Segundo colunista, todos os torneios sempre estiveram ligados a interesses de governos e grupos ideológicos
Em artigo publicado na Edição 141 da Revista Oeste, o jornalista Dagomir Marquezi defende a ideia de que a “velha imprensa” sempre fez uma cobertura politizada da Copa do Mundo. Conforme diz o colunista, alguns torneios foram mais polêmicos que outros, mas todos estiveram ligados a interesses de governos e grupos ideológicos.
Marquezi elencou uma breve história dos fatos políticos que marcaram a história das Copas, como o primeiro Mundial a ser reconhecido pelo ditador Benedito Mussolini, que ainda contou com a presença de Adolf Hitler; a suspensão da Copa por 12 anos, em razão Segunda Guerra Mundial; o fato de a primeira Copa depois da guerra acontecer no Brasil; e outros acontecimentos.
1938
Sede: França
Campeã: Itália
O acordo era que as Copas alternassem sedes na Europa e na América Latina. Mas a Fifa rompeu esse acordo, causando o boicote do Uruguai e da Argentina. A Espanha também ficou de fora, por estar afundada na Guerra Civil. Dos 16 países participantes da Copa, 13 eram de seleções do continente, e apenas três do restante do mundo — Brasil, Cuba e as Índias Orientais Holandesas. A Áustria havia sido classificada, mas antes do início do torneio acabou sendo engolida pela Alemanha nazista. Segundo um artigo de Mick Hume para a revista Spiked!, a Copa de 1942 muito provavelmente seria disputada na Alemanha de Hitler. Mas a Segunda Guerra teve início no ano seguinte. E a Copa foi suspensa por 12 anos.
1954
Sede: Suíça
Campeã: Alemanha Ocidental
Uma Copa morna em termos de política e futebol. A Alemanha Ocidental ganhou, com um time amador, que havia perdido de 8 a 3 da Hungria na fase de grupos.
1958
Sede: Suécia
Campeão: Brasil
Foi a Copa que colocou o Brasil (e Pelé) no centro do futebol mundial. Um “mockumentary” (documentário falso) chamado Conspiracy 58 defendeu a tese de que a Copa de 1958 nunca existiu e que se tratou de uma conspiração entre a CIA e a Fifa como parte da Guerra Fria.
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A Edição 141 da Revista Oeste vai além dos textos de Dagomir Marquezi. A publicação digital conta com reportagens especiais e artigos de Artur Piva, J.R. Guzzo, Augusto Nunes, Rodrigo Constantino, Guilherme Fiuza, Ana Paula Henkel, Branca Nunes, Flávio Gordon, Silvio Navarro, Roberto Motta, Brendan O’Neill, Bruno Meyer e Allan dos Santos.
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Revista Oeste
Por Joaci Góes
Artigo publicado na Tribuna da Bahia, edição de 01.12.2022.
Ao querido amigo Carlos Frederico Machado Neto!
Segundo nos ensinou Mohandas Karamichand Gandhi, o Mahatma Gandhi, “Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, a injustiça é também minha”! Nessa perspectiva, está de parabéns a ampla faixa da população brasileira que vem reagindo aos momentosos desvios de conduta de alguns membros de nossos tribunais superiores que teimam em ignorar a milenária prescrição romana do bom comportamento da magistratura: Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere (Viver honestamente, não prejudicar ninguém, atribuir a cada qual o que lhe pertence).
Não há precedente em país sério, onde a liberdade seja um valor absoluto, em que sua Suprema Corte haja se afastado tanto dessa sua sagrada função, atingindo um patamar de imensurável desapreço nacional, como o alcançado por membros do nosso STF. Diante das decisões proferidas por algumas de Suas Excelências, os descendentes do pretor romano Lucius Antonius Rufus Apius, que decidia em favor de quem lhe pagava mais, daí advindo a palavra L.A.R.Apius, larápio, podem caminhar com a fronte erguida, porque juízes de nossa Suprema Corte roubaram-lhe a palma, literalmente. Os resultados aí estão: decisões que enodoam a imagem do outrora Excelso Pretório, hoje considerado uma instituição a serviço dos interesses mais subalternos, fato que impede vários dos seus membros frequentar espaços públicos, dentro e fora do País, por receio dos apupos advindos da irresignação coletiva.
O esporte predileto de algumas de Suas Excelências passou a ser o linchamento da Constituição, que é do seu maior dever preservar, ao tempo em que ignoram, solenemente, o preceito fundamental que proscreve, como indignidade, o pagamento, com a toga, de favores recebidos. Platão já ensinava, no Século IV A.C., que “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”.
A dolorosa e inquietante verdade é que passamos a viver “um vale-tudo” que expõe a mais nobre das instituições humanas, a quem a sociedade confere poderes quase divinais, a uma sucessão de vexames que enrubescem e enchem de indignação os brasileiros decentes e nos degradam aos olhos do mundo. A reduzida maioria de Suas Excelências vem despetalando, um a um, a golpes certeiros, os diferentes atributos que Winston Churchill apontou no desempenho do bom julgador: “liberdade, justiça, honra, dever, piedade e esperança”. De tal modo ostensivo o STF passou a patrocinar o crime do colarinho branco, no Brasil, guardando a severidade da lei para os fracos, que nele Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, encontraria a inspiração para descrever as leis como sendo “teias de aranha, boas para capturar mosquitos, enquanto deixam escapar os insetos maiores que rompem sua trama”.
A prática do STF tem passado muito ao largo do conselho de Joseph Joubert, para quem “a justiça é o direito do mais fraco”. Para punir os assaltantes do Erário, diante da deserção da Suprema Corte, só resta a parte final da conclusão de Ruy Barbosa ao lecionar que “as leis são um freio para os crimes públicos, e a religião para os crimes secretos”. Algumas decisões monocráticas e colegiadas têm sido de estarrecer os mais elementares princípios da equidade e da honradez, alargando o entendimento de que, com uma corte Suprema de tão baixo estrato, o Brasil não tem qualquer chance de futuro. O recente fim da Lava-jato, determinado por folgada maioria da Suprema Corte, resultou, predominantemente, da inveja de alguns Ministros, do notável êxito alcançado por Sérgio Moro, um dos maiores juízes de nossa história. Com essa decisão infeliz, o Brasil voltou a ser um país onde cadeia é só para pretos, pobres e putas.
Da série: Reflexões☝️
O nome que a esquerda colocou no ar para assumir o Ministério da Fazenda é uma garantia de falência. Vive de intenções, não de resultados
Por J.R. Guzzo
(Publicado no Estadão, em 27 de novembro de 2022)
O ex-presidente Lula nunca disse aos eleitores o que ele iria fazer em relação à economia do Brasil – não disse nem sequer quem iria ser o seu ministro na área. Para qualquer outro candidato, esse tipo de postura seria denunciado como oportunista e irresponsável; afinal, é um dever elementar de quem pretende presidir o País explicar honestamente quais as decisões que pretende colocar em prática em questões essenciais para a vida da população. Em Lula, é claro, a recusa de assumir compromissos e a opção de esconder propósitos foram elogiadas como mais uma prova de sua “sensibilidade política” – não dizendo nada, ele dá a entender que tudo é possível, e com isso recebe o apoio de gente que espera ações opostas umas das outras. O resultado é que os brasileiros ainda não foram informados, um mês após a eleição, a respeito do que Lula quer fazer com a economia do País.
Fala-se, agora, numa arrumação amarrada com barbante para “dividir” a administração da economia em dois pedaços, cada um querendo coisas diferentes – um pedaço de esquerda, com as mesmas soluções que dão errado há 100 anos, e um pedaço descrito como mais “liberal”. Tem tudo para dar errado, é claro, como sempre acontece com a fabricação de miragens – mesmo porque quem vai mandar de verdade é um dos lados, enquanto o outro vai ficar fingindo o desempenho de um papel de “moderação” que resultará em três vezes zero. No caso da gambiarra que vem sendo cogitada para a “equipe econômica”, tanto faz quem vai ficar no papel de “liberal” – se não vai resolver nada mesmo, podem colocar qualquer um. Já o nome do outro ministro, aquele que decidirá de fato as coisas porque vai estar lá para executar as ordens de Lula, pode fazer diferença, e muita, no seu grau de ruindade.
Informações Revista Oeste
(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de novembro de 2022)
É cada vez mais difícil, hoje, o ministro Alexandre de Moraes aparecer no noticiário sem que esteja provocando algum tumulto, ou se metendo em questões que legalmente não lhe dizem respeito ou, simplesmente, violando a Constituição e o restante das leis em vigor no país. Seu último surto é a “convocação” de todos os comandantes das PMs estaduais para o seu gabinete em Brasília, com o propósito oficial de fazer “um balanço” de suas ações na última eleição, que acabaram há vinte dias, e discutir “as próximas”, que só vão acontecer daqui a dois anos. Trata-se de pura e simples produção artificial, e deliberada, de confusão. Em primeiro lugar, não cabe a um ministro do STF, em nenhuma hipótese legal, chamar as PMs do Brasil inteiro para tratar de assuntos operacionais; não faz parte de suas funções, nem de seus direitos como membro da Corte Suprema. Além disso, é uma encenação flagrante: não pode sair disso nenhuma decisão que venha a beneficiar os cidadãos, nem melhorar a sua segurança, mas apenas tensão inútil, animosidade e desordem.
Comandantes de quartéis diante dos quais se fazem os protestos já afirmaram, com todas as letras, que não vão tirar os manifestantes de onde estiverem; houve, a propósito, discursos de chefes militares dizendo que a população tinha o direito legal de se manifestar pacificamente onde quer que fosse, inclusive na frente das casernas. E então? O ministro Moraes vai mandar a tropa de choque das PMs enfrentar a tropa do Exército para tirar as pessoas de lá? Vão jogar gás lacrimogêneo e espancar a população na frente dos militares? Vão abrir fogo, talvez? É algo que ele deveria esclarecer nesta sua reunião com os comandantes das PMs. Para executar o que decidiu, Moraes tem de dar ordens para a força policial reprimir os manifestantes, e isso, além de ilegal, é complicado de se fazer. E se as PMs não obedecerem a essas ordens? Um comandante já disse que não viu nenhum delito nas manifestações em sua área de atuação, e que não iria fazer nada a respeito. Outros dois nem foram à reunião que o ministro convocou.
Informações Revista Oeste
(Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povoem 21 de novembro de 2022)
As autoridades cumprem ordens ilegais. Os Poderes Executivo e Legislativo não exercem mais suas obrigações e seus direitos. As instituições pararam de funcionar
O Brasil se acostumou a viver na ilegalidade e não há sinais, até agora, de nenhuma reação efetiva contra isso — declarações de protesto, manifestações na frente dos quartéis, críticas aqui e ali, mas nada que mude o avanço constante do regime de exceção imposto ao país pelo Poder Judiciário. As autoridades cumprem ordens ilegais. Os Poderes Executivo e Legislativo não exercem mais suas obrigações e seus direitos. As instituições pararam de funcionar. É como no tempo do Ato Institucional No. 5. Ficou determinado pela força, na ocasião, que nenhuma decisão do Poder Executivo estava sujeita à apreciação judicial. Na ditadura de hoje nenhuma decisão do ministro Alexandre de Moraes e dos oito colegas que seguem a ele no STF está sujeita a qualquer tipo de recurso — só se pode recorrer a eles mesmos, o que obviamente não adianta nada.
A Constituição Federal e as leis brasileiras em vigor, quaisquer que sejam, são violadas diariamente pelos ministros do STF; as liberdades públicas e os direitos civis dos cidadãos foram eliminados. Deixou de funcionar, para efeitos práticos, qualquer sistema de controle aos atos do STF; e sem controle de ninguém, os nove ministros que mandam no tribunal estão governando o Brasil de hoje através de um inquérito policial, de ordens pessoais e decretos sem nenhum fundamento legal. O último episódio, numa série que está aí há quatro anos, é o bloqueio das contas bancárias de 43 empresas de transporte, por ordem do ministro Moraes. Não há legalidade alguma nessa decisão — é pura e simples violência.
