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Este é um resumão histórico – em parte exibido, com vídeos, no Papo Antagonista de 30 de julho de 2024 – das relações entre o lulismo e a ditadura de Hugo Chávez mantida por Nicolás Maduro na Venezuela, com as participações dos então marqueteiros do PT João Santana e de sua esposa, Mônica Moura, além dos negócios envolvendo as empreiteiras Odebrecht, atualmente Novonor, e Andrade Gutierrez.

A cumplicidade do governo Lula com Maduro mesmo após a fraude eleitoral de 28 de julho, bem como a omissão de emissoras tradicionais de TV e rádio sobre a natureza dessa relação, configura um momento oportuno para lembrar os verdadeiros motivos de tamanho rabo preso.

Como Lula conheceu Chávez?

Em março de 2008, Hugo Chávez contou como conheceu Lula. Ele repudiava na TV, ao vivo da Praça Caracas, o bombardeio colombiano que eliminou Raúl Reyes, número 2 das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em acampamento no nordeste do Equador.

Chávez resmungou contra a imprensa americana e colombiana por chamar Reyes de narcotraficante e, segundo ele, festejar a morte do “revolucionário”. Falou até das presas de Drácula, que são aqueles dentes alongados da frente. Quando foi falar que conheceu Reyes em encontro do Foro de São Paulo, mencionou ter conhecido Lula na mesma ocasião, em 1996, embora ele tenha confundido o ano com 1995. 

“E o que dizer do governo subimperialista da Colômbia? Um verdadeiro sabá [encontro de feiticeiros] se desencadeou, um autêntico aquelarre [reunião de bruxas]. As presas de Drácula banhadas em sangue, celebrando a morte, festejando a nossa morte… Prestamos homenagem a um bom revolucionário que foi Raúl Reyes. Eu o conheci pessoalmente. 

Lembro-me que, quando saí da prisão em 1994 e andava por essas ruas de Caracas, essa Praça Caracas, e esses bairros e aquelas cidades, eu recebi o convite para participar em 1995 [na verdade, 1996] do Foro de São Paulo, que foi realizado naquele ano em San Salvador [capital de El Salvador]. O convite me foi feito por um bom amigo, comandante revolucionário falecido há pouco tempo, Shafik Hándal. E lá fui parar, em San Salvador. E uma das pessoas que conheci foi… naquela ocasião, eu conheci Lula, entre outros.”

Como Lula e Chávez se tornaram íntimos?

Embora Lula e Chávez tivessem se conhecido em 1996, quem disse ter introduzido a intimidade entre os dois foi Emílio Odebrecht.

O empresário fez o relato em sua colaboração premiada na Lava Jato, a força-tarefa que revelou o esquema de suborno na Petrobras, envolvendo a empreiteira de sua família.

A página 62 da transcrição de um depoimento de Emilio mostra o que ele declarou sobre sua própria relação com Chávez, ditador do país onde a Odebrecht tocava diversas obras:

“A relação que eu tinha, não precisava vir via LULA… Quer dizer, eu tinha uma relação com CHÁVEZ… Quem introduziu essa intimidade do LULA com CHÁVEZ fui eu!”

Como surgiu o financiamento do BNDES para o Porto de Mariel?

Logo em seguida, Emílio contou que “CUBA nasceu de um pedido do CHÁVEZ”. O empresário se referia às obras do Porto de Mariel, financiadas pelo BNDES, então presidido pelo militante de esquerda Luciano Coutinho, que havia participado, em 1990, do primeiro Foro de São Paulo, realizado na capital paulista.

“Quer dizer… O trabalho (…) nosso em CUBA foi a partir de um pedido do CHÁVEZ… Do CHÁVEZ… O que foi que eu disse a CHÁVEZ? – ‘Chefe, eu vou buscar lhe atender… Para a gente fazer aquele…’ Foi o porto de MARIEL que ainda tava (…) em cogitação…”

Emílio contou ter dito o seguinte a Chávez:

“O que o senhor pode fazer é me ajudar… E o senhor pedir a LULA, pra dizer da importância disto, porque facilita o programa nosso de andar nas instituições brasileiras… E até certo ponto ele fez… o Chávez ao Lula…”

Chávez pediu a Lula financiamento de obra em Cuba?

