Foto: Ricardo Stuckert/PR
O Brasil, por meio de sua diplomacia, busca cooperar para uma solução pacífica na disputa entreVenezuelae Guiana pela área da Guiana Essequiba. Num movimento que pode comprometer a estabilidade do continente, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, convocou umreferendo sobre a anexação da região, que representa metade do território guianense.
Fontes dentro do governo brasileiro ouvidas pelo portalMetrópolesafirmaram que o país “defende uma solução pacífica a essa controvérsia” e que busca “relembrar o compromisso de consolidação de uma Zona de Paz e Cooperação entre os Estados americanos”.
Apesar da tensão crescente, o Itamaraty ainda trata do assunto de maneira reservada com os envolvidos e com outros atores regionais, tentando evitar que o debate público esquente ainda mais.
O clima está ruim entre os dois países envolvidos. Nas redes sociais, o líder venezuelano, que vive a pressão internacional para participar de eleições livres, tem feito publicações em defesa da incorporação de parte do país vizinho.
“Acreditamos profundamente no diálogo e no acordo baseados no respeito do direito inalienável e histórico que temos como Povo. A Guiana Essequiba nos pertence por herança e séculos de luta e sacrifício. Vamos construir a verdadeira paz e prosperidade para os nossos meninos e meninas”, escreveu Maduro sobre a região, que é rica em recursos como petróleo.
A situação na América do Sul é acompanhada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), que se reuniu na última semana no Palácio da Paz — sede do tribunal em Haia, Holanda — para ouvir as representações das duas nações. O agente guianense na audiência, Carl B. Greenidge, repudiou a realização da votação nacional convocada pelo governo venezuelano.
“O referendo que a Venezuela marcou para 3 de dezembro de 2023 foi concebido de modo a obter um apoio popular esmagador, rejeitar a jurisdição e antecipar um julgamento futuro. Ao fazê-lo, querem minar a autoridade e a eficácia do principal órgão judicial”, disse o representante da Guiana.
Em resposta, a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, acusou a Guiana de “colonialismo judicial” por ter recorrido contra a anexação no tribunal internacional. “Viemos derrotar a pretensão do colonialismo judicial da Guiana, que instrumentaliza esta Corte para frear o que não pode ser interrompido. No dia 3 de dezembro, os venezuelanos votarão”, prometeu a venezuelana.
O processo com os dois países tramita na CIJ desde 2018, mas ganhou importância e celeridade devido à convocação da votação na Venezuela.
Em entrevista aoMetrópoles, o professor Alcides Cunha Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o referendo convocado por Maduro tem alta chance de ser aprovado.
“A probabilidade de passar é muito elevada. A Venezuela caminha para eleições gerais em 2024. E essa é uma demanda histórica do país. Se você ver os mapas venezuelanos, a região aparece listrada e é chamada de ‘zona de reclamação’. Algo assim pode unir a população. E as cinco perguntas do referendo são no sentido de endossar a incorporação”, comentou.
Além disso, o acadêmico pontua que a Venezuela não reconhece o Tribunal Internacional de Justiça como instância competente ao julgamento do processo, o que dificulta as tentativas de negociação. “Mesmo que uma decisão prospere na Corte, ela jamais será reconhecida [pela Venezuela]”, afirmou.
Diante da escalada de tensões, uma das preocupações levantadas é que um cenário semelhante ao do conflito Rússia e Ucrânia aconteça novamente, só que na América do Sul. Vaz comenta que essa também não é uma alternativa distante.
Do lado guianense, há forte apoio dosEstados Unidos, que visa proteger interesses comerciais. “Em 2022, a Guiana ofereceu pontos de exploração de petróleo nas águas rasas do território. Uma das primeiras candidatas foi a petrolífera Exxonmobil. O governo americano respalda esse interesse, com sinalização clara da embaixada em Georgetown (capital da país sul-americano) de cooperação militar”, explicou Costa Vaz.
Em declaração recente, a nova embaixadora dos EUA no país, Nicole Theriot, reiterou a perspectiva de presença militar estadunidense. “[…] trabalharemos para apoiar nossa parceria bilateral, melhorar os objetivos de segurança mútua, enfrentar ameaças transversais e promover a segurança regional”, declarou a diplomata norte-americana.
Do lado venezuelano, a Rússia, principal fornecedor de armamento do país, também observa a região. “Durante a administração Trump, nos EUA, quando foi ventilada a possibilidade de uma intervenção estadunidense, o governo russo pousou dois bombardeiros em Caracas (capital da Venezuela) e deixou clara sua oposição. Aqui temos algumas das maiores reservas de petróleo do mundo, o que é de interesse russo”, relembrou Vaz.
Num cenário de superpotências de lados opostos em um conflito militar, até mesmo o Conselho de Segurança das Nações Unidas ficaria de mãos atadas. Isso acontece, porque junto com China, França e Reino Unido; EUA e Rússia fazem parte dos assentos permanentes, que têm poder de veto. Isso lhes permite barrar resoluções, independente do apoio da comunidade internacional. Assim, há margem para que bloqueiem medidas, mesmo que essas estejam no sentido de cessar o enfrentamento.
Apesar de a discussão não envolver diretamente oBrasil, analistas políticos afirmam que a disputa pode fazer com que o Itamaraty tenha que assumir posicionamento mais contundente. Do contrário, a escalada das tensões poderia afetar regiões próximas, como avalia André César, cientista político da Hold Assessoria.
“São vizinhos, que sempre tiveram uma relação pacífica conosco. Então, um eventual embate entre os dois se tornaria um problema que poderia respingar nas populações próximas e na nossa própria política. É um assunto que, literalmente, bate à porta. Lembre-se do caso de venezuelanos entrando aqui via Roraima. Tudo que é assunto fronteiriço é delicado. Não tem como escapar dessa”, avalia.
Entretanto, essa visão não é unânime. Outros especialistas entendem que o Brasil não tende a ser diretamente afetado. “A controvérsia já se estende há anos e o nunca tomamos uma posição muito clara, além, claro, da tendência histórica da diplomacia de dar ênfase à resolução pacífica dos conflitos”, diz Nicholas Borges, analista de política internacional da BMJ Consultores Associados.
“Há interesse brasileiro em jogo também. A recuperação venezuelana beneficiaria o comércio bilateral e, além disso, daria margem a investimentos bilaterais no setor petrolífero”, pontua o professor Alcides Cunha Costa Vaz.
O plano brasileiro é relembrar o compromisso de se estabelecer uma Zona de Paz e Cooperação — tratado iniciado pelo Brasil que tem como objetivo promover cooperação regional e a manutenção da paz na região do Atlântico Sul.
No entanto, há temor de que isso não seja o suficiente. “A diplomacia brasileira precisaria ir além dessa narrativa, reforçando que a eventual anexação poderia prejudicar as negociações que a Venezuela vem tratado com os Estados Unidos sobre os embargos econômicos”, comentou Borges.
Metrópoles