(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 31 de janeiro de 2024)
A briga interna no governo sobre o que fazer com as contas públicas parece estar indo bem para a facção que prega a necessidade de déficit — o instrumento ideal, na sua maneira de ver as coisas, para transformar o Brasil num grande país e acabar com a pobreza. “Déficit é vida”, dizem eles — se o governo está gastando mais do que arrecada, a solução não é gastar menos, mas aumentar imposto e gastar mais ainda, pois contas arrombadas são sinal de economia pujante e de justiça social. Começaram bem, então. O déficit público do primeiro ano de governo Lula passou dos R$ 230 bilhões — o segundo pior dos últimos 47 anos, ou desde que começou a série histórica de medições, em 1977.
O déficit não é uma invenção de Lula, nem do PT e nem dos economistas de esquerda. É uma filosofia de vida, de ação política e de concepção do Estado nacional — são “nossas coisas, são coisas nossas”. Mas é um desses problemas que ficam cada vez piores, por juntar a incompetência crescente na gestão financeira do país com a vontade de errar mais. A chave dessa doença está numa junção de equívoco e de safadeza: a ideologia sagrada de que “o Estado” é o único ente capaz de gerar riqueza, distribuir renda e resolver a crise social e, portanto, está autorizado a fazer os gastos que que quiser. É falso, apenas isso. É como perder o anel na sala e procurar na cozinha; não vai se achar nunca.
O Brasil teve um déficit de R$ 230 bi em 2023. Muito bem — e o que os pobres ganharam com isso? Foi o segundo maior rombo em quase 50 anos, mas essa gastança não tirou um único brasileiro da pobreza. Esqueça o ano passado. Em meio século de porre fiscal permanente não houve nem crescimento sustentável da economia nem melhora efetiva nas calamidades sociais do país. Deveria ser tempo e experiência suficientes para provar ao “campo progressista” que gastar e aumentar imposto para correr atrás do gasto não reduz a pobreza. É o contrário: quanto mais déficit, mais aumenta a concentração de renda. Como poderia ser diferente? O dinheiro que se arrecada não vai para o bolso do pobre. Vai para a máquina do Estado.
O consórcio que manda no Brasil de hoje sabe perfeitamente bem o que fazer com os R$ 5,5 trilhões do Orçamento de 2024. Com um orçamento desses, a população do país até que deveria estar bem de vida; mas não está, porque todo aquele dinheiro vai passar muito distante dela. Lula e o PT fingem que não sabem, mas fazer déficit obriga o governo a tomar dinheiro emprestado na praça, a juro de agiota — e quem ganha com isso são os bancos e os que têm recursos para aplicar no mercado financeiro. Dívida pública é distribuição de riqueza, sim — mas para os ricos. Some-se a isso os salários mensais de R$ 50 mil, ou R$ 100 mil, ou sabe lá Deus quanto, para procuradores, e desembargadores, e ouvidores mais etc. etc. etc. Some-se também o dinheiro roubado que o STF manda devolver aos corruptores e aos corruptos. Some-se o uso da FAB como táxi aéreo para ministro ir a leilão de cavalo de raça e para ministra ir a jogo de futebol. Some-se as viagens de paxá que o primeiro casal faz ao exterior a cada 20 dias. Some-se os bilhões gastos com propaganda do governo. Some-se, some-se, some-se.
Isso “é vida”, de fato – para quem está do “lado certo da contradição histórica”.
Informações Revista Oeste