Em depoimento gravado em vídeo, Emílio detalhou seu pedido a Chávez para falar com Lula sobre o Porto de Mariel em Cuba e relatou que Lula confirmou ter recebido o pedido.

“Eu disse: ‘Olha, chefe, nós trabalhamos nos Estados Unidos, eu tenho um problema. Um assunto desse de dinheiro, ou tudo isso que está restrito, que está restrito em Cuba, não é fácil viabilizar o esquema financeiro. O senhor, que tem uma boa relação com o presidente Lula, poderia ligar para ele e transmitir isso.’

De fato ele fez. Fui convocado pelo Lula, que disse ter recebido um telefonema do Chávez transmitindo um encontro que tinha tido comigo e que ele estava dentro da linha de apoiar aquele programa lá de Cuba, do Porto Mariel. E foi o que deslanchou.”

Emilio Odebrecht confirmou pressão do governo Lula no BNDES?

Ao ser questionado se houve ingerência política de Lula no BNDES para que o projeto fosse adiante, Emilio ainda respondeu.

“Eu não tenho dúvida nenhuma. Porque eu sou contra todo o processo… eu diria que o BNDES jamais… e nós próprios nem levaríamos um assunto de financiamento ao BNDES para Cuba – não estava dentro do nosso plano – e nem dentro das diretrizes do BNDES…”

Questionado se, numa situação normal, o BNDES aceitaria, Emílio complementou:

“Nem a Odebrecht e nem o BNDES. Numa condição normal, nem a Odebrecht e nem o BNDES. Eu não tenho dúvida quanto a isso.

Então houve logicamente o interesse de governo, político, partindo [do pedido do Chávez], ou não só [desse pedido]… eu não diria… não foi só por causa do pedido do Chávez, aí tinha também a afinidade [de Lula com os regimes de Venezuela e Cuba]…

Pressão… eu acho que teve, ao meu modo de ver, se é legítima ou não, eu não vou entrar nesse mérito, mas eu tenho certeza que houve, porque as prioridades de governo traduziam-se em pressão junto às instituições do próprio governo. O BNDES era uma [dessas instituições].”

Lula pediu a João Santana para fazer campanha de Hugo Chávez?

Já Mônica Moura, esposa de João Santana, contou em colaboração premiada que Lula pediu ao então marqueteiro do PT em 2011 para atender Chávez, que havia solicitado ao próprio Lula essa intermediação para que João fizesse a campanha eleitoral chavista em 2012. 

“Em 2011, um ano antes da campanha de reeleição do presidente Chávez, o presidente Lula manda chamar o João e diz para o João que o presidente Chávez tinha pedido a intermediação para o João fazer a campanha dele de reeleição na Venezuela. Seria em 2012, praticamente na mesma época da campanha de São Paulo, que a gente estaria também na campanha do Haddad neste ano de 2012. Fizemos.

Eles eram muito amigos. Segundo Lula, o Chávez pediu esta intermediação. Aí o João foi sozinho da primeira vez – eu não fui da primeira vez – em uma reunião lá em Caracas, isso ainda em 2011, com o Zé Dirceu, que era a pessoa que fazia o contato com o pessoal da Venezuela.

Nesta época, estava no Brasil também o embaixador Maximilian Arveláez, a gente chamava ele de Max, que era embaixador da Venezuela no Brasil, muito amigo do José Dirceu também, muito próximo – e viajaram a primeira vez João Santana, José Dirceu, o Max, que estava no Brasil, e o Franklin Martins, que também foi convidado para integrar a campanha.”

Quem é Franklin Martins?

Franklin Martins foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de 2007 ao fim de 2010, durante o segundo mandato de Lula. A Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) nasceu em outubro de 2007, abaixo, hierarquicamente, da Secom chefiada por Martins. Ele centralizava a rede oficial de “notícias” (cuja parte televisiva ganhou os apelidos de TV Lula, em razão da programação chapa-branca, e TV Traço, em razão da audiência próxima de zero), a assessoria de imprensa, e a publicidade oficial, inclusive a das estatais.