Uma conta bancária não pode ser bloqueada sem um processo previsto em lei, por nenhum juiz brasileiro — nem as contas dos traficantes de droga estão fora desta determinação. A solicitação do bloqueio tem de vir do Ministério Público, obrigatoriamente — como qualquer denúncia criminal. No caso, as contas foram bloqueadas sem processo legal nenhum; foi apenas uma ordem de Alexandre de Moraes, mais nada. O Ministério Público não pediu coisa nenhuma; na verdade, sequer foi informado do bloqueio pelo ministro. Em suma: está tudo errado, mas o Banco Central apenas obedece. Está cumprindo uma ordem ilegal, e fica tudo por isso mesmo. As transportadoras não têm a quem apelar – só podem recorrer ao próprio STF, e o STF nega todo e qualquer recurso feito contra as suas decisões.
Tudo isso é aplaudido como uma ação decisiva para combater “atos antidemocráticos”. Essa é a palavra mágica do novo Ato-5; serve como justificativa para todas as decisões ilegais do STF. Serve também, cada vez mais, para designar qualquer manifestação contrária ao novo governo.
Informações Revista Oeste
Por Eduardo Cunha/ Poder 360
O debate do chamado teto de gastos tem de ser feito. Já critiquei bastante esse dispositivo em artigos anteriores, como o de 20 de junho de 2022, “O teto de gastos está furado”. Para dar uma noção da situação: o teto estabelece que as despesas do governo federal sejam, a cada ano, corrigidas apenas pela inflação. Despreza-se qualquer outro critério –como, por exemplo, a sua eventual vinculação à arrecadação.
Imaginem só: um trabalhador que ganha 1 salário mínimo por mês é obrigado a seguir um “teto de gastos” por 20 anos, só podendo aumentar suas despesas pela correção inflacionária. Se esse trabalhador melhora de emprego e passa a ganhar 3 ou 4 salários mínimos, ele terá de continuar gastando como se o sua renda fosse de só 1 salário mínimo. Isso tem lógica? Por óbvio que não.
Por isso que, para que se estabeleça um teto de gastos, é necessário vinculá-lo à arrecadação, jamais à inflação. Isso serve para os 2 lados: se a arrecadação cai, obriga-se o corte de despesas. Se a arrecadação aumenta, o teto de gastos sobe na mesma proporção.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) conseguiu ter aumento de arrecadação, inclusive com receitas extraordinárias de privatizações e dividendos de estatais, mas não podia gastar isso em função do tal teto, vinculado à correção da inflação. Por essa razão, para aumentar o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, teve de aprovar uma emenda constitucional autorizando esse gasto –sem infringir o teto.
Bolsonaro buscou autorização legislativa para gastar o que tinha arrecadado. A exceção no teto de gastos só valia para essa despesa. Por que o presidente não pediu essa mesma autorização para a manutenção do pagamento de R$ 600 em 2023? Simplesmente porque a arrecadação extra já seria usada nos pagamentos de 2022.
Para os pagamentos no ano seguinte, seria necessário buscar uma alternativa junto do Congresso que não fosse apenas pelo aumento do deficit fiscal e da dívida pública. Será que a sociedade iria querer que se programasse esse gasto para o próximo ano, só pelo endividamento do governo? Bolsonaro já estava sendo acusado de ter feito uma ação eleitoreira para os pagamentos de 2022. Se ele já tivesse assegurado os de 2023, que acusação a mídia e o PT (Partido dos Trabalhadores) fariam durante a campanha eleitoral?
Certamente diriam todos que Bolsonaro só pensava na própria reeleição e explodindo as contas públicas, só pensando na sua reeleição. Alguém acha que seria diferente?
É preciso fazer uma explicação singela para que o leigo em contas públicas consiga entender a situação. Um Orçamento é composto das receitas correntes da arrecadação de tributos e das extraordinárias –que podem vir de algum evento específico, como uma privatização ou bônus de assinatura de concessão de exploração de petróleo. Do outro lado estão as despesas correntes correspondentes, somadas aos gastos em investimentos e às despesas com precatórios judiciais.
O saldo entre receitas e despesas e gastos constitui o chamado superavit primário –se as receitas forem superiores às despesas– ou deficit primário –se as despesas e gastos forem mais altos que as receitas.
Também faz parte do Orçamento a previsão para o serviço da dívida, ou as despesas que o governo terá com juros e amortizações previstas para aquele ano. Estas podem ser roladas com emissão de novos títulos da dívida.
Quando o Orçamento prevê superavit primário, isso significa que o saldo positivo será usado para diminuir o custo da dívida. Opostamente, quando o Orçamento prevê deficit primário, isso significa que a dívida terá de ser aumentada para honrar o custo do serviço. Ou seja: o governo terá que emitir novos títulos –se endividar mais– para pagar as amortizações atuais e os juros.
O teto de gastos, por sua vez, visa a conter o aumento de despesas fora da correção inflacionária (sem levar em consideração o aumento das receitas acima da inflação). Na verdade, ele foi feito única e exclusivamente para atender o sistema financeiro, criando uma poupança compulsória para o pagamento dos juros e resgaste dos títulos da dívida pública. Nunca foi para reduzir os impostos pagos pelo cidadão. Foi para atender aos credores do governo.
Técnico do Tesouro Nacional chegaram a sugeriruma proposta de alteração do teto, com a ideia de permitir a correção do limite de gastos pelo aumento da dívida pública. Isso não faz o menor sentido, pois, para ser contida, a dívida tem que ser compensada por um superavit primário, no mínimo, igual aos juros a serem pagos naquele ano.
Para exemplificar: a dívida pública chegará a 76,2% do PIB em 2022, com uma taxa de juros da Selic em 13,75% ao ano. Por um cálculo simples, conclui-se que, sem crescimento do PIB, o governo precisaria de um superavit primário equivalente a 10,48% do PIB só para manter a dívida no mesmo patamar. Esse resultado é um feito jamais alcançado na nossa história, absolutamente inviável.
Durante o governo Bolsonaro, por 3 vezes tivemos que excepcionalizar o teto de gastos. Paulo Guedes errou por não enfrentar de vez essa determinação constitucional, criada equivocadamente por Henrique Meirelles (MDB) quando era ministro da Fazenda de Michel Temer (MDB).
A 1ª vez se deu durante a pandemia de covid-19. Uma medida decretando a calamidade pública, aprovada pelo Congresso, excepcionalizou as despesas acima do teto com consequente aumento do deficit e da dívida pública em um montante que beirou os 10% do PIB. A 2ª foi pela chamada PEC dos Precatórios, quando a previsão de aumento de despesas com precatórios judiciais obrigou a aprovação de uma emenda constitucional para adiar parte desses pagamentos. A última foi quando o governo obteve receitas extras, tanto por dividendos de estatais que não estavam previstos no Orçamento quanto por privatizações –notadamente da Eletrobras–, mas não poderia gastar nada disso por conta da restrição do teto.
Esse dinheiro a mais permitiu a aprovação de uma emenda constitucional para aumentar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 até dezembro de 2022. As receitas extraordinárias foram a origem dos recursos para isso. Ou seja: Bolsonaro pagou os R$ 200 a mais sem aumentar a dívida pública em 1 centavo. Mesmo assim, a PEC era chamada de “kamikaze” e “eleitoreira”.
O que vem o PT fazer agora? Em vez de mostrar para a sociedade como vai pagar esses R$ 200 a mais –na realidade, R$ 195 a mais–, dizendo, por exemplo, de onde vem o dinheiro, que despesa vai cortar ou qual nova receita buscará, quer simplesmente tirar todo o Auxílio Brasil do teto de gastos –incluindo os R$ 405 já estabelecidos no Orçamento de 2023.
O governo eleito quer mais do que retirar do teto de gastos os R$ 195 necessários para complementar e atingir a promessa que todos fizeram para o ano de 2023, de manter os R$ 600 mensais de benefício para cada uma das cerca de 20 milhões de famílias. Quer que a totalidade dos gastos com o programa seja excluída da regra. Mais ainda: os R$ 600 seriam acrescidos de um gasto de R$ 150 por mês para cada criança –o que dá a bagatela de R$ 175 bilhões ao ano. E ainda buscam retirar receitas extraordinárias, que poderiam chegar a R$ 23 bilhões ao ano.
Todas essas excepcionalizações, na prática, significam um perdão para gastar R$ 198 bilhões por ano além do teto, sem que haja uma receita correspondente, no mínimo pelos 4 anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Isso corresponderia a aumentar a dívida pública em R$ 800 bilhões no seu mandato, acrescido dos juros desses recursos ao longo desse período. No final, o rombo poderia chegar a mais de R$ 1,2 trilhão.
Isso não fere só o teto de gastos, mas também a chamada “regra de ouro”, do artigo 167 da Constituição. A regra impede que o governo se endivide além do necessário para as despesas de capital, ou seja, as despesas da própria dívida.
Só essa despesa aumentará em 20% a nossa dívida pública, que estava em R$ 5,75 trilhões em setembro. Com os juros e a rolagem da própria dívida, o endividamento do governo deve chegar a 100% do PIB ainda no mandato de Lula. Bancos já estão publicando estudos com essa projeção.
Isso também reduziria a nada o Congresso eleito em 2022. A Casa não teria mais o que votar, já que Lula teria a licença constitucional para fazer a sua gastança sem precisar criar qualquer receita para bancar isso. A proposta do partido ainda libera a parcela já prevista no Orçamento, de R$ 405 mensais, para a gestão fazer politicagem de novos gastos e perpetuar o PT no poder.
Lula teria autorização para pagar a totalidade do Auxílio Brasil de R$ 600 mensais, acrescido dos R$ 150 por cada criança das famílias incluídas no programa, e ficaria com o valor correspondente aos R$ 405 mensais já previstos no Orçamento de 2023. Com as devidas receitas alocadas para o pagamento, teria cerca de R$ 100 bilhões ao ano para gastar como quisesse, fora os R$ 23 bilhões de receitas extraordinárias.
O atual Congresso não pode aprovar essa vergonha, essa gastança irresponsável de dinheiro público. Uma coisa é mudar ou excepcionalizar o teto de gastos, o que poderia ser feito inclusive para a totalidade pedida pelo novo governo, desde que tivesse a respectiva receita correspondente. Bastava inserir no texto que a excepcionalização do teto de gastos implicaria na manutenção da respectiva meta fiscal, ou só poderia se dar com a geração de receitas correspondentes.
Estão tentando passar para a sociedade que o teto de gastos impede esse aumento do Auxílio Brasil. O teto só é a restrição legal de hoje para expandir a despesa acima da inflação. Superar essa restrição não faz nascer no chão dinheiro para pagar a despesa.
A mídia está ajudando a enganar a população. Se Bolsonaro tivesse ganho a eleição e propusesse isso, não teria dessa mídia a menor aceitação para tal. Todos iriam dizer que Bolsonaro seria irresponsável. Na verdade, o irresponsável é Lula.
Alguém já pensou no impacto que isso terá na taxa de juros? O mercado vai passar a exigir mais juros para rolar a dívida pública, pois não tem clareza de como essa dívida poderá ser paga depois. E o impacto sobre o crescimento?
Estão certos alguns líderes que dizem que devemos aprovar apenas o necessário para pagar os R$ 600 mensais –ou seja, R$ 195 por mês a mais– e apenas para o ano de 2023. Assim, o novo Congresso, ao se deparar com a situação, poderá escolher entre manter a irresponsabilidade fiscal, criar receitas para bancar esse pagamento ou revisar o programa para conter essa despesa.
O novo Congresso deve se deparar também com a reformulação definitiva do teto de gastos. Ainda, fazer uma reforma tributária para tentar resolver os desiquilíbrios fiscais dos entes federados ou buscar soluções dentro dos seus compromissos com quem os elegeu para administrar a situação. O que não dá é o velho Congresso dar um “cheque em branco” para uma gastança de R$ 1,2 trilhão para um governo que foi eleito dizendo que respeitaria a responsabilidade fiscal, embora Lula tenha fugido do debate sobre economia durante a campanha.
Lula chegou a dizer: “Vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência”. Disse ainda que terá meta de inflação e de crescimento para o país, como se pudéssemos conter a inflação ou criar crescimento só pela vontade ou por decreto do presidente da República. É uma agressão à economia.
