Comunidade internacional e pesquisadores brasileiros criticaram pesquisa com peça contrabandeada. Pesquisador alemão reconhece problema com origem do fóssil, mas diz não ter culpa. ‘Não somos profissionais do direito’, afirmou Marcos Schade ao g1.
Novos detalhes sobre um dinossauro que viveu no Nordeste do Brasil foram revelados por cientistas alemães e franceses. Eles analisaram um fóssil que está no acervo de um museu na Alemanha: uma tomografia do crânio do Irritator Challengeri permitiu que a equipe internacional afirmasse que o animal era um caçador mais rápido e mais versátil do que se imaginava anteriormente.
Mas a divulgação desta pesquisa também motivou um novo capítulo do debate sobre ética na ciência, já que a retirada de fósseis do Brasil é ilegal. O crânio deste exemplar foi contrabandeado nos anos 1990 e foi levado para o Museu Estadual de História Natural de Stuttgart.
Em 8 tópicos, entenda os principais pontos da pesquisa e da polêmica que ela levantou:
Imagem digital de como seria o dinossauro anfíbio Irritator challengeri — Foto: Reprodução/Olof Moleman
O contrabando de fósseis estar longe de ser inédito ou mesmo coisa do passado. Mesmo hoje em dia há relatos de retirada de peças que podem valer mais de uma centena de milhares de dólares. O caso mais conhecido é o do fóssil Ubirajara Jubatus. Ele também foi levado para a Alemanha, em meados de 1995, e está no Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe.
Só em julho do ano passado, dois anos depois de o Ministério Público Federal instaurar um inquérito para investigar a saída do fóssil do país, as autoridades alemãs consentiram em devolvê-lo para o Brasil. No entanto, isso ainda não foi feito e não há uma data oficial divulgada para a repatriação.
Juan Cisneros, paleontólogo da Universidade Federal do Piauí, explica que os fósseis são recursos, com importância histórica, cientifica e cultural.
“Ele poderia ter enriquecido a bagagem da nossa ciência, gerado turismo e movimentado a economia local”, avalia Juan Cisneros.
Reprodução dos ossos do crânio do Irritator challengeri impressos por uma impressora 3d — Foto: Reprodução/Twitter/Olof Moleman
Não é por acaso que seu nome científico remete a palavra ‘irritante’. O relato conhecido é que, quando o fóssil foi contrabandeado, ele tinha uma aparência de estar bastante completo e bem preservado. No entanto, depois de uma análise cuidadosa, parte das estruturas do fóssil se revelaram uma fraude.
Os contrabandistas reconstruíram partes faltantes do crânio para dar a impressão de que a peça estava mais íntegra, o que aumentaria o valor a ser pago por ela. Ao descobrirem a farsa, os cientistas se irritaram e assim o nome foi cunhado.
Ao g1, o principal autor da pesquisa Marcos Schade contou que um focinho alongado e uma crista acima dos olhos foram identificados como modelagem artificial quando o museu recebeu a peça. Ela já passou por diferentes limpezas, mas ainda foi possível encontrar traços de material enxertado mesmo na pesquisa mais recente.
“De fato, a partir de nossos dados de tomografia computadorizada, ainda encontramos alguns pequenos corpos estranhos, em torno do meio do crânio que parecem não pertencer àquele lugar. Não parece improvável que, em tempos anteriores, o gesso tenha sido incluído no fóssil, mas não podemos estabelecer com certeza a identidade dos corpos estranhos que encontramos”, disse.
Reconstrução do crânio do Irritator challengeri feita com peças impressas por uma impressora 3D — Foto: Reprodução/Twitter/Olof Moleman
De acordo com Marco Schade, paleontólogo líder do estudo, uma das descobertas mais surpreendentes é que o Irritator teria uma mordida comparativamente fraca em relação a outros dinossauros da época, mas excepcionalmente rápida.
“(…) muitas mudanças anatômicas induzidas pela evolução explicam a aparência comparativamente bizarra desses dinossauros, que provavelmente eram especializados em capturar presas relativamente pequenas e ágeis”, explica Schade.
Além disso, a inclinação em 45° do focinho provavelmente foi um fator que facilitou um certo grau de visão tridimensional no campo de visão do animal.
A família do Irritator viveu em no período do Cretáceo, que se estendeu entre 145 e 65 milhões de anos atrás.
O Irritator provavelmente foi encontrado na Bacia do Araripe, localizada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, que contém fósseis de animais e plantas que viveram há 110 milhões de anos. Não há indicação precisa do ponto de onde ele foi extraído pelos contrabandistas e o museu alemão não realizou pesquisas sobre o tema.
Nas redes sociais, a comunidade paleontóloga brasileira demonstrou indignação com o fato de o novo estudo trazer apenas algumas referências genéricas sobre os conflitos envolvidos na origem da peça. As críticas envolvem não só os pesquisadores alemães e franceses, mas também a revista científica, que aceitou a publicação de um artigo com uma declaração de ética que é considerada “bastante frágil”.
No texto, os autores “reconhecem o estado possivelmente problemático” do fóssil, mas tentam argumentar que a compra foi feita antes das restrições de exportação do regulamento brasileiro de 1990 (entenda mais abaixo).
Questionado pelo g1 sobre a questão, o pesquisador Marcos Schade afirmou ser “incapaz de avaliar com firmeza” as críticas feitas.
“Nossa declaração de ética visava acrescentar algumas informações básicas sobre a história do espécime e todo o assunto, conforme entendemos os aspectos mencionados. Pode valer a pena mencionar que nossas considerações sobre este tópico complexo não são congruentes em todos os detalhes e as nuances de divergências são diversas; temos que refletir sobre algumas das críticas que nos são feitas, mas no momento não podemos dizer”, justificou o pesquisador.
“Além disso, não somos profissionais do direito nem ocupamos posições cruciais, e outras avaliações, feitas por nós, de textos legais são irrelevantes para o assunto”, afirmou Schade.
Allysson Pinheiro, diretor do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, da Universidade Regional do Cariri (URCA), disse que existem várias tratativas em curso para reaver diversos fósseis brasileiros que estão espalhados em vários museus pelo mundo. No entanto, o processo é lento, burocrático e exige intermédio do Itamaraty.
Para o paleontólogo Juan, o Brasil tem que lutar pela repatriação e devolução do fóssil para o Ceará, para fortalecer os centros locais e a ciência nacional.
“Se for repatriado não tem que ir para algum museu em São Paulo ou Rio. É injusto para pessoas com tantos problemas sociais estarem em cima de uma riqueza tão grande e não usufruírem”, afirma Juan.
“Quando a gente cobra que esse fóssil deva ser repatriado, a gente está pedindo que simplesmente se respeite a Lei”, finaliza o paleontólogo.
Informações G1