Foi em sua gestão que ganhou impulso a rede virtual depois batizada pelo tucano José Serra de “blogs sujos”, porque era financiada com dinheiro público para disseminar narrativas petistas e atacar críticos do PT (com nomes, como o meu, elencados até em lista). Martins deixou o cargo, mas a prática continuou durante todos os governos do partido, inclusive o atual.

Quanto Mônica Moura cobrou para João Santana fazer campanha de Chávez?

Mônica Moura detalhou as viagens a Caracas para negociar o acordo, inclusive com o então chanceler Nicolás Maduro, que participou desde a primeira reunião com João Santana. Ela contou ainda que o marido voou várias vezes em jatinho da Andrade Gutierrez, no qual também chegou a ir uma vez. A construtora ainda pagava, segundo ela, a hospedagem no hotel Marriott. Outras vezes ela viajou em avião comercial, recebendo as passagens por intermédio da secretária do petista José Dirceu, condenado no mensalão e no petrolão.

Mônica já tinha consciência da perseguição do regime chavista a opositores e levou em consideração o caos venezuelano ao fazer o orçamento: “Campanha dificílima, porque a situação na Venezuela na época já era caótica, já tinha gente da oposição que eles prendiam a torto e a direito. Eles que eu digo é o governo Hugo Chávez. Já tinha uma situação bem confusa politicamente na Venezuela e todo mundo apostava que Hugo Chávez não conseguia se reeleger. Essa acho que já era a terceira reeleição do Chávez… Foi uma campanha bem cara.”

Depois, Mônica citou o valor fechado com o chavismo.

“Então fechamos o negócio e aí pronto: a partir de agora vamos montar a equipe… [O valor] Cobrado foram 35 milhões de dólares, nunca recebemos tudo, mas foi cobrado 35 milhões de dólares. Nunca tivemos contrato na Venezuela; eu passei os 18 meses que trabalhei lá, indo e vindo, atrás de um contrato, eles escapavam pela tangente e nunca foi feito. Foi tudo pago em caixa 2.”

Lula era a garantia de Mônica Moura para cobrar pagamentos? 

A esposa de João Santana contou que sua garantia era Lula e detalhou o quanto foi pago, o quanto não foi.

Eis o diálogo da autoridade policial com ela: 

– Qual foi a moeda de troca para comprovar que eles tinham que pagar, para mostrar que…?

– A minha garantia era Lula, eu confiava muito no Lula, que ele iria resolver, a minha garantia era ele e o nosso próprio trabalho. Nosso trabalho lá foi crescendo de uma maneira que […] 

– Tá, mas você chegou a falar para o pessoal da Andrade: ó, se vocês não me pagarem… 

– Cheguei a ameaçar: ‘Gente, se não me pagar, vamos ter que conversar no Brasil.’ Quem me chamou para cá [Venezuela] foi o presidente Lula – que não era presidente na época, mas sempre chamei o Lula assim -; ‘se continuar assim, vou ter que conversar com ele, porque assim não vai dar’, [e eles respondiam:] ‘não, a gente vai resolver, é só uma questão burocrática, a gente tem muita dificuldade de fazer este tipo de transferência, mas vamos fazer um contrato’; aí vinha o negócio do contrato, eu lembro que andei uma três ou quatro vezes para resolver este contrato que nunca saiu, mas eu ameaçava ele e cobrava [a parte que não pagaram].

– E por causa dessa parte, você chegou a acionar o presidente Lula?

– Várias vezes, mas não eu, o João.

– E como foi isso?

– Chegava pra ele e conversava, isso já tinha acabado a campanha, o Chávez foi eleito. Nós estávamos sendo incensados, assim, pela mídia venezuelana como os melhores de ‘não sei o quê’, ‘não sei o quê’, ‘não sei o quê’, e o dinheiro não saía. Não pagava. Não pagava. A Mônica Monteiro e o Franklin Martins também, [os que deveriam pagar] ficaram com uma dívida grande com eles. Então o João, uma vez, conversou com o José Dirceu, mas o Dirceu saía fora, dizendo: ‘Eu não tenho nada a ver com o financiamento, eu só fiz a intermediação.’ João conversava com Lula e Lula dizia: ‘Não, se acalma que vou conversar com o presidente Chávez, isso vai ser resolvido.’ O que aconteceu? No ano seguinte, Chávez morreu, seis meses depois que ele tomou posse. E nós perdemos completamente qualquer chance de cobrar esse dinheiro, de receber este dinheiro, a gente tomou um cano histórico. A gente tomou um cano de mais ou menos 15 milhões de dólares nessa campanha, que nunca foi pago e nunca foi recebido. E do que foi recebido, como eu disse, foi mais ou menos 10 milhões lá, 7 milhões da Odebrecht e 2 milhões da Andrade Gutierrez, dessa forma que relatei.