Na transição de Lula, assistimos à presença dos mesmos atores, cuja irresponsabilidade fiscal levou ao impeachment de Dilma Rousseff (PT). Alguns, pelo barulho que já causaram, até saíram de fininho. Os atores das pedaladas e editores dos decretos de execução orçamentária que implicaram na execução de despesas sem amparo na lei orçamentária, razão do impeachment, estão lá bem à vontade para repetir os mesmos erros. Já tentaram, no passado, estabelecer metas de crescimento e conter a inflação de forma artificial, pedalando os gastos. Lula vai continuar essa política antiga do PT?
O problema é que, para chegar ao destino do impeachment pela irresponsabilidade fiscal, o PT levou 13 anos no poder. Agora, ao que tudo indica, estão fazendo força para atingir a meta da irresponsabilidade fiscal bem mais rápido. Com essa PEC da gastança, tentam legitimar o apoio do Congresso à irresponsabilidade fiscal, o que serviria de escudo para um novo impeachment.
Será que o Congresso será conivente com essa irresponsabilidade no tamanho proposto? Lula só precisa responder uma pergunta, até agora ignorada por sua equipe: de onde virá o dinheiro?
Sem isso, entretanto, Lula conseguirá rapidamente unificar do país à sua maneira. A frase dita pelo ministro Barroso, dos eleitores de Bolsonaro serem uns manés, está bem errada. Sem entrar no mérito da gíria de malandro “perdeu” e o seu real significado e sem querer amolar ninguém, temo que, com a gastança que Lula quer promover, não são os eleitores de Bolsonaro, mas todos os eleitores –inclusive os que não foram votar e os que não têm idade para isso, os maiores prejudicados– são manés. Alguns mirins. Inclusive ele, o Barroso.
Como somos todos manés, essa PEC deveria levar o nosso nome: a PEC dos manés. E, se ela for aprovada como Lula está propondo, simplesmente vamos todos “perder”, no sentido da pura malandragem da rua.
Que Deus tenha misericórdia dessa nação!
Informações Poder 360
Por Eduardo Cunha para o Poder 360
Peço desculpas pelo texto longo, mas necessário para uma compreensão melhor destas eleições. Na verdade, seria necessário um livro e não um artigo.
Certa vez, o ex-presidente Jânio Quadros estava sendo entrevistado por um repórter, que o chamou de “você”. Jânio o corrigiu imediatamente, pedindo para ser chamado de “senhor”, porque a intimidade provocaria duas coisas: “Dívidas e filhos”. No seu conhecido estilo, completou: “Filhos, eu já os tenho; e dívidas, eu não as quero ter”.
O que isso tem a ver com a derrota de Bolsonaro? A resposta é simples: aliados, alguns se achando e se comportando como amigos íntimos, criaram desgastes que certamente tiraram votos de Bolsonaro no último momento, sem qualquer culpa dele. Acabaram sendo “dívidas constituídas”, pela suposta intimidade.
De jeito simples, absolutamente avesso à pompa do cargo, Bolsonaro acabava transformando a sua humildade e simplicidade em concessão de intimidade a pessoas que deveriam estar bem distantes do seu convívio.
Um exemplo disso foi a deputada Carla Zambelli(PL-SP), responsável pela grotesca imagem onde corria com uma pistola na mão enquanto atravessava uma rua em São Paulo. Esse comportamento caiu na conta de Bolsonaro por conta da proximidade da deputada com ele. Muitos votos foram perdidos na véspera e no dia da eleição por isso. Bolsonaro foi enquadrado como apoiador dessas loucuras, cujas imagens foram transmitidas na TV.
Bolsonaro passou a sua campanha inteira sofrendo as consequências de assumir posicionamentos radicais. Mas, na maior parte do tempo, elas vieram de apoiadores e não dele. No fim da corrida, deparou-se com esse episódio da Zambelli e foi prejudicado.
Sabemos que nestas eleições houve um grande consórcio da mídia para derrotar Bolsonaro, carimbando-o como antidemocrático e combatendo todos os seus atos. Os veículos buscaram sempre ridicularizá-lo com uma cobertura desigual e desonesta, visando a influenciar o eleitor.
A grande mídia conseguiu transformar a ojeriza a Bolsonaro em algo maior que a ojeriza ao PT. Foi a principal razão da derrota. A vontade de tirá-lo era muito maior que a falta de vontade de aturar o PT de novo.
Se a ideia era que as candidaturas tivessem tratamento isonômico, o vídeo da TV Globo em que a redação comemorava o momento em que Lula era declarado vencedor já diz muito. Infelizmente nunca houve essa vontade. Bolsonaro estava escalado pela mídia para perder e sucumbir, custasse o que custasse.
Não vão parar com a sua derrota. Vão buscar sua exclusão definitiva da vida pública, tentando impedir que volte a concorrer de novo. A mídia busca a extinção completa de Bolsonaro.
Era o que já se via na forma que a mídia explorava a pandemia. Bolsonaro fez o melhor que poderia ter feito, mas suas falas eram colocadas como se fossem de desprezo à vida das pessoas. Isso já tinha causado muito estrago na sua imagem e aumentado sua rejeição.
A contínua comparação com Trump também o prejudicou. A derrota do presidente dos Estados Unidos foi amplamente comemorada pela mídia. O objetivo era ligar Bolsonaro à resistência de Trump em aceitar o resultado das eleições e à invasão do Capitólio, comportamentos enquadrados como antidemocráticos.
Tudo para colar na cabeça da população a ideia de que votar em Bolsonaro é ser contra a democracia. O que é absurdo: quem se sujeita à eleição é democrata. O próprio comportamento de Bolsonaro na transição contraria isso.
Do outro lado, Lula prega em conversas com autoridades estrangeiras que está recuperando a democracia no Brasil, mas não explica nem revê o seu apoio a ditaduras estrangeiras. Qual democracia ele está restabelecendo? A de Cuba, a da Nicarágua ou a da Venezuela?
Também não podemos deixar de lembrar que o ex-juiz Sergio Moro, com seus métodos espúrios, contribuiu para tornar Lula vítima. Isso reabilitou o petista para a disputa.
Longe do que falam, Bolsonaro teve um desempenho fantástico no 2º turno e poderia, sim, ter vencido. Eu, aliás, previa que o desfecho seria esse, com base em dados compilados, conforme expus em meu artigo anterior.
No 1º turno, Bolsonaro teve 1,8 milhão de votos a mais do que no 1º turno de 2018. No 2º, teve mais 400 mil em comparação à 2ª votação que o elegeu presidente pela 1ª vez. Se ele tivesse repetido no 2º turno a diferença de 1,8 milhão, provavelmente estaria eleito –considerando-se que o 1,4 milhão de votos que faltaram acabariam vindo em parte de Lula, dos brancos e dos nulos.
Lula liderou o 1º turno com 6,2 milhões de votos a mais que Bolsonaro. O presidente reduziu essa vantagem em 4,1 milhões de votos no 2º turno.
A eleição de 2022 teve algumas características que a diferenciam das outras. O número de brancos e nulos foi menor que em outras. A taxa de abstenção diminuiu no 2º turno. O percentual de votos válidos foi alto.
Para se ter uma ideia, em 2018 tivemos 107 milhões de votos válidos no 1º turno e 104 milhões no 2º turno, em um eleitorado de cerca de 147 milhões de eleitores. Em 2022, o eleitorado aumentou em 9 milhões de eleitores; já o número de votos válidos aumentou em 11 milhões no 1º turno e em 14 milhões no 2º turno, em relação às respectivas votações 4 anos antes. Seria como se todos os novos eleitores tivessem ido votar, junto com mais 5 milhões que não votaram em 2018. É um número muito alto.
A que se deveu isso? Talvez a polarização acirrada tenha estimulado maior presença nas urnas. A eleição nitidamente despertou paixões. Em muitos lugares que a gente caminhava, via-se que os eleitores estavam decididos do voto para a eleição presidencial muito antes dos outros cargos.
Também houve um esforço além do normal para que jovens de 16 a 18 anos tirassem o título. Era visível que esses novos eleitores, na sua maioria, tendiam a votar em Lula. Esse pode ter sido um dos principais fatores –se não o principal– da vitória final de Lula.
Também os eleitores de Bolsonaro, mais idosos, tiveram dificuldades de comparecer às urnas. No 1º turno, as longas filas atrapalharam, apesar do acesso privilegiado que pessoas desse segmento deveriam ter.
No 2º turno, com a redução do número de cargos em disputa, as filas se reduziram bastante, aumentando essa presença.
Analisando-se os votos de 2º turno, nota-se que há uma redistribuição desigual do total de votos dados a outros candidatos, que não foram ao 2º turno (perto de 9,9 milhões), acrescidos dos votos válidos a mais no 2º turno (322 mil). Deste contingente, cerca de 70% foram para Bolsonaro e 30%, para Lula.
Com isso, Bolsonaro ganhou os mais de 4 milhões de votos no 2º turno que diminuíram a diferença para Lula em relação ao 1º turno. Para que Bolsonaro vencesse, seria necessário que tivesse 80% e não 70% desses votos; nesse caso, Lula teria 20%, e não 30%.
Ainda que reconheçamos o desempenho excepcional de Bolsonaro no 2º turno, não podemos de deixar de realçar as razões pelas quais ele perdeu a eleição.
O começo de fato da campanha de 2º turno foi o debate da Band, onde Bolsonaro se saiu bem melhor do que Lula, encurralando-o. Isso se refletiu na semana seguinte, nas próprias pesquisas contrárias a Bolsonaro.
Na véspera desse debate, a campanha de Lula tentou colocar Bolsonaro como pedófilo, desvirtuando palavras de Bolsonaro em entrevista, quando ele falou sobre mulheres venezuelanas.
As decisões pedidas e obtidas pela campanha de Lula na Justiça Eleitoral beneficiaram muito a sua campanha. A Bolsonaro não foi dado o mesmo tratamento. Mesmo quando os seus pedidos foram aceitos, as decisões eram menos céleres. Isso causou enormes prejuízos à sua campanha. A única decisão que de fato o ajudou foi sobre as postagens que o acusavam de pedofilia.
Eventualmente, o excesso de decisões contrárias a Bolsonaro acabou o vitimizando perante a opinião pública, e ele acabou favorecido.
É preciso registrar que o programa de TV de Bolsonaro era muito inferior ao de Lula. Chegaram ao cúmulo de esconder o belo jingle de Bolsonaro, confundindo o público com várias músicas diferentes. Não se deu visibilidade à principal virtude de Bolsonaro, que era a recepção popular por onde ia. O programa de Lula, por outro lado, mostrava uma recepção ao candidato que a gente não via, naquele momento, nas ruas.
O eleitor que queria votar em Lula estava, em parte, envergonhado. Só ao final perdeu essa vergonha.
Depois da Band, Lula fugiu de um outro debateorganizado por um pool de mídia, coordenado pelo SBT, que acabou transformado em entrevista de Bolsonaro, onde ele se saiu muito bem. A campanha do presidente também organizou uma live de 22 horas no dia 22. A ideia era boa, mas a execução foi errada. Que apelo popular tinha Roberto Justus?
Naquele momento, Bolsonaro estava convivendo com os boatos sobre um suposto estudo da equipe de Guedes a respeito da correção do salário mínimo em um valor inferior à inflação. Nessa live, Bolsonaro não conseguiu passar claramente a imagem de que essa era uma sabotagem da própria equipe de Guedes, aproveitada pela campanha de Lula.
Bolsonaro também não conseguiu rebater as fake news de que era contrário ao 13º salário e às férias. O PT surfava nestes boatos –o que, aliás, é usual nas campanhas do partido. Na internet, foram distribuídos vídeos com uma inexistente proposta de Bolsonaro de uma PEC (com número falso, inclusive) que visaria a acabar com o 13º salário. Eu mesmo recebi esse vídeo.
Se precisasse encontrar um culpado principal pela derrota, eu me arriscaria a apontar Paulo Guedes. Já antecipei isso em outro artigo, “O que Bolsonaro e o Flamengo têm em comum”. Nele, eu sugeria que Guedes poderia ser o ministro da Economia de Lula, caso ele ganhasse as eleições. Pelo menos ele merecia isso.
Naquele artigo eu sugeria que tanto o Flamengo quanto Bolsonaro deveriam trocar de técnico –na época, respectivamente, Paulo Souza e Paulo Guedes. O Flamengo trocou e acabou campeão da Copa do Brasil e da Libertadores. Bolsonaro não trocou e perdeu a eleição.
