Você sabia que alguns medicamentos, usados para os mais variados fins, podem causar danos a estruturas da orelha interna, popularmente conhecida como labirinto? Essa degeneração celular ocorrida pelos efeitos colaterais de um medicamento é chamada de ototoxicidade.
O labirinto é dividido em duas porções: cóclea, responsável pela audição, e vestíbulo, responsável pelo equilíbrio.
Algumas substâncias medicamentosas podem afetar somente a cóclea, outras apenas o vestíbulo e algumas tanto a área da audição quanto a do equilíbrio.
“As microestruturas afetadas da cóclea também variam entre as substâncias. Os danos às células ciliadas (células sensoriais da audição) costumam ser associados a perdas auditivas irreversíveis, já as alterações na estria vascular, que produz o líquido do labirinto, frequentemente são reversíveis”, explica Thaís de Carvalho Pontes Madruga, otorrinolaringologista no Hospital Nossa Senhora das Neves, da Rede D’Or em João Pessoa.
Na maioria dos casos, a perda auditiva é temporária, com a audição voltando ao normal depois de suspensa a medicação. Mas em outras situações ela pode ser permanente.
Isso acontece porque as células do ouvido são muito especializadas e sensíveis, e não temos como repor essas células. Por isso, se você demorar para fazer o diagnóstico, a perda de audição pode ser irreversível.
Ektor Onishi, otorrinolaringologista e professor da Unifesp
Além do tipo de medicação, a ototoxicidade depende da dose, tempo de utilização e sensibilidade individual. Outros fatores de risco são:
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Alguns sintomas podem servir de alerta do comprometimento do ouvido interno.
Um deles é o zumbido, que costuma aparecer principalmente na fase inicial.
Há também a sensação de pressão no ouvido ou que ele está meio tampado, parecido com o que sentimos na decolagem ou pouso do avião.
Dificuldade para entender as pessoas quando estão falando ou de compreender palavras em ambientes muito barulhentos também podem ser sinais.
Quando o vestíbulo do labirinto é atingido, é possível notar quadros de desequilíbrio, dificuldade para andar em linha reta ou tontura, com sensação de que tudo está rodando.
No caso de perdas auditivas permanentes, o grau varia muito para cada pessoa, podendo ser de leve a profunda.
Nos casos de perdas parciais, pode-se usar aparelhos auditivos. Nos de perdas totais será necessário o uso de implantes cocleares.
Robinson Koji Tsuji, presidente da Sociedade Brasileira de Otologia
O implante coclear é um dispositivo eletrônico colocado cirurgicamente dentro do ouvido. Ele possui um microfone posicionado atrás da orelha para receber os sons do ambiente, transformados em impulsos elétricos transmitidos diretamente sobre o nervo da audição.
A lista de medicamentos ototóxicos é enorme, passando de 130 drogas, segundo Tsuji, mas as principais classes medicamentosas causadoras de perda auditivas são certos tipos de antibióticos aminoglicosídeos, anti-inflamatórios, quimioterápicos e diuréticos.
Veja abaixo os mais famosos, segundo especialistas consultados por VivaBem:
1) Gentamicina
Indicado para o tratamento de infecções nos rins, respiratórias, gastrointestinais, pele, ossos, tecidos moles, intra-abdominais e oculares, além de infecções graves do sistema nervoso central (incluindo meningite). Ele faz parte da classe de antibióticos aminoglicosídeos, a mais famosa pela frequência de ototoxicidade, e pode afetar tanto vestíbulo como cóclea, provocando prejuízo no equilíbrio e na audição.
2) Neomicina
Comumente encontrado em forma de pomada, este antibiótico também pertence a classe dos aminoglicosídeos e pode ser usado para tratar algumas infecções de pele, hepáticas ou intestinais e em profilaxia pré-cirúrgica.
“Apresenta cocleotoxicidade com risco de perda auditiva tão importante que hoje em dia praticamente só é utilizado em aplicações tópicas (locais)”, diz Madruga.
Essa perda auditiva pode até mesmo ser permanente quando grandes doses são dadas por via oral ou por irrigação do cólon para a esterilização intestinal.
Outros antibióticos dessa mesma classe são a tobramicina e a amicacina. Outro ponto importante diz respeito às mulheres grávidas. Gestantes devem evitar antibióticos ototóxicos porque podem danificar o labirinto fetal.
3) Furosemida
É um medicamento diurético, intensificador da excreção de urina e sódio pelo organismo. É indicado nos casos de hipertensão arterial leve a moderada, edema (inchaço) devido a distúrbios do coração, fígado e rins ou causado por queimaduras.
Ele pode interferir na função da estria vascular, ocasionalmente levando a perda auditiva, reversível com sua suspensão. Mas se a administração for via intravenosa pode causar perda auditiva permanente em pacientes com insuficiência renal que estiverem recebendo antibióticos aminoglicosídios.
4) Ácido acetilsalicílico (AAS)Continua após a publicidade
Utilizado como medicamento para tratar dor, febre e inflamação, também é um antiagregante plaquetário utilizado na profilaxia (prevenção) de eventos vasculares obstrutivos, como infarto e AVC. Pode afetar as células ciliadas (células sensoriais da audição) e a estria vascular (produz o líquido do labirinto), mas geralmente os danos são reversíveis dentro de 2 a 3 dias após a suspensão.
5) Cisplatina
É um quimioterápico utilizado em pacientes com câncer. Danifica mecanismos antioxidantes, levando ao acúmulo de radicais livres e a morte celular, inclusive nas estruturas do labirinto. Outro quimioterápico que causa ototoxicidade é o carboplatina. Eles podem trazer perda auditiva profunda e permanente, ocorrendo imediatamente após a primeira dose ou meses após a conclusão do tratamento.
6) Estreptomicina
Esse medicamento antibiótico é usado no tratamento da tuberculose e tende a causar danos ao vestíbulo, trazendo sintomas como falta de equilíbrio e vertigem. Normalmente essa condição costuma ser temporária.
Já a perda de audição ocorre para 4% a 15% dos pacientes que recebem 1g por dia durante mais de uma semana, e pode piorar caso o tratamento seja continuado, levando a surdez completa e permanente.
7) Azitromicina
Usado frequentemente no tratamento de infecções respiratórias ou sexualmente transmissíveis, esse antibiótico pode causar perda auditiva reversível ou irreversível em casos raros.
Informações UOL