Lula apoiou Maduro em sua primeira eleição presidencial?

Quando Chávez morreu, Lula gravou um vídeo de apoio a Maduro na eleição disputada com o opositor Henrique Capriles. Maduro exibiu o vídeo em 1 de abril de 2013, em sessão extraordinária do Foro de São Paulo em Caracas. A eleição seria 13 dias depois, no dia 14.

“O companheiro Lula mandou um vídeo com opiniões muito generosas, muito bonitas, que nos emocionaram bastante. Eu sei que vocês também vão se emocionar. Nós queremos apresentar esse vídeo do companheiro Lula, vídeo de amor, puro amor, amor verdadeiro, como o dos revolucionários e dos patriotas, com amor do fundo do coração. Viva o Lula! Viva o Brasil! Viva a América do Sul! Viva Chávez! E viva a bela irmandade que foi construída ao longo de todos esses anos Avante, Lula!”, introduziu Maduro.

No vídeo exibido, Lula dizia o seguinte:

“Nos oito anos em que fui presidente do Brasil, tive a oportunidade de conviver com Nicolás Maduro, que era o ministro das Relações Exteriores da Venezuela. Maduro se destacou brilhantemente na luta para projetar a Venezuela no mundo e na construção de uma América Latina mais democrática e solidária.

Ele teve um papel decisivo na formação da Unasul e da Celac, e sempre foi visível sua profunda afinidade com nosso querido e saudoso amigo Hugo Chávez. Os dois compartilhavam as mesmas ideias sobre o destino do nosso continente e os grandes problemas mundiais.

Mais que isso, Chávez e Maduro tinham as mesmas concepções em relação aos desafios que a Venezuela enfrentava, sempre em defesa dos mais pobres. A grande obra de Chávez foi transformar a Venezuela num país mais justo, realizando um processo massivo de transferência da renda do petróleo em benefício das camadas mais sofridas da sociedade.

Mas Chávez, assim como Maduro, sempre tiveram claro que a Venezuela precisava escapar daquilo que muitos chamamos de ‘maldição do petróleo’. Por isso a importância que deram, e que Maduro continua dando, à necessidade de mostrar seu país e desenvolver sua agricultura. Caminhamos juntos nessa direção e estou certo de que Maduro, como presidente, será capaz de realizar esse objetivo de Chávez.

A decisão de eleger um novo presidente caberá exclusivamente ao povo venezuelano. Não quero interferir num assunto interno da Venezuela, mas não posso deixar de dar meu testemunho em nome do futuro desse país tão querido pelo povo brasileiro, e também em nome do Mercosul, que recentemente acolheu a Venezuela. Uma frase resume tudo o que sinto. Maduro, presidente, é a Venezuela que Chávez sonhou.”

Lula, portanto, dizia não querer interferir, mas interferia e segue interferindo quando convém, com mensagem de apoio e tudo.

O Maduro que ele descreveu, claro, é o da propaganda lulista. O Maduro real foi descrito por Mônica Moura.

Maduro fazia pagamentos à esposa de João Santana?

Ela prosseguiu o relato:

“Aí começamos a trabalhar, o acertado desses 35 milhões foi assim, eu ficava o tempo todo dizendo: quanto que vai ser por dentro? Como é que vai ser? Porque já tinham me dito que ia ter uma parte por fora, como sempre, a campanha lá também, não é só lá, não, acho que hoje em dia a senhora já sabe que essa prática, em vários lugares, de caixa 2, não é só no Brasil, é em todos os lugares em campanhas, tô falando em campanhas. Eu ficava atrás do Max, que era o meu principal interlocutor, o Maximilian [Arveláez], ele falava: ‘Não, nós vamos resolver com”… esse outro ministro, que não lembro o nome, e não teve contrato nenhum. Passou-se o tempo e eu nunca tive contrato. 