Se você me pergunta por qual razão Guedes seria culpado, eu posso listar várias, desde o início do mandato. Até as suas declarações, que o deixam como um falastrão.
Guedes teve o comando de quase tudo que era relevante no governo, incluindo Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES. Ele atrapalhou muito as soluções para a redução do preço dos combustíveis e do novo auxílio Brasil de R$ 600. Ao retardar a implantação desse auxílio, ele impediu que Bolsonaro crescesse o suficiente nesse eleitorado para vencer a eleição. De acordo com reportagem do Poder360, Bolsonaro só cresceu 2 pontos percentuais no eleitorado das cidades mais dependentes do Auxílio Brasil em relação a 2018.
Ele também foi o responsável por enviar uma peça orçamentária sem a previsão de recursos para a continuidade do Auxílio Brasil neste valor. A peça também tinha vários cortes em áreas fundamentais, que desgastaram Bolsonaro na campanha.
Bolsonaro ficou a campanha inteira dizendo que o auxílio iria continuar. Lula rebatia, com razão, que ele não estava na peça orçamentária. Vocês acham que isso não prejudicou a campanha de Bolsonaro?
Eu mesmo ouvi pelas ruas, em comunidades pobres, que Bolsonaro não ia continuar o auxílio e que Lula iria; Bolsonaro só teria feito isso pela eleição, tanto que não estava no Orçamento. A gente rebatia, mas o povo preferia acreditar na versão da campanha do Lula.
Não adianta Guedes dizer que isso seria corrigido pelo Congresso, que dependia de mudar o teto, que poderia ser resolvido colocando-se um artigo na Proposta da Lei Orçamentária ou que isso iria depender da aprovação de uma PEC, que ele mandaria junto com o Orçamento ao Congresso. Agora é Lula que está propondo essa PEC para resolver o assunto, não é?
Guedes não quis enfrentar essa discussão do teto de gastos. Para aprovar o auxílio até o fim desse ano, ele mobilizou o governo para aprovar no Congresso uma PEC somente para isso. Por que não resolveu logo, naquela PEC, o auxílio para 2023? Quis deixar para o Lula resolver?
Por que depois, quando o autor desse equivocado teto de gastos, Henrique Meirelles, passou a oportunisticamente a apoiar Lula, Guedes, também de forma oportunista, passou a criticar o teto? Por que não resolveu isso antes, já que o governo tinha maioria no Congresso?
Em resumo, deve-se somar a atuação de Guedes no governo –com problemas como os preços dos combustíveis, a inflação e a demora no Auxílio Brasil– com a peça orçamentária não estabelecendo a prorrogação desse o auxílio para o ano que vem, com cortes na Educação, na Farmácia Popular etc. Tudo isso em plena campanha eleitoral. Além de permitir que vazamentos de estudos da sua equipe levassem a um debate de algo inexistente por parte de Bolsonaro –a suposta não-correção ao salário mínimo ao menos pela inflação, o que, aliás, contraria a lei.
Que culpa Bolsonaro tinha dessa desastrosa atuação de Paulo Guedes?
É verdade que, em 2018, anunciar Paulo Guedes como futuro chefe da Economia ajudou a Bolsonaro a reduzir as desconfianças da sociedade com relação ao seu governo. Só que isso não dava a Paulo Guedes o direito de se achar o próprio presidente da República, prejudicando as ações políticas do governo e permitindo que uma verdadeira sabotagem contra Bolsonaro fosse perpetrada por sua equipe. Ele ajudou na perda da eleição.
Voltando à ordem dos fatos no 2º turno: antes mesmo do fim da live de 22 horas, estoura o caso de Roberto Jefferson, que já tinha divulgado um vídeo na 6ª feira agredindo uma ministra do STF com palavras de baixo calão. Como advogado que é, Jefferson já sabia das consequências desse vídeo.
Foi ele quem provocou o que viria a acontecer. Resistiu a uma ordem de prisão com uma violência absurdamente inaceitável. Buscou isso seja para prejudicar Bolsonaro, pois estava se achando abandonado, ou buscando a morte de uma forma que o pudesse se transformar em mártir –o que jamais daria certo.
Seria um problema só dele se não colocassem, de forma injusta, o caso no colo de Bolsonaro. Como se Roberto Jefferson fosse algum coordenador da campanha –fato que, apesar de desmentido, ficou na cabeça das pessoas. Também chocou a violência praticada por ele contra policiais.
Importante lembrar que Jefferson inclusive não tinha nem se coligado a Bolsonaro no 1º turno. Lançou-se, ele mesmo, candidato a presidente, retirando preciosos segundos do programa eleitoral de Bolsonaro.
Depois, impedido de concorrer pela Justiça Eleitoral, Jefferson lançou um desconhecido padre.Achou que iria ajudar Bolsonaro, mas acabou o prejudicando ainda mais por associar a imagem do presidente a uma figura folclórica. Apesar de não ter cometido nada que o desabonasse, o Padre Kelmon (PTB) permitiu que a mídia colasse a sua imagem na de Bolsonaro, prejudicando o presidente.
A exposição da situação de Jefferson levou a um desgaste de Bolsonaro, agravado pelo envio do ministro da Justiça para o local –para acompanhar o desenrolar dos fatos, segundo o que foi divulgado. A reação tardia de Bolsonaro, que tentou se desvencilhar dos erros de Jefferson, não impediu que esse desgaste ganhasse força.
Na última semana, a decisiva para eleição, veio a tempestade perfeita: além do caso Jefferson, a campanha de Bolsonaro resolve fazer uma acusação amadora a respeito das inserções em rádios. Todos que são profissionais de campanhas eleitorais sabem que a campanha teria de ter fiscalizado o que relatou.
O pior foi quando grupos de apoiadores quiseram propor o adiamento da eleição. Um absurdo, que jamais seria possível.
A impressão que ficou é que isso só apareceu para tentar abafar a repercussão do caso Roberto Jefferson. Isso piorou ainda mais a situação de Bolsonaro.
Nessa última semana também houve erros de agenda. São Paulo deveria ter sido o centro da campanha.
Lembrando: todos os levantamentos indicavam que a virada em 2º turno seria difícil se Bolsonaro não se aproximasse ao menos em parte do resultado de 2018 em São Paulo. Em 2018, ele teve 68% dos votos válidos no segundo turno, 36 p.p. a mais do que o candidato do PT, o que representou mais de 8 milhões de votos. Mesmo em 2014, quando o PT venceu, com Dilma, ela perdeu para Aécio em São Paulo, por cerca de 7 milhões de votos.
No 1º turno, Bolsonaro teve 7 pontos percentuais a mais que Lula. Mas as pesquisas contratadas pela Globo davam só 4 pontos de diferença em São Paulo. Para vencer a eleição, Bolsonaro precisaria ter de 15 a 20 pontos de diferença sobe Lula em São Paulo. Acabou com 10,5 p.p. de diferença, bem mais do que as pesquisas da Globo apontavam, mas inferior ao necessário.
Em números absolutos, Bolsonaro venceu em São Paulo no 1º turno com vantagem de 1,7 milhão de votos. No 2º turno, foram 2,7 milhões de votos. Se Bolsonaro tivesse alcançado 60% dos votos válidos, essa diferença estaria perto de 5 milhões de votos. Isso teria lhe dado a vitória na eleição.
Depois veio o debate da Globo. A emissora repetiu o modelo da Band, que tinha dado certo naquele dia para Bolsonaro. Mas, na Globo, Lula veio mais preparado para o enfrentamento e conseguiu equilibrar o jogo. Deixou a sensação de que o debate foi ruim para os 2 lados. Como Lula estava na frente, isso o beneficiou.
Mesmo assim a chance de Bolsonaro era grande. Mas então veio a bizarra perseguição da deputada Carla Zambelli, com imagens divulgadas em longa reportagem no Jornal Nacional de sábado à noite, junto com versões não confirmadas da história dela.
Esse episódio foi a gota d’água para impedir que Bolsonaro vencesse, coroando uma semana desastrosa, iniciada por Roberto Jefferson. O eleitor de São Paulo deve ter refletido, e alguns preferiram a representação de um Alckmin a uma Zambelli.
É muito difícil vencer assim, contra tudo e contra todos, inclusive contra os seus “aliados”. Lula, se quiser fazer justiça a quem o ajudou na eleição, deveria convidar Guedes, Jefferson e Zambelli para fazerem parte do seu ministério.
Mas não se iludam. Bolsonaro perdeu com a menor diferença na história de uma eleição presidencial. Lula teve 60,3 milhões de votos, mas, se somarmos os votos de Bolsonaro, brancos e nulos, além da abstenção, mais de 95 milhões de eleitores não concordaram com a sua eleição.
Lula perdeu em 4 das 5 regiões do país. Foi o presidente eleito apenas na região Nordeste. Está longe de ter sido vencedor da forma como apregoam.
Na verdade, não foi Lula que venceu, e sim Bolsonaro que perdeu a eleição. Perdeu para si mesmo. Mais por conta dos seus “aliados” do que dos seus adversários.
Lula, por sua vez, sobreviveu muito mais por seu carisma pessoal do que pelo seu partido ou por alianças. Ele não terá condições de disputar uma reeleição, como já anunciou, ou até em função da idade e as condições dela decorrentes.
Ele não tem sucessor no seu partido, que sempre dependeu única e exclusivamente dele para sobreviver. Dilma está aí de exemplo. Além disso, o PT nunca foi dado a apoiar aliados e jamais abrirá mão de disputar com um nome seu à sucessão de Lula –vai tentar criar uma nova Dilma.
Então, não tenho dúvidas de que Bolsonaro –se não se misturar com alguns malucos e se não o tirarem da eleição com um “gol de mão”– voltará e se elegerá novamente, com relativa facilidade, em 2026.
Informações Poder 360
DE VOLTA À CENA DO CRIME
Po J. R. Guzzo
O ex-presidente Lula está de volta à cena do crime, de acordo com a descrição feita tempos atrás pelo próprio vice da sua chapa — eis ele aí de novo, aos 77 anos de idade, eleito presidente do Brasil pela terceira vez. Foi por pouco. Mas jogo que acaba em 5 a 0, ou 1 a 0, vale o mesmo número de pontos, e o que conta é o resultado marcado no placar do TSE. Após a campanha eleitoral mais desonesta que já se viu na história política deste país, com a imposição de uma ditadura judiciária que violou todo o tipo de lei para lhe devolver a presidência, o líder supremo da esquerda nacional volta a mandar no Brasil. Com ele não vêm “os pobres”, nem um “projeto de justiça social”, e nenhuma das coisas cheias de virtude de que falam as classes intelectuais, os parasitas que lhe dão apoio e a sua própria propaganda. Voltam a mandar os donos do Brasil do atraso — esses que querem manter os seus privilégios de 500 anos, não admitem nenhum governo capaz de atender aos interesses da maioria dos brasileiros que trabalha e exigem um “Estado” com poderes de Deus, e eternamente a seu serviço. São eles os que realmente ganharam. Conseguiram convencer a maior parte do eleitorado, segundo os números da autoridade que controla as eleições, que é uma boa ideia colocar de novo na presidência da República um cidadão condenado pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Começa agora o pagamento da conta — e quem vai pagar, como sempre acontece, são os brasileiros que têm menos.
Lula foi levado à presidência pelo colapso geral da Constituição e das leis brasileiras ao longo do processo eleitoral — resultado de uma inédita intromissão do alto Poder Judiciário, abertamente ilegal, em cada um dos passos da eleição. O fato objetivo é que a dupla STF-TSE, com o ministro Alexandre Moraes dando as ordens e Lula no papel de beneficiário único, fez tudo o que seria preciso para um observador neutro definir a disputa como uma eleição roubada — pode não ter sido, na contagem aritmética dos votos, mas com certeza fizeram o possível para dar a impressão de que foi. Basicamente, os ministros do Supremo Tribunal Federal e seu braço eleitoral, o TSE, montaram peça por peça um mecanismo desenhado para favorecer em tudo o candidato do PT. O primeiro passo foi a decisão de anular a lei, aprovada pelo Congresso Nacional, que permitia a prisão dos réus condenados em duas instâncias — como efeito imediato e direto dessa virada de mesa, Lula foi solto do xadrez de Curitiba onde cumpria há 20 meses a pena pelos crimes a que foi condenado na justiça. Em seguida veio o que deverá ficar na história como a sentença mais abjeta jamais dada nos 131 anos de existência do STF, do ponto de vista da moralidade comum e pelo princípio elementar que manda a justiça separar o certo do errado. Os ministros, simplesmente, anularam as quatro ações penais que havia contra Lula, incluindo as suas condenações — e, com isso, fizeram a mágica de desmanchar a ficha suja que impedia o ex-presidente de ser candidato. Não deram motivo nenhum para isso, não fizeram um novo julgamento em que ficasse provada a sua inocência, e nem o absolveram de coisa nenhuma — disseram apenas que o endereço do processo estava errado e, portanto, ficava tudo zerado. A partir daí, e até desfecho no dia 30 de outubro, o sistema STF-TSE passou a trabalhar sem qualquer disfarce para favorecer Lula e prejudicar o único adversário real de sua candidatura — o presidente Jair Bolsonaro.
