Eleições foram marcadas por propostas para combater mudanças climáticas e aumentar a igualdade de gênero e os direitos de povos aborígenes
Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, será o novo primeiro-ministro da Austrália Lisa Maree Williams/Getty Images
Os novos líderes da Austrália ainda não tomaram posse após a vitória do Partido Trabalhista no sábado (21), mas o país já está se preparando para o que parece ser uma mudança de grande porte em sua política.
Após quase uma década de liderança conservadora, os eleitores rejeitaram a coalizão governista, apoiando aqueles que faziam campanha por mais ações contra as mudanças climáticas, maior igualdade de gênero e integridade política.
Durante grande parte de sua história, a política australiana foi dominada, principalmente, por dois partidos: os liberais, de centro-direita, e os trabalhistas, de centro-esquerda.
Mas esta eleição mudou a divisão de forças no país e muitas pessoas que estavam cansadas do sistema bipartidário votaram em candidatos de partidos menores ou independentes.
Os resultados das eleições mostraram uma forte inclinação do país para candidatos independentes que fizeram campanha sobre questões relacionadas ao clima.
Os candidatos, muitos deles estreantes na política, defendem cortes nas emissões de até 60% – mais que o dobro do prometido pela coalizão conservadora no poder (26% a 28%) e também mais do que os trabalhistas (43%).
Conhecidos como candidatos azul-esverdeados, eles buscaram ganhar assentos tradicionalmente liberais (azuis) com políticas mais verdes.
“Milhões de australianos colocaram o clima em primeiro lugar. Agora, é hora de uma redefinição radical de como esta nossa grande nação age sobre o desafio climático”, disse Amanda McKenzie, CEO do grupo de pesquisa Climate Council, sobre o resultado das eleições de sábado.
A Austrália é conhecida há muito tempo como um “país de sorte”, em parte devido à sua riqueza de carvão e gás, bem como minério de ferro, que impulsionaram gerações de crescimento econômico.
Agora, no entanto, o país está na fronteira de uma crise climática, e os incêndios, inundações e secas que já marcaram a nação só devem se tornar mais extremos à medida que a Terra aquece.
O governo conservador no poder foi chamado de “resistente” ao combate climático pelo secretário-geral das Nações Unidas (ONU) após delinear um plano para chegar à neutralidade de carbono até 2050, criando novos projetos maciços de gás.
O primeiro-ministro Scott Morrison disse que apoiaria a transição do carvão para a energia renovável, mas não tinha planos de interromper novos projetos de carvão.
O líder do Partido Trabalhista, Anthony Albanese, prometeu acabar com as “guerras climáticas”, uma referência às lutas internas que frustraram esforços para pressionar por uma ação mais forte sobre o clima na última década e até mesmo custaram o cargo de alguns primeiros-ministros.
Os trabalhistas se comprometeram a atingir zero emissões de carbono até 2050, em parte fortalecendo o mecanismo usado para pressionar as empresas a fazer cortes nas emissões.
Mas o instituto de pesquisa Climate Analytics diz que os planos trabalhistas não são ambiciosos o suficiente para manter o aumento da temperatura global em 1,5ºC, conforme descrito no Acordo de Paris.
As políticas trabalhistas são mais consistentes com um aumento de 2ºC, disse o instituto, um pouco melhor do que o plano da atual coalizão.
Para acelerar a transição para energia renovável, o Partido Trabalhista planeja modernizar a rede de energia da Austrália e lançar usinas de energia solar e baterias comunitárias.
Mas, apesar de seu compromisso em zerar as emissões de carbono, o partido diz que aprovará novos projetos de carvão se forem ambiental e economicamente viáveis.
A popularidade de Morrison com as mulheres despencou após vários escândalos envolvendo seus ministros.
O próprio Morrison foi acusado de falta de empatia quando respondeu a uma alegação de agressão sexual no Parlamento, sugerindo que sua esposa, Jenny Morrison, o fez perceber a gravidade da acusação.
“Ela me disse ‘Você tem que pensar nisso como pai primeiro. O que você gostaria que acontecesse se fossem nossas meninas?’. Jenny tem um jeito de esclarecer as coisas. Sempre teve”, disse ele.
Milhares de mulheres marcharam pelo país pedindo medidas mais fortes para garantir a segurança das mulheres – o que se transformou em demandas por maior igualdade de gênero.
Os candidatos independentes eram, em sua maioria, mulheres mais velhas que em outras circunstâncias poderiam ter se filiado ao Partido Liberal.