Como era feito o pagamento? Na segunda ou terceira reunião que eu tive já com o Maduro, [que] sempre participava, e esses dois ministros, eles me disseram que a Odebrecht ia pagar uma parte, ia fazer uma colaboração para a campanha do Chávez.”

A autoridade que conduzia o interrogatório perguntou: “Quem falou isso?”

Segundo Mônica Moura, Maduro não só falou da parte das empreiteiras, mas também disse que ele próprio faria pagamentos em dinheiro. 

“Foi o Maduro. Ele me disse: ‘Olha, a Odebrecht vai pagar uma parte e a Andrade Gutierrez também vai colaborar, e a outra parte eu pago aqui, vai ser paga aqui por mim.’ Aí eu falei: ‘Tá, tudo bem.’ 

Então o que aconteceu efetivamente nessa campanha? Ah, e o Franklin Martins cobrou a parte dele, eu nem lembro quanto que era, mas era bem menos que a nossa, porque a gente fazia tudo e ele fazia só internet, mas ele cobrou, se eu não me engano, foi 8 milhões de dólares ou 10 milhões de dólares. Eu sei disso porque quando a gente foi acertar de receber dinheiro, o Maduro falou pra mim o seguinte: ‘Olha, você vai receber o dinheiro diretamente comigo e eu não quero ficar pagando assim muita gente, não quero esse contato com muita gente. Então é o seguinte, eu pago pra você a sua parte e a parte do Franklin Martins’ – quem atuava mesmo, quem fazia a parte administrativa era a mulher dele, a Mônica Monteiro, a mulher do Franklin – ‘Então você repassa’, eu disse ‘ok’.”

Quanto Maduro pagava à esposa de João Santana?

Mônica Moura detalhou os pagamentos feitos por Maduro.

Eis o diálogo dela com a autoridade:

– Então o Maduro me pagou quase semanalmente dinheiro, ele me entregava dinheiro na própria chancelaria lá no prédio, às vezes no Palácio de Miraflores. Às vezes ele me chamava na chancelaria e eu ficava lá horas esperando.

– O próprio Maduro?

– O próprio Maduro! Entregue das mãos dele malas malas de dinheiro, várias. 

– E você não tinha receio lá na Venezuela? 

– Tinha muito. Sabe o que ele fazia? Ele mandava me buscar com o carro dele, carro blindado, carro preto, aquelas caminhonetes de roqueiro americano, roqueiro não, funkeiro, sei lá… rapper americano, com mais dois carros, um na frente, outro atrás, me levava para a chancelaria, entrava pela garagem, os seguranças subiam comigo para a sala dele, eu ficava lá esperando. Tomei muito chá de cadeira do Maduro. Eles não têm o menor compromisso com (inaudível). Depois ele me chamava na sala dele, conversava um pouquinho comigo, conversa fiada de política, depois me entregava o dinheiro. Ele próprio. Não mandava ninguém me entregar, ele me entregava o dinheiro. Depois eu descia com os seguranças dele para a garagem, o mesmo carro me levava até o hotel, de volta. Um carro no mesmo e dois carros na frente e atrás. Aí eu distribuía o [dinheiro] da Mônica Monteiro, que ela tinha uma coordenadora de produção dela, que ficava em Caracas, uma brasileira que ficava lá. era ela ou então o rapaz que era o diretor da parte de internet que trabalhava com o Franklin que também recebia o dinheiro na época, então eu passava a parte da Mônica sempre e fazia os meus pagamentos. 

– Era muito dinheiro?

– Era muito dinheiro. As entregas variavam entre 500 mil dólares de cada vez, às vezes 300, cheguei a receber 800 mil dólares de uma vez. 

– O que você fazia para fazer esses pagamentos?

– Chamava as pessoas que eu tinha que pagar: os fornecedores, as pessoas que eu tinha que pagar… Paguei praticamente… praticamente, não… Paguei tudo por fora na Venezuela.