A campanha eleitoral de 2022 foi uma fraude jurídica e política como jamais se viu neste país. O STF e os advogados de Lula, pagos com os bilhões do “Fundo Eleitoral” que foi extorquido do pagador de impostos, deram a si próprios o poder de violar as leis e a Constituição Federal para “defender a democracia” — e essa defesa, desde o primeiro minuto, foi fazer tudo para impedir que Bolsonaro ganhasse a eleição. A campanha se fez debaixo da pior censura imposta à imprensa desde o AI-5 do regime militar. A liberdade de expressão individual foi liquidada nas redes sociais. O TSE desviou para Lula, com desculpas de quinta categoria, tempo do horário eleitoral que pertencia legalmente a Bolsonaro. Houve trapaça direta, também — cerca 1.300 horas de mensagens devidas ao presidente em rádios do Nordeste simplesmente não foram levadas ao ar durante a campanha. O TSE não fez nada: a única providência que tomou foi ameaçar com processo criminal quem fez a queixa e demitir o funcionário que encaminhou a denúncia aos seus superiores. Inventaram, num momento especial de demência, multas de 150.000 por hora a quem não obedecesse aos decretos do sistema. O ex-ministro Marco Aurélio, até outro dia decano do STF, não teve permissão para dizer que Lula não foi absolvido de nada pela justiça brasileira; o homem é um jurista, mas não pode falar de uma questão puramente jurídica. Em outro momento extraordinário, Moraes proibiu que fossem mostrados vídeos em que ele próprio, Moraes, dizia que o PT fez um governo de ladrões — nos tempos em que não era o protetor de Lula, nem seu servidor. Proibiram uma foto em que Lula aparece com o boné usado por uma facção criminosa no Rio de Janeiro; na hora ele achou que era uma grande ideia, mas no fim os seus advogados decidiram que a coisa estava pegando mal e mandaram o TSE tirar. Uma ministra, para coroar este desfile de aberrações, anunciou em público que estava, muito a contragosto, violando a lei, mas só fazia isso de forma “excepcional” — porque tinham de impedir a reeleição de Bolsonaro e, com isso, salvar a “democracia”. Nunca se viu nada de parecido em nenhum país sério do mundo.
Mas é aí que está, justamente: o consórcio STF-TSE transformou o Brasil, do ponto de vista legal, numa ditadura de republiqueta bananeira em que eleição só é ganha por quem manda. Volta a vigorar, agora, o Brasil da senzala, com os donos do “Estado” no papel de senhores de engenho e com a população escalada de novo para trabalhar, pagar imposto e sustentar a casa-grande. Sabe-se, desde sempre, quem é essa gente. São as múltiplas modalidades de parasitas do Tesouro Nacional — dos que estão diretamente instalados dentro da máquina estatal até os que se servem dela para ganhar a vida sem risco, sem competição e sem trabalho. São as empreiteiras de obras públicas, que governaram o país nos quase 14 anos de Lula-Dilma e agora voltam ao Palácio do Planalto — a turma do “amigo do amigo do meu pai” e você sabe muito bem quem mais. São os eternos donos das estatais, que passaram esses últimos quatro anos longe delas — um desastre que jamais tinham experimentado antes. Foi um período em que as estatais deram lucro; o que poderia haver de pior para quem ganha bilhões com os seus prejuízos, como foi regra na era PT? São, obviamente, os ladrões do erário público — esses mesmos que confessaram livremente os seus crimes na Operação Lava Jato, devolveram fortunas em dinheiro roubado e fizeram do governo Lula, com base em provas materiais, o mais corrupto da história do Brasil. São os advogados criminalistas que defendem corruptos e o crime organizado. É a mídia, que voltará a receber verbas bilionárias em publicidade oficial pagas com dinheiro dos impostos; só a Globo, nos governos do PT, levou R$ 7 bilhões em valores corrigidos.
A vitória da associação Lula-STF é a vitória do Brasil da licença-prêmio, dos aumentos automáticos para o funcionalismo público e dos “penduricalhos” que fazem as castas mais elevadas do judiciário terem salários mensais de R$ 100.000 ou mais, sempre com uma explicação legal para isso. Ganham, com Lula, os 12 milhões de funcionários públicos de todos os níveis — é uma população inteira de eleitores, e a maioria vota no PT, por questões elementares de interesse pessoal. (No governo de Bolsonaro o número de servidores federais foi o menor desde 2011; alguma surpresa que Lula tenha aí um dos seus principais reservatórios de voto?) Ganham o “imposto sindical” e os proprietários de sindicatos, que enriquecem metendo esse dinheiro no próprio bolso. Ganha o “consórcio do Nordeste”, um bloco de governadores formalmente acusado de agir como organização criminosa durante a covid. Ganham os vendedores de navios-sonda para a Petrobras, que não extraíram uma gota de petróleo — mas embolsaram bilhões de reais até, convenientemente, suas empresas irem à falência. Ganham os artistas, ou quem se apresenta como tal, que em vez de público têm verbas do Estado, por força da infame “Lei Rouanet”. Ganha, em suma, o Brasil do antitrabalho — as classes que não admitem o mérito, o esforço e o talento individuais como a base da prosperidade pessoal, do crescimento econômico e da igualdade social. Em vez disso querem “políticas públicas” que sustentem o seu conforto e, como sempre, deixem a pobrada exatamente como está, com umas esmolas e a ficção de que “o governo” morre de preocupação com eles.
Não há, a partir de agora, grandes notícias a esperar na economia. Lula, pelo que ele próprio vem dizendo aos gritos e há meses, é contra tudo o que foi posto em prática por este governo e deu certo — a começar pelo surgimento de estruturas produtivas que abriram a possibilidade de uma economia menos dependente do Estado. Quer mais estatal, mais ministério e mais funcionário público. Acha que desrespeitar o teto legal de gastos do governo é fazer “política social”. Acha que combater a inflação é coisa “de rico”; para ele, pobre precisa de aumento salarial e dinheiro no bolso, mesmo que esse dinheiro não valha nada. Acha que a Argentina é um modelo de administração econômica; só não está dando certo por culpa do capitalismo. Acha que os invasores de terra do MST devem fazer parte do governo — e por aí vai a procissão. Seu passado, em matéria de economia, é um pesadelo em formação. Ele passa o tempo todo dizendo que o Brasil vivia feliz, ninguém era pobre e todo mundo viajava de avião; na vida real, os 14 anos de governo petista deixaram o país com a maior recessão de sua história, inflação à beira do descontrole, taxas inéditas de desemprego, estatais à beira da bancarrota e a falência múltipla dos serviços prestados à população. Também não se pode contar com qualquer melhora no combate ao crime. As taxas de criminalidade ao fim dos governos petistas foram as piores da história; desde que saíram, todos os índices só tiveram melhoras. Qual a surpresa? Lula é contra a polícia; disse, para efeitos práticos, que os policiais não são seres humanos. Tirou foto com o tal boné de bandido numa favela governada pelo crime no Rio de Janeiro. Diz que é um absurdo prender “meninos” que roubam um mero celular — e mais uma porção de coisas do mesmo tipo. Pode-se contar com o pior, também, em matéria de transferência de dinheiro público brasileiro para a “América Latina”. Lula diz, o tempo todo, que os seus grandes modelos de sociedade são Cuba, Venezuela e Nicarágua. Proibiu, via TSE, que se dissesse que ele vive um caso de amor político com essas ditaduras, porque achou que isso não ficava bem na reta final da eleição, mas só provou a sua hipocrisia; é a favor, sim, e quis esconder que era até ser eleito. A partir de janeiro de 2023, esses três, mais Argentina, Chile, Colômbia e Bolívia, terão acesso de novo aos cofres do BNDES, à diretoria da Petrobras e aos US$ 400 bilhões que o Brasil mantém nas suas reservas internacionais. Por que não? Lula, o PT e o seu entorno acham que é bom juntar-se a países que são notórios perdedores; imaginam que vão ficar mais fortes, quando estão apenas somando os problemas dos outros a todos aqueles que o Brasil já tem.
Muito se falou, entre um turno e outro, no crescimento da direita e do “bolsonarismo” dentro do Congresso. As almas mais otimistas têm imaginado até que a nova composição da Câmara, e principalmente do Senado, poderia servir de freio para os desastres anunciados por Lula, pelo PT e pelo que passa por sua “equipe econômica”, sem contar o MST e outros componentes tóxicos. No Senado, em especial, os candidatos de Bolsonaro ficaram com a maioria das vagas em disputa nesta eleição — e isso poderia, quem sabe, abrir uma perspectiva de oposição à ditadura do STF, cujos ministros dependem dos senadores para continuar sentados nas suas cadeiras e nas suas canetas. Impossível não é. Mas também não parece provável, levando-se em conta o que mostra a experiência — deputado e senador brasileiro só fazem oposição de verdade a governo morto, como aconteceu com Dilma Rousseff. O Congresso não manda nada hoje; com Lula na presidência, promete mandar menos ainda. Obedece de olhos fechados, hoje, tudo o que o STF manda; no seu momento mais infame, concordou com a prisão ilegal de um deputado federal, por ordem e vontade de Alexandre Moraes, um caso sem precedentes na história da República. Por que iria enfrentar o STF com Lula, se não enfrenta nem com Bolsonaro?
Se o presidente tivesse ganhado, a história poderia ser diferente — seus senadores assumiriam com o dobro da força política, e os ministros poderiam se ver diante de um perigo real. Com Lula no governo, porém, o STF está com a vida ganha; não deve ser mais o que é hoje, quando manda em tudo, mas a lagosta fica garantida. O fato é que o grande objetivo do STF foi alcançado — tiraram Bolsonaro do Palácio do Planalto, depois de quatro anos inteiros de sabotagem e de oposição declarada a seu governo. Agora os ministros vão trocar o passo; em vez de dar ordens ao presidente, estarão a seu serviço. Foi assim durante toda a caminhada que levou Lula de novo à presidência. Por que ficariam contra, agora que ele ganhou? O Congresso, hoje, pode decidir o que quiser — é o STF quem diz se a decisão vale ou não vale. Vai continuar dizendo — só que, daqui para a frente, os ministros vão querer o que Lula quiser, e só vai valer aquilo que ele decidir que vale.
Lula tem desde já uma explicação pronta para todo e qualquer fracasso do seu governo — será culpa da “herança maldita” de Bolsonaro, assim como já foi com a “herança maldita” que recebeu de seu atual admirador Fernando Henrique Cardoso, como disse na época. É exatamente o contrário, num caso e no outro. Agora, em especial, ele vai receber uma casa em excelente situação — infinitamente melhor que as ruínas que sua sucessora Dilma deixou ao ser deposta da Presidência pelo Congresso Nacional. Mas e daí? Ele estará de volta ao que seu vice definiu como o local do crime. Pode começar tudo de novo.
Por Paula Schmitt para o Poder 360
Porque eu sou de esquerda.
É isso mesmo que você leu: eu vou votar no Bolsonaro não apesar de ser de esquerda, mas exatamente porque sou. Questões que para mim sempre foram sagradas –distribuição de renda, reforma agrária, esgoto, acesso dos pobres à cidadania financeira, redução do poder e lucro dos megabancos, publicidade governamental (ou o uso de dinheiro público para comprar apoio na mídia), legalização da cannabis medicinal, fim da corrupção aparelhada e sistemática, levar água ao Nordeste, homicídios, diminuição de juros, taxação de dividendos– todas essas questões melhoraram no governo de Bolsonaro, e ainda assim ele é alvo da unanimidade mais estapafúrdia entre os tipos mais repulsivos. Eu só vi multidão tão coesa e repelente uma vez antes –no impeachment da Dilma, um jogral bem conduzido do qual eu também desconfiei, e contra o qual me posicionei publicamente.