Albanese fez uma boa leitura política e prometeu melhorar a igualdade de gênero. Ele foi até endossado por sua ex-chefe, a primeira e única primeira-ministra da Austrália, Julia Gillard, que notoriamente criticou seu rival liberal: “Eu não receberei lições sobre sexismo e misoginia deste homem”.
Gillard foi à imprensa no dia anterior à votação para dizer que estava “muito confiante” de que um governo de Albanese seria um “governo para mulheres”.
Entre as primeiras palavras que Albanese proferiu quando subiu ao palco para reivindicar a vitória, no sábado, estava a promessa de consagrar a voz dos povos aborígenes no Parlamento.
“Começo por reconhecer os povos tradicionais da terra em que nos encontramos. Presto meus respeitos aos mais velhos, passados, presentes e emergentes. E em nome do Partido Trabalhista Australiano, comprometo-me com a Declaração do Coração de Uluru na íntegra”, disse.
Grupos aborígenes em toda a Austrália pedem que a Constituição seja alterada para que sejam formalmente consultados sobre a legislação e as políticas que afetam suas comunidades.
Isso exigiria um referendo nacional, que precisa de apoio político antes que uma pergunta “sim-não” seja feita ao povo australiano.
O governo trabalhista de Albanese disse apoiar essa iniciativa. A última vez que os australianos votaram em um referendo sobre os direitos dos aborígenes foi em 1967, quando 90% do país apoiou a inclusão deles no censo demográfico.
Albanese disse durante seu discurso de vitória que “todos nós devemos nos orgulhar de que, entre nossa grande sociedade multicultural, tenhamos a cultura contínua mais antiga do mundo”.
Uma das primeiras tarefas de Albanese será ir a Tóquio para se encontrar com líderes de Estados Unidos, Japão e Índia na cúpula do Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad).
Ao lado dele estará a nova ministra australiana das Relações Exteriores Penny Wong, uma política trabalhista experiente de ascendência asiática que há muito é uma voz respeitada no Senado.
O novo governo trabalhista promete criar laços mais fortes com a Ásia. Albanese afirmou que um de seus primeiros destinos depois do Japão será a Indonésia, que ele disse que “se tornará uma economia substancial no mundo”.
“Vivemos em uma região onde no futuro teremos China, Índia e Indonésia como gigantes. Precisamos fortalecer essa parceria econômica e uma forma de fazer isso é fortalecendo também as relações interpessoais”, declarou.
“A Indonésia é uma nação importante, para nossa economia, para essas relações sociais também…Precisamos realmente fortalecer a relação com a Indonésia e é por isso que será uma prioridade absoluta para mim”.
Analistas dizem que o novo primeiro-ministro da Austrália enfrenta um duro desafio em relação à China – especialmente após uma campanha eleitoral amarga que colocou o presidente chinês Xi Jinping e suas intenções no centro das discussões.
As relações da Austrália com a China se deterioraram sob a atual coalizão no governo – que começou ao mesmo tempo que o governo de Xi.
A situação piorou ainda mais em 2020, quando o governo australiano – então liderado por Morrison – pediu uma investigação sobre as origens da Covid-19. A China respondeu com sanções contra as exportações australianas, incluindo carne bovina, cevada, vinho e lagosta.
A reação da China endureceu as atitudes do público na Austrália e levou Canberra a liderar a acusação contra as ações coercitivas da China.
A coalizão sugeriu que os trabalhistas serão brandos com a China, mas, no papel, a posição do partido sobre Pequim parece pouco diferente da adotada pelos conservadores.
Os trabalhistas dizem que estão comprometidos com o pacto de segurança AUKUS, o acordo que Morrison fez com os Estados Unidos e o Reino Unido, em detrimento das relações da Austrália com a França. Também expressou forte apoio ao Quad.
Um dos grandes perdedores nesta eleição foi Clive Palmer, o magnata da mineração que supostamente gastou cerca de US$ 100 milhões em publicidade para o Partido da Austrália Unida e obteve quase nenhum resultado.
O homem que Palmer havia anunciado como “o próximo primeiro-ministro”, Craig Kelly, um renegado do Partido Liberal que foi repreendido por espalhar desinformação e teorias da conspiração sobre a Covid-19, perdeu seu assento do Parlamento depois de garantir apenas 8% dos votos nas primárias.
Palmer, que foi apelidado de “Trump da Austrália”, fez campanha sobre a questão da liberdade e se opôs à obrigatoriedade da vacina contra Covid-19.
Esta não é a primeira vez que Palmer tenta ganhar eleições com muito dinheiro. Em 2019, ele gastou milhões em campanha durante as eleições federais, mas não conseguiu um único assento.
Informações CNN