Maduro pagou 10 milhões de dólares para Mônica Moura?

A esposa de João Santana falou do medo que sentia e reiterou o valor total recebido de Maduro.

“Eu tinha uns oito seguranças. Às vezes eu levava, não para essas buscas de dinheiro, mas às vezes eu andava com o meu motorista e com segurança no carro, coisa que eu nunca fiz no Brasil, nunca. Mas lá eu andava com motorista e segurança para ir a tudo quanto é lugar, até para ir almoçar. Eu morria de medo, doutora, não é que eu não tinha medo, eu tinha pavor do que poderia acontecer, mas eu ia fazendo, eu ia tocando. Eu recebi mais de dez milhões de dólares lá, em dinheiro, durante oito meses de trabalho, quase nove meses de trabalho. 

A gente começou no início do não, a gente começou isso em fevereiro, não sei, não me lembro bem. A gente começou a montar tudo e eu já comecei a receber dinheiro. Aí, ao mesmo tempo, negociando com… não negociando porque já estava negociado entre eles… mas tendo encontros com o diretor da Odebrecht na Venezuela, senhor Euzenando [de Azevedo], não sei o nome dele, não me lembro do sobrenome, ele era diretor geral da Odebrecht na Venezuela para acertar os pagamentos da outra parte. A Odebrecht ficou com sete milhões de dólares para pagar e a Andrade [Gutierrez] ficou com cinco. Seria cinco da Andrade, sete da Odebrecht.”

João Santana recebeu pagamentos por campanhas de Dilma e Chávez na mesma conta na Suíça?

Ao falar de uma conversa em seu hotel com o executivo Cláudio Luís, da Andrade, sobre um dos pagamentos, Mônica Moura apontou o dedo novamente para Maduro como articulador dos acertos.

“Eu disse, de novo, que eu queria esse pagamento fora. Ele falou que, pra ele, não tinha problema nenhum, que era até melhor, e acertamos que seria pago na Shelbill [conta mantida pelo casal de marqueteiros no Banco Heritage, na Suíça, e da qual a Lava Jato coletou o extrato com as provas. É a mesma conta em que Santana e Moura receberam 4,5 milhões de dólares de Zwi Skornicki, a pedido do então tesoureiro do PT João Vaccari Neto, pela campanha de Dilma Rousseff de 2010].

Ele [Cláudio Luís] sabia que era [de] 4 milhões [o pagamento pela campanha chavista]. Eu não sei com quem ele estabeleceu esse valor, com quem é que ele conversava lá dentro, quem era da cúpula que ele acertava. Eu acho que era o Maduro. Porque, como Maduro pagava diretamente a mim… Ele não mandava ninguém me entregar dinheiro. Era ele mesmo que [pagava]… Eu acho que era o próprio Maduro. Na época, não era o presidente, né. Maduro, claro que ele era o chanceler, um cargo dos mais altos no governo, mas ele não era presidente.”

Emilio Odebrecht tinha ciúmes da relação da Andrade Gutierrez com o governo Lula?

Questionada se a Andrade tinha obras na Venezuela, Mônica Moura respondeu:

“Muitas. Bastante. Não tanto quanto a Odebrecht. A Odebrecht tinha… Quase todas as grandes obras da Venezuela era a Odebrecht que estava fazendo naquela época. As grandes obras de infraestrutura. Praticamente todas as grandes obras. Eles tinham muita coisa.”

Mesmo assim, quem não gostava de ver a Andrade tomar à frente das relações entre o governo Lula e o regime venezuelano era Emílio Odebrecht. Questionado sobre anotações de seu filho, Marcelo, com menções a Lula e “AG”, Emilio respondeu:

“Realmente houve um determinado momento que o Marcelo me trouxe uma preocupação, provavelmente manifestada pelo Euzenando, no que [concerne a] membros do governo do presidente Lula [que] estavam agindo ativamente junto ao governo da Venezuela, e criando inclusive alguns constrangimentos, em favor da Andrade Gutierrez. E que isso é perfeitamente legítimo desde quando não seja em algo onde outras empresas brasileiras estavam também concorrendo. Então a posição unilateral em favor de uma empresa, em detrimento das outras brasileiras, não era um comportamento adequado, não era isso que era vigente.”