Já se sabe há tempos que a unanimidade é burra, mas ela só é burra na base que sustenta a pirâmide. No topo, entre as elites, a unanimidade é sempre muito astuta. Eu vou votar contra a chapa Lula-Alckmin porque ela não é apenas uma representante do establishment –ela é a materialização do maior conluio corporatocrata já visto numa campanha política.
A coisa é tão surreal que parece comédia. A elite toda está com Lula, em todos os níveis do Consenso Inc –o cartel não-oficial mas extremamente síncrono entre empresas, mídia, acadêmicos, especialistas, artistas e influencers que se manifestam a favor das mesmas coisas, frequentemente da mesma maneira, às vezes com as mesmas palavras, e sempre ao mesmo tempo, dominando o discurso político e a agenda midiática.
Muitos acreditam que esse é o crap-de-la-crap do establishment esquerdista, mas esse grupo não é de esquerda. E nem The Economist é esquerdista. Apesar do apelido dado por direitistas à revista (The Ecommunist), ela é um dos mais antigos representantes do grande capital.
O que estamos vendo não é esquerda nem direita, mas um aglutinado que conseguiu unir o pior dos 2 lados: de um lado, um capitalismo sem limite que permitiu a poucas empresas ter mais poder do que vários países e exércitos, eliminando a mera possibilidade de concorrência e assim interditando o livre mercado; do outro lado, um estatismo que sustenta esse monopólio e por ele é sustentado e mantido no poder.
A “esquerda” que tomou conta do Brasil é formada por formadores de opinião. Esses espalhadores de dogma, preconceito e condenação moral estão bem abaixo do topo da pirâmide, mas ganham“mucho dinero”, favores e pertencimento para convencer quem está ainda mais abaixo a prestar atenção apenas no que não ameaça quem está acima. Essas celebridades vendem convicção política como quem faz anúncio de presunto, e professam sua preferência com a mesma desfaçatez. Elas só conhecem a favela por clipes de música, e só veem a pobreza quando a gravação do programa é feita no local.
Essa esquerda é como uma fita de Möbius da lógica política, porque ela se faz de pobre por dinheiro. E ela foi sintetizada com perfeição nesse gráfico do TSE em que o jornal Nexo mostra “os maiores doadores das eleições de 2022”. Quem recebeu a maior “doação” dos grandes banqueiros foram PT e PSOL, mas não condeno esses bilionários. Se eu fosse eles, também “doaria” para quem tem mais probabilidade de retribuir a gentileza.
A criação do Pix por si só já seria razão para Bolsonaro merecer o ódio dos banqueiros. Como conta a CNN, só em 2021, o Pix retirou em receita R$ 1,5 bilhão dos maiores bancos do Brasil. Não suponho que esses bancos estejam sofrendo no governo Bolsonaro, mas certamente não ganharam tanto como na piada mais triste da tragicomédia brasileira: aquela em que o então presidente Lula “cancela” a dívida do Brasil com o FMI, e a transfere para bancos nacionais que cobram juros muito mais altos, aumentando nosso débito, em vez de diminuí-lo.
“A dívida que era externa passou a ser interna, com a diferença de que os juros passaram da casa dos 4% para a casa dos 19%”, diz Maria Lucia Fattorelli, economista e ex-auditora da Receita Federal que criou a ONG Auditoria Cidadã e é respeitada o suficiente para ser consultora oficial de governos de países endividados, como o Equador e a Grécia.
Foi fácil “repaginar” essa história para um povo que consome política como publicidade –em spots de no máximo 30 segundos. Em vez de ser reconhecido como alguém que renegociou a dívida do Brasil para cima, Lula virou o anti-imperialista que quitou a dívida com o FMI e libertou o Brasil das amarras dos banqueiros internacionais.
Não foi só o Pix de Bolsonaro que empoderou o pobre. Houve algo ainda mais transformador e sem precedente num dos países com a burocracia mais kafkiana do mundo: da noite para o dia, mais de 11 milhões de pessoas até então invisíveis se tornaram cidadãos com a regularização do seu CPF, feita para que recebessem o auxílio emergencial de R$ 600.
Não tenho esperança nenhuma que a esquerda gourmet entenda como a vida de pessoas pobres ficou infinitamente mais fácil depois que passaram a ter o poder de pagar e receber dinheiro de forma simples. A esquerda capaz de entender isso já morreu, ou trocou seus valores por 30 moedas. Poucos acadêmicos no Brasil têm a coragem –e a abnegação material– de tratar desse assunto, como faz o antropólogo Diogo Oliveira nesta entrevista.
Grande parte dos “intelectuais” é paga para não pensar, não ver, não falar. Mas existem aqueles que se abstêm dessas atividades de graça mesmo, sem qualquer benefício tangível. Por isso os influenciadores da pirâmide do consenso são tão importantes –porque essa minoria faz por dinheiro o que uma maioria vai repetir de graça, sem incentivo nenhum. Essas pessoas obedecem a ditames políticos da mesma forma que escolhem sua roupa –achando lindo o que seus superiores decretam ser bonito.
Em outras palavras, não exijo muito da pessoa que exige ser tratada por “elu” e “todes”. Acho quase impossível que ela consiga entender a magnitude do verdadeiro empoderamento de um zé ninguém que virou alguém ao ter documentos que comprovam sua existência. Claro que o Elu poderia se preocupar com o Zé Ninguém tanto como se preocupa com pronomes, mas isso nunca vai acontecer. Primeiro, porque a Atenção e o Tempo são recursos finitos, limitados –se você olha para um lado, deixa de estar olhando para outro.
Mas existe uma razão que aumenta ainda mais a distância entre Elu e Zé Ninguém: o Zé passou por uma reclassificação obrigatória, e foi compulsoriamente arrancado da categoria de “pobre” (o que lhe conferia alguma empatia), para ser rebaixado à condição de macho branco hétero (o que lhe garante o ódio). Zé é o intocável no novo sistema de castas da esquerda, e se votar para Bolsonaro passa também a ser fascista e ser finalmente eternizado como não-pessoa.
Como pobre, Zé carecia de culpa; como macho, branco e hétero, Zé já nasce com ela. Essa crença é poderosa, e virou uma religião tão tirânica quanto os cultos mais fanáticos. Só que o identitarismo é mais perigoso do que as religiões mais tirânicas, porque ele é uma religião de fato mas não em nome, e assim pode ser implantada por um Estado que deveria ser laico. A separação entre Estado e Igreja é crucial porque o governo –um poder físico, exercido sobre o corpo material– passa a ser uma potência avassaladora quando ultrapassa o mundo tangível e exerce controle sobre valores morais, éticos, filosóficos e espirituais, invadindo os recônditos mais interiores de um ser-humano outrora livre.
Esse fanatismo laico foi adotado no mundo inteiro pela nova esquerda, mas ele é financiado no mundo inteiro pelo velho capital. É fascinante observar como isso não é observado por pessoas que costumavam parecer inteligentes. O ceticismo que lhes estufa o peito é o mais crédulo de todos, porque jamais questiona o que é sancionado pela elite.
Desde adolescente eu já suspeitava que a confissão na Igreja Católica provavelmente existiu para acumular kompromat e ter poder sobre pessoas poderosas. E durante meu mestrado no Oriente Médio, discuti com pessoas de mente aberta a minha teoria de que as 5 orações muçulmanas provavelmente serviram como estratégia militar, assegurando ao invasor o conhecimento antecipado da localização da maioria dos homens da vila ou tribo, em horários específicos e sabendo com exatidão para que lado os adversários estariam voltados.
A religião do identitarismo tem o mesmo propósito de controle, mas não tem nenhum dos benefícios espirituais e metafísicos das crenças que dão alento e paz. Ao contrário. E ela é mais insidiosa porque funciona da forma mais econômica, remota e eficaz: ela comanda o indivíduo por dentro. Esse fanatismo identitário está causando estrago, e foi usado para humilhar duas jornalistas brasileiras, que aceitaram sua punição da forma mais vergonhosa possível: ajoelhando no milho em frente às câmeras e pedindo desculpas por pecar, numa cena reminiscente das sessões de autoenvergonhamento na China maoísta.
Para influenciadores que compram suas preocupações sociais nas melhores lojas, e para os influenciados que aspiram ao mesmo posto, empoderamento é tudo aquilo que não ameaça o poder de nenhum poderoso –mas ameaça de forma velada e permanente todas as outras pessoas. Todo mundo é inimigo de todo mundo, e as letrinhas vão ter razões infinitas para brigar eternamente: L contra G, B contra T e por aí vai até acabar o alfabeto. Isso não é um efeito colateral –o propósito do identitarismo é exatamente esse. Quem estuda história sabe que este é o truque mais antigo para garantir a segurança do rei: manter os súditos brigando entre si. E Lula sempre soube disso, e usou a técnica com primazia atiçando negro contra loiro de olho azul, nordestino contra sulista. Mas o identitarismo tem outras vantagens, e uma delas é enriquecer os mesmos de sempre.
A “pobreza menstrual” é um ótimo exemplo de como o Consenso Inc consegue criar um problema, e depois magicamente oferece uma solução que fortuitamente lhe garante milhões em dinheiro público. Não é por acaso que a compra estatal de absorventes foi defendida de forma tão imediata por “jornalistas”, “especialistas”, celebridades, políticos. Quando o maestro é Mamon, os músicos tocam afinados sem precisar de partitura.
Aqui, no artigo O sangramento coletivo e a pobreza mental, eu mostro como uma jornalista –alguém que deveria estar questionando o poder– cita pesquisa de uma ONG financiada pelos próprios fabricantes de absorventes como evidência de que a pobreza menstrual é um dos maiores problemas do país. Essa pessoa também tenta sugerir que eu sou uma decepção para as mulheres (snif snif) por não apoiar um projeto tão lindo. O identitarismo é assim: ele tem mil e uma utilidades, e o enriquecimento do topo da pirâmide é apenas uma delas.
A esquerda de Lula e a corporatocracia se tornaram inseparáveis no capitalismo de Estado, o sistema que une o pior do capitalismo com o pior do comunismo. Um exemplo que deixa esse esquema bem claro são os remédios que supostamente ajudam a prevenir a Aids, mas são tão ineficazes que obrigam o usuário a continuar se protegendo com camisinha. Parece até coisa de vacina que não previne o contágio, que quanto menos funciona, mais vende.
Veja como a coisa acontece: nos Estados Unidos, suposta “meca do capitalismo” onde “não existe almoço grátis”, nos últimos anos o governo pagou cerca de US$ 2.000 por mês por todo usuário que quisesse tomar o PreP até o fim da vida sexual. Esse remédio –que coincidentemente também não promete evitar o contágio– pode ter tantos efeitos colaterais perigosos que criou uma outra indústria, porque usuários do PreP são obrigados a medir sua creatina e outros marcadores de saúde todos os meses, sem falta, até o fim da vida sexual. Eu falo sobre esse esquema no artigo “A Galinha dos Ovos de Aids”.
Nas palavras do próprio fabricante, o Truvada “pode ajudar a diminuir as chances de se infectar pelo HIV”. É frase para advogado nenhum botar defeito, porque a empresa não faz promessa nenhuma. Um remédio de eficácia tão dúbia só consegue fazer dinheiro desse jeito: sendo comprado no atacado pelo governo, o atravessador que pega o dinheiro de milhões de pagadores de impostos e o transfere para uma minoria bem pequena e amiga.
Por isso que o sociocapitalismo não quer distribuir dinheiro para os pobres –ele quer distribuir serviços, remédios, “vacinas”, absorventes higiênicos. Quando se dá dinheiro direto na mão do pobre, esse capital é redistribuído de forma orgânica, local, ajudando os pequenos negócios na rua do beneficiário, que vai comprar seus produtos na vendinha da esquina, na loja do bairro. Isso é a verdadeira distribuição de renda, e de fato favorece o verdadeiro livre mercado, sem favorecer os amigos do rei.
