos levar para 2021.
Por mais que 2020 tenha sido regado a desafios, perdas e dificuldades, o ano acendeu uma questão que até então não tinha sido explorada com tanta intensidade e com tanta propriedade: a importância e a necessidade de cuidar da saúde mental. “2020 nos ensinou que precisamos sempre cuidar de nossa saúde mental e que precisamos ser resilientes em todas as situações adversas que possam existir em nossas vidas. Esse não será o último evento adverso que passaremos, por isso, temos a possibilidade aprender com ele e criar novas estratégias e respostas adaptativas a situações que nos coloquem em desconforto e insegurança”, apresenta Ueliton.
Questionado sobre a importância de recorrer a um profissional para ajudar a cuidar da saúde mental, o psicólogo afirma: “É muito importante, porque esse profissional irá lhe oferecer ferramentas e condução apropriada para suas questões e demanda. A escuta especializada, o setting terapêutico, tudo favorece para o autoconhecimento, a criação de estratégias, bem como melhorar a autoestima, superar o medo e a insegurança”.
Mas e se não houver cuidado com essa área? Segundo Ueliton, o risco é de piorar o quadro de alguém que já tem algum tipo de transtorno mental, ou de alguém vim a ter uma crise, seja de ansiedade, depressão, pânico entre outros. “Deixar afetar seus comportamentos e sua vida cognitiva a um ponto que traga prejuízos na emocional e social. Por isso, a importância de estar sempre atento e alerta para o equilíbrio emocional”.
O fato é que nunca estivemos tão cientes da importância de cuidar dessa área da saúde, e dos riscos de ignorar. 2020 acendeu um alerta para a valorização dos serviços de saúde mental, uma vez que a Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que a pandemia impactou e interrompeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países em todo o mundo, por meio de uma análise feita em 130 países.
A análise revelou, na época, uma interrupção generalizada de muitos tipos de serviços essenciais de saúde mental: 67% dos países relatou interrupções no aconselhamento e psicoterapia; 65% para serviços críticos de redução de danos, 35% relatou interrupções nas intervenções de emergência, incluindo aquelas para pessoas com convulsões prolongadas, síndromes de abstinência de uso grave de substâncias e delírio, ao que 30% relatou interrupções no acesso a medicamentos para transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias, e 78% relatou interrupções parciais nos serviços de saúde mental na escola e no local de trabalho.
As pessoas precisaram lidar com uma safra de informações negativas, perdas e medo em 2020. Isso tudo traz uma questão: como podemos colocar em prática esses aprendizados para manter uma saúde mental mais equilibrada em 2021?
Para o psicólogo Ueliton, isso pode ser feito realizando um trabalho de autoconhecimento, que no caso a terapia ou análise pode proporcionar. “Ter um espaço que possa falar sobre seus medos, angustias e ansiedade é muito importante para aprender a lidar com suas questões, com um profissional de escuta especializada”, diz o especialista.
Em novembro, fizemos uma análise de como estará a saúde mental da população depois que a pandemia acabar, e para entender melhor essa questão, entrevistamos a neuropsicóloga Sandra Morais, que destacou como principais desafios da pós-pandemia, o retorno à velha rotina. “Sem dúvida, a saúde mental das pessoas ficará abalada, podendo adquirir algumas sequelas como ansiedade, depressão e até fobias especificas”, estimou.
Na ocasião, a profissional fez um alerta em relação à tecnologia e como ela pode atrapalhar em 2021: “A tecnologia diante da pandemia tem sido de grande valia. Mas é preocupante, pois após a pandemia, as pessoas estarão ainda mais voltadas para este tipo de ferramenta, pois a maioria das pessoas passam mais tempo com seus smartphones do que no convívio humano, e isso é perigoso, pois elas estão preferindo a vida virtual do que a vida real — e o uso descontrolado pode causar perda de foco, retenção de menos informações e, com isso, implicar em redução da memória”.
Mas chegando em 2021, as pessoas já terão em mente a importância da saúde mental, aprendizado que veio à tona ao longo de 2020. Isso pode ajudar a entender melhor o que está se passando e procurar ajuda profissional com mais urgência.
Na última parte do especial sobre o impacto a COVID-19 na saúde mental, o Dr. Yuri Busin, psicólogo, mestre e doutor em neurociência do comportamento, diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental – Equilíbrio (CASME), estimou que as pessoas começaram a entender a saúde mental como um ponto fundamental da vida. “Então é natural que daqui para frente comece a ter muito mais investimento, e a saúde pública comece a se preocupar mais ainda com esse nicho específico. Infelizmente muitas pessoas ficaram desamparadas, porque vários serviços acabaram fechando durante a pandemia ou reduzindo para casos extremamente graves”, analisou.
“O governo também deve investir um pouco mais nisso porque a saúde mental é tão importante quanto a saúde física. A consequência da falta de investimento é uma população não saudável, com pouca informação, em entender o que está acontecendo e muitas vezes desacreditando da saúde mental, então é algo que a sociedade precisa começar a se preocupar”, concluiu o psicólogo.
Fonte: Com informações de OMS