Emilio Odebrecht reclamou com Lula sobre Andrade Gutierrez na Venezuela?

Questionado se foi falar com Lula sobre esse tema, Emílio respondeu:

“Falei!”

“Mas aí o que ele respondeu?”, questionou a autoridade. 

“Ele ficou, ouviu e disse: ‘Não, você tem toda a razão, eu vou verificar o que é que está acontecendo. Não acredito…’ Aí procurou minimizar, achando que não era… Eu disse: ‘Olha, presidente, eu não trago pro senhor coisas que eu não tenha confirmado. Porque realmente depois que Marcelo me falou, eu tive a oportunidade de conversar com ele, procurei me aprofundar e foi verdade mesmo’…”

Questionado sobre “quem do governo estava apoiando a Andrade”, Emílio respondeu: “O Itamaraty. Na época, foi o Itamaraty. Não só o Itamaraty, como pessoas dentro do Planalto.”

Questionado sobre quem no Planalto, Emilio alegou não ter conseguido identificar. “Não consegui em nenhum momento concluir sobre quem foi no Planalto que estava fazendo isso.”

Graças ou não à reclamação de Emilio com Lula, sua construtora acabou vencendo uma disputa em jogo na ocasião, na Venezuela, para tocar as obras da usina hidrelétrica de Tocoma.

Quem investigou o esquema da Odebrecht na Venezuela?

A Odebrecht pagou 173 milhões de dólares (hoje, quase 1 bilhão de reais) em propinas e financiamentos ilegais de campanhas venezuelanas ao longo de oito anos, de acordo com as indicações de documentos e depoimentos (inclusive de Euzenando) reunidos no Brasil e na Venezuela durante a investigação conduzida pela então procuradora-geral daquele país, Luisa Ortega Díaz.

Em 2017, no entanto, sob acusação de “traição”, Luisa foi destituída pela plenipotenciária Assembleia Nacional Constituinte (ANC), integrada exclusivamente por oficialistas do regime, fugiu para o exterior e seu trabalho foi invalidado e abandonado por Tarek William Saab, o cupincha de Maduro que a ANC colocou em seu lugar na Procuradoria e que atualmente persegue e denuncia opositores como María Corina Machado, como mostrei no X e no Papo Antagonista em 29 de julho, além de aplaudir o ditador diante de sua sanha autoritária e persecutória.

Ainda em 2017, o deputado opositor Juan Guaidó, então presidente da comissão de Controladoria da Assembleia Nacional, comandou uma sessão para discutir denúncias feitas pela ex-procuradora-geral. A Venezuela, de acordo com ele, havia fechado contratos públicos com a Odebrecht no valor de pelo menos 22 bilhões de dólares (hoje, mais de 126 bilhões de reais) para sete obras que seguiam inconclusas, entre elas uma usina hidrelétrica, projetos ferroviários e três pontes. A segunda ponte sobre o Lago de Maracaibo tinha 11 anos de atraso, 3.000% de supervalorização e apenas 36% de execução, segundo Guaidó.

“São 22 bilhões de dólares envolvidos em contratações, mais que o dobro das reservas internacionais da Venezuela, suficiente para pagar toda a dívida comercial do país”, detalhou o deputado do partido Vontade Popular (VP).

Em troca, a Odebrecht teria sido favorecida em mais de uma dezena de contratos públicos entre 2006 e 2014. A investigação de Luisa Ortega Díaz apontava que mais de 30 milhões de dólares [hoje, mais de 171 milhões de reais] haviam sido destinados pela construtora à campanha de Maduro de 2013, a mesma que contou com o vídeo de apoio de Lula. Parte do dinheiro – 9,93 milhões de dólares – foi transferida a partir do Meinl Bank, no qual a Odebrecht mantinha contas que utilizava para fazer pagamentos não contabilizados.

O Brasil exportou corrupção e impunidade para a Venezuela? 