Mas os líderes da nova esquerda não querem isso. Eles preferem agir como representante comercial, porque assim ganham uma comissão, e em troca ajudam os monopólios que lhes ajudará a continuar no poder numa eterna escada de Escher, onde finalmente é legalizada a união civil de 2 inimigos que vêm dormindo na mesma cama desde sempre.
Eu levei muito tempo para descobrir que as maiores promessas do PT –exatamente aquelas que conquistaram meu voto– não passavam de um sanduíche de mortadela que o partido prometeu sabendo que não tinha nenhuma intenção de cumprir. Notem por exemplo o caso da reforma agrária. Como conta a revista Veja (link para assinantes), Bolsonaro entregou 400 mil títulos de propriedade rural a sem-terras em 4 anos, contra 265 mil títulos em todos os anos dos governos Lula e Dilma.
O desmatamento também foi “maior nos governos FHC e Lula”, segundo este artigo da Veja baseado em dados do Inpe. Mas outras traições de princípios foram particularmente chocantes para mim, como o fato de que foi no governo Lula que a Monsanto foi autorizada –por decreto presidencial– a finalmente entrar no Brasil. Como contou a revista The Economist em 2003, Lula por sorte estava viajando, e “sobrou para o pobre [vice-presidente José] Alencar a desagradável tarefa de assinar um decreto que pela primeira vez permitiu o plantio de culturas geneticamente modificadas no Brasil”.
Antes de eu continuar, permita-me deixar claro que eu não tenho o menor temor em ser odiada por agricultores bolsonaristas por criticar culturas geneticamente modificadas. Para mim, a Monsanto é a empresa mais putrefata da história, mais ainda que a própria Bayer, que a comprou. Full disclosure: eu menciono a Bayer (outrora parte da IG Farben, fabricante do Zyklon B) aqui neste artigo sobre como a empresa exportou para vários países (inclusive o Brasil) plasma sanguíneo que sabia estar contaminado com o HIV. Deixo aqui, para os curiosos, a resposta da Bayer ao meu artigo.
Entendo que o leitor que chegou até aqui talvez queira saber onde me localizo no espectro político para entender melhor meu voto. Mas não sou especialista em rótulos, e nunca tive qualquer compulsão em me definir. Jamais encontrei ideologia, filosofia ou religião com a qual eu concordasse totalmente, e ainda não foi inventado um grupo ao qual eu queira pertencer. Às vezes eu discordo até de mim, mas mesmo nos maiores duelos socráticos com o espelho, nunca fui capaz de me refutar nisso aqui: Mostre-me uma pessoa que concorda 100% com outra, e eu lhe mostro um idiota. Mas se servir de referência, o último teste ideológico que eu fiz (aqueles questionários na internet em que as respostas indicam a inclinação política), fui colocada no quadrante esquerdo da parte inferior: libertária de esquerda.
Sou a favor da legalização da maconha e da diminuição da responsabilidade penal; sou contra a saidinha dos presos e contra a retirada da câmera nos uniformes dos policiais; sou a favor do SUS e contra a obrigatoriedade de injeção de vacina que não imuniza; sou a favor da pena cumulativa (quanto mais crimes, maior a pena), mas sou contra a pena máxima, inclusive a pena de morte (jamais vou aceitar que o Estado tenha o poder de decidir quem morre e quem vive; e jamais vou aceitar que esse Estado –feito de seres-humanos falíveis– tenha o direito supra-humano de condenar de forma irreversível).
Por falar em segurança pública, tenho uma história que nos permite observar o vácuo cerebral necessário para a adoção de uma medida nas prisões com base puramente identitária. É sobre uma vez em que o Marcelo Freixo, do Psol, anunciou nas redes, com a costumeira fanfarronada, que iria acabar com a “revista íntima” das mulheres que visitavam os presos. Para Frouxo, era humilhante que as mulheres tivessem que se despir e agachar para que fosse verificado que não estavam entrando na prisão com celular, drogas ou armas. Freixo deve ter lido meu trabalho de fim de curso contando o que vi nos meus 2 dias no Carandiru. Tem uma passagem sobre a revista íntima.
Pois bem, se essa esquerda fosse inteligente, e praticasse a dialética mais básica, Freixo teria percebido a estupidez mastodôntica da sua ideia e daquele identitarismo performático. Aqui vai o que Freixo deixou passar batido, até eu avisa-lo no Twitter: com o fim da revista íntima, as maiores vítimas dessa ideia apalermada seriam as mulheres dos presos, que passariam a ser obrigadas a entrar com tudo que o presidiário lhe pedisse, já que elas já não teriam a revista íntima como justificativa para não cumprir a missão.
Com um raciocínio digno de um cérebro cimentado de supostas boas intenções, Freixo ia tirar de todas as mulheres a única desculpa aceitável para não entrar com objetos ilegais na prisão e não ser assim, punida pelo parceiro. (P.S meus tweets explicando isso pro Frouxo foram respondidos com um block. Curiosamente, também fui bloqueada exatamente pelo cara que, se isso fosse um filme, seria o irmão gêmeo do Freixo num universo paralelo, Flavio Bolsonaro.)
Voltando ao decreto que permitiu a entrada da Monsanto no Brasil, a própria Economist admite que o Brasil tinha em 2003 uma produção de soja invejável, com ótimas chances de competição no mercado europeu, onde grande parte dos países recusa produtos geneticamente modificados. Essa era uma vantagem da agricultura exportadora brasileira, já que nossos maiores concorrentes eram os EUA, onde “80% da soja é geneticamente modificada, e a Argentina, onde quase toda a produção é”. Agora, infelizmente, não temos mais essa vantagem competitiva.
Aqui a BBC também fala da decepção de ecologistas com a traição do PT em sua promessa de proteger o cultivo de plantas naturais, aquelas que Deus ou a natureza nos deu igualmente a todos, e que agora são patenteadas, propriedades de monopólios privados. Aliás, pausa para um comunicado importante: assistam o filme “Percy vs Goliath”.
Por falar em soja geneticamente modificada, vale lembrar que um dos maiores produtores do mundo, Blairo Maggi, declarou apoio à candidatura de Lula. Eu também apoiaria se tivesse sido levada a Cuba em visita oficial do então presidente do Brasil. E também apoiaria depois daquela liberação do geneticamente modificado. Lembra o que falei do capitalismo de Estado que favorece grandes monopólios e ajuda a eliminar os pequenos da competição? Pois é. Vale ler este artigo da Examesobre a produtiva viagem.
Eu poderia passar horas explicando por que me arrependo de ter votado algumas vezes no Lula e no PT. As razões são muitas. Neste artigo (link para assinantes) para a Folha, por exemplo, o jornalista Rubens Valente conta que o governo do PT “tornou secretos os documentos que tratam de financiamentos do Brasil aos governos de Cuba e Angola”. Nós, que pagamos por esses financiamentos, vamos ter que esperar até 2027 para saber como nosso dinheiro foi gasto.
Aqui, o G1 diz em 2010 que dados oficiais do IBGE mostravam que 65,5 milhões de brasileiros não tinham alimento suficiente, o que correspondia na época a 34,2% da população. Eu até gosto da promessa de picanha com cerveja, mas se o PT não conseguiu garantir nem a comida essencial naquela época, por que garantiria agora, quando vai ter que pagar pelo apoio de tantos inimigos, recompensar tantos conchavos espúrios, premiar antigos adversários pelo recente juramento de amor?
Por falar em inimigos, aqui está mais outra razão pela qual vou votar no Bolsonaro: a associação de Lula com tantas pessoas que o odeiam e são odiadas por ele, gente que lhe chamou de ladrão, criminoso, canalha, bandido. Não tenho como acreditar que uma coalizão com tanto ódio e desprezo mútuo seja algo saudável, produtivo, conducente a um governo eficiente e honesto. Algumas declarações de antigos inimigos do Lula são tão duras e chocantes, que prefiro não imaginar o que causou transformação tão radical. Deixo aqui, em favor de uma história que vem sendo sistematicamente reescrita, editada ou simplesmente apagada, uma coletânea de frasesdo influenciador Felipe Neto sobre seu candidato.
O próprio vice de Lula, Geraldo Alckmin, do PSDB ao qual eu me filiei pelas mãos de Mario Covas, foi chamado pelo PT de “ladrão de merenda”, enquanto Alckmin disse que Lula seria candidato para poder “voltar à cena do crime”. Aqui, no site oficial do Partido dos Trabalhadores , ainda é possível ver o que o PT falava de Alckmin e da “máfia da merenda”. É impossível saber disso tudo e não imaginar que os 2 lados provavelmente sempre tiveram razão, e finalmente deixaram as desavenças de lado para aperfeiçoar suas técnicas e melhorar seus resultados.
A estranha mancomunação entre o “criminoso” e o “ladrão de merenda” é o tipo de problema que se resolve em si mesmo, porque isso é uma verdade auto evidente, um axioma inegável que contém em si a acusação e a admissão, e encerra todas as dúvidas na sua verificação mútua. Não é preciso qualquer elocubração –Lula já foi descrito por Alckmin, e Alckmin já foi definido por Lula, e ambos estão juntos, de mãos dadas, confirmando a veracidade um do outro.
Entre minhas infinitas razões para não votar no Lula, as mais relevantes são também aquelas que não precisam de verificação alguma, porque me foram dadas pelo candidato com suas próprias palavras. Não estou me referindo a quando Lula disse que Pelotas é “polo exportador de viado”, nem quando ele afirmou que a ideia de banheiro unissex “só pode ter saído da cabeça de Satanás”, muito menos quando Lula fez uma lista de coisasque considera fake news e “absurdas”, onde incluiu quem “nasceu mulher e depois virou homem” junto com as afirmações “vaca voa” e “cavalo tem chifre”.
Nada disso me interessa, nem para ser usado contra aquele que eu desprezo. Deixo esse tipo de arjumento para as pessoas de mente mais simplória, que precisam se ater à forma porque não têm profundidade para examinar a substância. Se fosse para competir na seara das palavras, mesmo no que trata de homossexualismo, até nesse quesito meu voto iria para Bolsonaro. Com convicção.
Este vídeo aqui, por exemplo, obliterado da realidade porque desmente a propaganda que hoje se traveste de jornalismo, mostra o “genocida fascista” pedindo permissão para fazer um aparte ao então integrante do Congresso Nacional assumidamente gay, Clodovil. Bolsonaro explica que está fazendo o aparte em sinal de respeito, porque muitos colegas de Clodovil no Congresso se recusariam a debater com ele por “preconceito”. Para Bolsonaro, o homossexual Clodovil merecia sim ser enaltecido por ser “honesto”, e porque sua “pureza se assemelha à de crianças”. Vale a pena ver o vídeo e entender como estamos vivendo numa câmara de privação sensorial construída por um consenso midiático homogêneo e extremamente desonesto.
Preciso terminar este calhamaço, então deixo aqui links que explicam as duas maiores razões para eu nunca mais cometer o erro de votar no Lula, ou no PT. No 1º vídeo, Lula diz: “Você não vai poder ir para lugares públicos”, “você não vai poder estar com gente”, “você não pode visitar parente”, “você não pode receber sua mãe, você não pode receber seu filho, você não pode receber seu neto”. Imagina um capitalismo de Estado em que o governo não só compra com meu dinheiro produtos que eu não preciso usar, mas ainda usa a sua força e a privação da minha liberdade para me obrigar a usá-los. O que aconteceu com “meu corpo, minhas regras?” Ora, o de sempre: isso nunca foi pra valer, era só um slogan. Para essa esquerda, o aborto é sobre o corpo da mulher– mesmo em se tratando de uma 2ª vida, individual, que não escolheu nascer e está ali por causa de quem a fez; mas quando se trata de obrigar uma vacina que não garante a proteção do vacinado nem o impede de contaminar, essa esquerda de obsequiosidade bovina acha que devemos conceder ao Estado o direito de privar nossa liberdade.
Esse povo passivo me dá mais medo do que um povo revolucionário, porque ele aceita coisas que ferem até princípios genuínos, aqueles que eles de fato possuem. Um exemplo é a escravidão. Não conheço uma só pessoa que a defenda, creio que nem no seu íntimo. Ainda assim, um povo inteiro foi feito cúmplice no que é para mim o maior ato de escravidão já cometido em solo brasileiro desde a abolição –o envio pelo governo de Cuba de médicos sob sua tutela e controle, proibidos do livre ir e vir, e tendo que dar a maior parte do seu salário (pago pelo cidadão brasileiro) para a ditadura Cubana, como faria com um cafetão.
