Além dos esforços de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para contemporizar as atrocidades cometidas por Nicolás Maduro na Venezuela, agora o “companheiro” Daniel Ortega, o ditador nicaraguense, colocou um “grão de sal” à desmoralização do Brasil. É o que afirma o editorial do jornal O Estado de S. Paulo desta segunda-feira, 12.
Ortega expulsou o embaixador brasileiro, em razão de sua ausência numa celebração propagandística da Revolução Sandinista. Lula revidou e ordenou a saída da embaixadora da Nicarágua. “Muito pouco, muito tarde”, diz o Estadão.
Para o jornal, apesar de toda a deferência de Lula a Maduro, o ditador venezuelano trata com desdém os pedidos do companheiro brasileiro de que comprove sua vitória eleitoral. Antes das eleições, Maduro ridicularizou as supostas apreensões de Lula e ainda questionou a idoneidade do sistema eleitoral do Brasil.
“Se fosse só ingratidão pela longa ficha de serviços prestados por Lula às ditaduras de extrema esquerda, esses episódios se prestariam apenas a alimentar um exame de consciência do PT”, afirma a publicação.
“Mas, muito além disso, eles ilustram a completa incapacidade do governo brasileiro de exercer influência numa zona de interesse natural, como a América Latina, em que o Brasil é a maior economia”, acrescenta. “O teste de realidade está dizimando as fantasias de Lula e seu ideólogo Celso Amorim de uma liderança regional supostamente alavancada por seus laços com as lideranças de esquerda.”
O Estadão destaca que o recado de ditadores como Maduro e Ortega deixa claro que quem manda são a China e a Rússia, que financiam e armam países dispostos a enfrentar o Ocidente em geral e os Estados Unidos em particular.
“Na prática, o apoio do Brasil se tornou dispensável para esses tiranos, e se isso deixa Lula aflito, que tome ‘chá de camomila’, conforme receitou o insolente Maduro”, diz o texto.
Lula parece perdido entre as ilusões de que o Brasil poderia liderar o movimento regional do “Sul Global” contra as nações ricas e o “imperialismo estadunidense” e a realidade de que o país é hoje um peão no grande jogo sino-russo na América Latina.
“Os ideólogos petistas presumem que o eixo global de poder está mudando definitivamente e que o Brasil precisa se alinhar aos vencedores, isto é, China e seus satélites”, afirma o Estadão. “E é por isso que o Brasil de Lula, sob o manto do ‘pragmatismo’, tem sido vergonhosamente condescendente com a violência dos companheiros Maduro e Ortega, sem que o país tenha nenhum ganho com isso.”
Assim como os interesses nacionais ditam um posicionamento independente na guerra fria entre China e EUA, o pragmatismo impõe cuidados diplomáticos para defender esses interesses com os donos do poder na Venezuela.
Mas esquerdistas insuspeitos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, mostram que é possível exercer esse pragmatismo sem conspurcar valores fundamentais, como a defesa da democracia e da soberania do povo venezuelano e de seus direitos humanos.
Sem o poder das armas ou do dinheiro, o Brasil construiu, desde os tempos do Império, uma sofisticada máquina diplomática para exercer o chamado “soft power” e navegar com equilíbrio entre as rivalidades geopolíticas de grandes potências.
“Que Lula jogue essa tradição no lixo e sobreponha suas afinidades e fidelidades aos princípios constitucionais das relações exteriores é deplorável, mas não surpreendente”, diz a publicação. “Esse sempre foi o padrão. O surpreendente é que essas atitudes não entregam sequer as prometidas contrapartidas.”
Ninguém escolhe o Brasil como destino de investimentos em razão do palavrório supostamente humanitário de Lula sobre a guerra na Ucrânia ou em Gaza. E as promessas de liderança regional na América Latina se decompõem a olhos vistos.
“O rei está nu, e os delírios de Lula de encerrar sua carreira como “líder do Sul Global”, quando não um ‘príncipe da paz universal’, são triturados sob a Realpolitik de China e Rússia”, afirma o jornal.
“O choque de realidade seria um problema tão somente para Lula, se o seu anacronismo, seu revanchismo e sua pusilanimidade não estivessem arrastando consigo a reputação e os interesses do Brasil”, conclui o texto.
Informações Revista Oeste