Assim como ocorreu no esquema de corrupção da Petrobras, que vigorou durante governos do PT no Brasil, as propinas milionárias pagas na Venezuela eram literalmente um “troco” perto do montante bilionário dos contratos obtidos. E, em relação à impunidade geral, só variam os métodos adotados nos dois países.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu que processos de corrupção envolvendo caixa dois de campanha deveriam ser retirados da Justiça Federal e enviados à Justiça Eleitoral, o que levou dezenas de casos das mãos de juízes concursados para as de indicados políticos, inclusive o dos pagamentos a João Santana e Mônica Moura pela campanha de Dilma. Neste caso, a condenação de ambos a 8 anos e 4 meses de prisão pelas irregularidades em 2010, proferida pelo então juiz Sergio Moro, foi anulada.

Moro havia criticado “a naturalidade e a desfaçatez” com eles admitiam a “trapaça” do caixa dois, que afeta o processo político democrático. “O álibi ‘todos assim fazem’ não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual. Se um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação a sua culpa. O mesmo raciocínio é válido para corruptores, corruptos, lavadores de dinheiro e fraudadores de campanhas eleitorais”, escreveu Moro.

Já Dias Toffoli, indicado por Lula ao STF e chamado por Marcelo Odebrecht de “amigo do amigo do meu pai”, como revelou Crusoé em 2019, ainda anulou as provas do acordo de leniência que havia sido assinado pela Odebrecht para escapar da Lava Jato, além das multas bilionárias impostas à construtora.

Em junho de 2024, um mês antes da fraude eleitoral de Maduro, Toffoli estendeu a João Santana e Mônica Moura a decisão que beneficiou Lula, declarando como “imprestáveis” as provas do acordo da Odebrecht usadas nos processos contra os marqueteiros. O casal havia pedido a extensão para se livrar de três ações penais, agora desidratadas. O método da plantação de dúvidas, usado pelo ministro do STF para invalidar provas, foi explicado por mim, em 16 de fevereiro, na matéria de capa da Crusoé, “A história da fake news contra a Transparência Internacional”. Meus artigos “Lava Jato x Vaza Jato” e “O que é o ‘socialismo refinado’ de Lula”, ambos publicados em 2022, explicam o restante sobre manobras processuais de blindagem no petrolão e sobre o capitalismo de compadrio no BNDES a serviço do socialismo internacional.

Empreiteiras do petrolão voltaram a obter contratos públicos no governo Lula?

Como previsto, Odebrecht e Andrade Gutierrez já voltaram às grandes obras de infraestrutura do Brasil. Em março de 2024, seus respectivos braços, Consag e Tenenge, venceram dois e três lotes na licitação para as obras de complementação da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), no sul de Pernambuco, iniciadas neste segundo semestre. Curiosamente, a refinaria seria uma obra entre a Petrobras e a estatal venezuelana PDVSA, que desistiu em 2013 em razão dos elevados custos de operação. O custo inicial seria da ordem de 2,3 bilhões de dólares, mas consumiu cerca de 18 bilhões de dólares da estatal brasileira. Como apontou a Lava Jato, a corrupção vigorou na Rnest desde o primeiro mandato de Lula até o governo Dilma.

Por que Lula apoia Maduro?

Em última análise, as verdadeiras investigações no Brasil e na Venezuela mostram que o lulismo é cúmplice do chavismo nos esquemas envolvendo as mesmas empreiteiras e os mesmos marqueteiros. A exportação da corrupção e da impunidade para o regime venezuelano – que contribuiu à sua maneira – foi concluída com sucesso, colaborando para a consolidação da ditadura, agora turbinada com a recusa de exibir as atas eleitorais.

O chavismo só virou um problema para Lula, porque o ditador Maduro não só sabe muito a respeito desses esquemas e pode abrir a bico caso seja contrariado, como também vem fazendo, de modo ainda mais violento, escancarado e caricatural, tudo que o lulismo já fez sorrateiramente, sem virar alvo de maiores pressões internacionais: fraude à democracia que diz defender, instrumentalização política de tribunais e órgãos de fiscalização e controle, retaliação a investigadores, perseguição de opositores políticos e jornalistas independentes.

Não é de surpreender que Lula nada enxergue de grave nisso tudo.

Informações O Antagonista

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