A engenharia financeira aí é obviamente negativa para o pagador de imposto brasileiro, mas acima de tudo ela é sórdida. O povo brasileiro pagou um salário alto por cada médico, mas recebeu em troca um médico “que vale menos”, coagido a fazer muito por pouco, e dar a maior parte do seu salário para seu dono, uma ditadura, que por tabela, portanto, passa a ser financiada pelo pagador de impostos brasileiro. Raramente vi uma história tão funesta, e uma imoralidade tão injustificada.
O outro vídeo mostra Lula prometendo que vai regular a mídia, com ameaças ao whatsapp e várias menções ao controle da internet. É fascinante ver essa promessa vinda de quem foi tão eficiente em controlar a mídia com o meu dinheiro, pagando milhões pela parcialidade da imprensa, digo, pela publicidade na imprensa. Veja a diferença gigantesca entre o que Lula e Bolsonaro gastaram (investiram) com a mídia, e entendam como é construído o consenso a favor, e o consenso contra: “De 2000 a 2016, o grupo Globo recebeu R$10,2 bilhões em publicidade federal”. Até ler este artigo, eu não fazia ideia que meus impostos estavam sendo tão cruciais no pagamento dos condomínios daquelas lindas coberturas na Lagoa ocupadas por atores globais. Esse total em 17 anos dá um gasto médio de R$ 600 milhões por ano.
Compare isso com Bolsonaro. Na reportagem em que a revista Veja conta que em 2021 a Globo“voltou a ser a número um em propaganda oficial,”, o governo Bolsonaro pagou à emissora um total de R$ 65 milhões.
Para finalmente terminar, existe uma razão maior, uma causa suprema contra a qual não existe argumento que possa me dissuadir de votar em Bolsonaro. É este aqui: eu só voto em presidente que eu possa criticar.
Boa eleição a todos.
Por J. R. Guzzo para a Revista Oeste
O Brasil caminha para o segundo turno das eleições, aquele que vai decidir quem será o presidente do país nos próximos quatro anos, sob o controle de uma ditadura. É algo inédito na história nacional — uma ditadura exercida não por um ditador com o apoio do Exército, mas pelo Supremo Tribunal Federal, o TSE, sua principal ferramenta nesta eleição, e os fungos que se espalham à sua volta nos palácios de paxá onde se hospedam os “tribunais superiores” de Brasília. O fato de não ter existido uma coisa dessas até agora, naturalmente, não muda em nada sua essência de tumor maligno; é ditadura nova, mas destrói a democracia como qualquer ditadura velha. STF e TSE fazem hoje o que bem entendem com o cidadão brasileiro, sem controle de ninguém — e isso inclui acima de tudo, neste momento, colocar Lula de novo na presidência da República. Está valendo qualquer coisa, aí. Os atuais proprietários da cúpula do Poder Judiciário decidiram que Lula tem de ser declarado vencedor da eleição do dia 30 de outubro, de qualquer jeito. É a única conclusão que aceitam para as atividades de militância política que têm exercido nos últimos anos. Os ministros e as forças que giram em volta deles, na verdade, vêm dando o seu golpe de estado desde 2018 — quando decidiram não aceitar a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais e passaram a destruir as leis para expulsar o seu inimigo da política brasileira. Chegaram, agora, ao momento decisivo do seu projeto.
O último surto de violência da ditadura STF-TSE foi rasgar da forma mais primitiva que se possa imaginar a Constituição Federal do Brasil: censuraram, sem a mínima tentativa de disfarçar o que estavam fazendo, e sem o mínimo apoio em qualquer tipo de lei, o diário Gazeta do Povo, que circula há mais de 100 anos e comete o crime, hoje, de ser um veículo independente, afastado da esquerda, do “consórcio nacional de veículos” e dos seus sonhos de impor ao Brasil a imprensa de um jornal só. A Gazeta publicou no Twitter, como haviam feito outras postagens, notícias sobre a expulsão da rede CNN da Nicarágua, e registrou as maciças ações de repressão feitas pela ditadura local contra a religião e os religiosos. Lula não gostou: vive há anos uma paixão tórrida com o ditador Daniel Ortega, e ficou com medo de que a tirania do companheiro pudesse lhe tirar algum voto no segundo turno, este mesmo que ele diz que já ganhou. Não gostou e correu ao TSE para pedir censura contra a Gazeta do Povo — alguém poderia achar que ele, sendo um admirador tão declarado do ditador, seja também um admirador dos atos da sua ditadura. Foi atendido na hora, é claro, como em tudo o que exige dos ministros do alto judiciário. Tem sido assim desde o primeiro dia da campanha eleitoral; Lula manda, o TSE obedece. Vai ser assim até o último. Isso é democracia ou é ditadura?
Uma coisa é certa: depois que começa um processo de destruição das liberdades, as tiranias nunca devolvem o que tiraram
É da essência das ditaduras fazer coisas exatamente como essa; ao mesmo tempo em que agridem grosseiramente as leis, colocam de pé, peça por peça, um absurdo em estado puro: proibiram a Gazeta do Povo de divulgar fatos absolutamente públicos, no mundo inteiro, e já apresentados em toda a mídia mundial. Como transformar em coisa secreta algo que milhões de pessoas já estão sabendo? É como Dilma com a sua pasta de dente — depois que saiu do tubo, não há como pôr de novo para dentro. Nada mais natural, nesta mesma falsificação desesperada das realidades, do que o delírio judicial de negar o encanto mútuo Lula-Ortega. O ministro que obedeceu à ordem de Lula, neste caso da Nicarágua, sustentou que a publicação das informações e opiniões censuradas podia dar a impressão — imaginem só, “dar a impressão” — que Lula apoiaria o ditador; isso seria “inverídico”. Como assim — “inverídico”? Há vídeos gravados com os elogios de Lula a Ortega. O PT soltou, até mesmo, uma nota oficial de apoio ao tirano e à sua tirania. O que mais o TSE e os seus ministros querem? O fato é que Lula dá as ordens, com uma arrogância que o regime militar nunca chegou a ter, e o TSE obedece — o resto é pura invenção.
É preciso um esforço sobrenatural para se ter confiança na limpeza de uma eleição feita desse jeito — e, de qualquer modo, como se podem esperar eleições democráticas numa ditadura? O STF, a esquerda e o vasto consórcio que vai da mídia aos empreiteiros de obras e aos banqueiros socialistas montaram um embuste para retomar o poder que haviam perdido. Começaram, desde a eleição de 2018, a dizer que Bolsonaro iria “destruir a democracia”; para salvar o Brasil deste horror, então, os ministros do STF passaram a violar de forma sistemática as leis, para perseguir o governo e seus adeptos, e a dar cada vez mais poderes a si próprios. Disso resultou a ditadura que temos hoje aí. Ainda não tem tudo aquilo que uma ditadura precisa, como nas Nicaráguas e Cubas que as supremas cortes colocaram sob sua proteção por determinação de Lula. Mas uma coisa é certa: depois que começa um processo de destruição das liberdades, as tiranias nunca devolvem o que tiraram — ao contrário, vão tirando cada vez mais. Lula, mesmo sem ter o seu precioso “controle social sobre os meios de comunicação”, já pratica a censura agora; proíbe notícias sobre a Nicarágua e é obedecido no ato. E depois que for presidente — por acaso vai de parar de censurar? Vai ouvir democraticamente as críticas e as informações que o desagradam? E os seus parceiros dos tribunais superiores? Eles violam a lei e a Constituição agora. Vão parar de fazer isso depois do dia 30 de outubro? Todos aí — Lula, STF e quem mais está do seu lado — se convenceram, da maneira mais conveniente para eles todos, que para salvar a democracia é preciso destruir a democracia todos os dias. É uma fraude, mas está dando certo — parar por que, então?
A ditadura pode não estar completa, mas já tem o seu currículo de obras. Fazem censura, como no caso da Gazeta do Povo. Pressionam, exatamente pelos mesmos motivos, o programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan. Mandam a polícia às 6 horas da manhã invadir residências e escritórios de cidadãos cujo delito foi conversar entre si num grupo particular de WhatsApp.
“Desmonetizam” quem apoia o governo nas redes sociais, ou fala mal do complexo Lula-PT. Prendem pessoas que não têm ninguém a quem recorrer — só ao próprio STF, o que transforma os seus direitos numa piada. Bloqueiam contas no banco para punir gente de “direita” — ser de “direita” passou, na prática do STF, a configurar infração penal. Prendeu durante nove meses um deputado federal em pleno exercício do mandato — por delito de opinião, o que é proibido de forma absoluta na lei, sem que ele tivesse cometido crime inafiançável e sem que fosse preso em flagrante na prática deste crime. Foi um triplo zero em matéria de legalidade. A ditadura do judiciário, a propósito, ignora até hoje o perdão legal que o deputado recebeu do presidente da República — proibiu a sua candidatura nessas eleições, é claro, e o impede de exercer os seus direitos de cidadão. Por que não poderia acontecer de novo, no minuto que Alexandre Moraes ou outro resolva? Ele tem a polícia debaixo das suas ordens diretas; num país em que as forças armadas têm armas, mas não têm autoridade para fazer nada, é mais do que suficiente para qualquer violência.
No Brasil fica na cadeia quem os ministros STF querem, e por quanto tempo quiserem
Fala-se muito, desde o dia da eleição, em crescimento do número de adeptos do presidente Bolsonaro no Senado — e a ”nova situação” que isso poderia trazer para o STF. Mas o que vale na vida real o mandato de um senador, ou de qualquer parlamentar eleito pela população brasileira? Não vale nada. Alexandre Moraes, ou algum barroso, fachin, etc. que anda por aí pode mandar a Polícia Federal prender qualquer senador, e na hora que lhe der na telha. A PF vai obedecer — hoje ela não cumpre mais as leis do país, cumpre apenas as ordens de Moraes, como numa capatazia de senzala. O presidente do Senado vai perguntar se o Supremo quer mais alguma coisa; querendo é só pedir, Excelência. O infeliz do senador pode ficar trancado numa cela por quanto tempo o STF quiser — até o resto da vida, em tese, pois a vítima não poderá recorrer à justiça para fazer valer seus direitos. Só pode recorrer a quem ordenou a sua prisão. Que tal? É verdade que prisão de senador é coisa que não aconteceu até hoje. Não aconteceu porque não foi preciso. O Senado, o único poder da República que pode tomar medidas para deter o STF, vive de quatro diante dos ministros, que julgam as causas dos escritórios de advocacia ligados aos senadores, sem falar dos enroscos de muitos deles com o Código Penal. Esperar o que disso aí? Nem um abaixo-assinado com 3 milhões de assinaturas pedindo o julgamento de ministros do STF por violação das leis foi aceito pelo presidente do Senado: o que mais seria preciso, para mostrar a vontade da população nesse caso? Quem decide se os pedidos são examinados ou não é o presidente do Senado, e o cidadão que está atualmente nesta cadeira é possivelmente o senador mais obediente do mundo; trata os membros do STF não como pares de um outro poder, mas como senhores a quem deve vassalagem. Ele é um beneficiário direto da ditadura do Judiciário. Por que iria mudar?
O centro da infecção está intacto, e, como em geral acontece nestes casos, a infecção se espalha pelo organismo todo; é difícil haver ditadura de um lado e democracia de outro. O ex-presidente de um partido político de direita, para acrescentar um último exemplo, está preso, em prisão domiciliar. Não existe a mais remota indicação de que possa sair de lá um dia, porque Moraes não quer que ele saia, os outros ministros vão atrás, e acabou a conversa. Em democracia de verdade cadeia é só para quem está condenado legalmente ou aguardando o julgamento, que tem de ser feito dentro de prazos fixados em lei; no Brasil fica na cadeia quem os ministros STF querem, e por quanto tempo quiserem. Dizem que “não é assim”. Mentira; é exatamente assim. Também dizem que estão salvando a democracia com censura à imprensa, polícia na casa das pessoas às 6 da manhã e a autoridade eleitoral posta a serviço de um dos candidatos. É golpe, apenas isso — um golpe que está a caminho de sua conclusão!