Por J.R. Guzzo para a Revista Oeste
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A cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol foi mais um passo em direção ao projeto de poder da frente autoritária liderada pelo PT
O que mais chama a atenção no governo Lula, até agora, não é propriamente a sua ruindade terminal.
Nenhuma surpresa, aí, quando se leva em conta que sempre esteve disponível para qualquer brasileiro de bom senso o conhecimento de que ele iria fazer o pior governo da história do Brasil — pior que o dele mesmo, quando esteve lá durante oito anos, e pior talvez até que o governo da sua criatura Dilma Rousseff
Ele não está na Presidência da República, obviamente, porque a maioria do eleitorado descobriu suas virtudes ocultas, nem porque ficou encantada com a excelência dos seus projetos de governo, mas porque foi colocado lá pelo TSE — nas eleições mais obscuras que o Brasil já teve desde os tempos do “bico de pena”, quando a única coisa que realmente tinha importância era quem contava os votos.
O que não se mediu direito, na contratação dessa calamidade, foi a pressa de Lula e de quase todos os que tem à sua volta em destruir o Brasil como ele é hoje.
Eles estão convencidos de que, tendo chegado lá do jeito que chegaram, têm toda a possibilidade de não sair nunca mais — e para não sair nunca mais terão de mudar o regime. Tem de acabar esse que está aí, com regras básicas de democracia, um sistema econômico capitalista e mais um monte de outros estorvos. Em seu lugar, querem impor alguma coisa que ainda não sabem direito o que é, mas é muito parecida com isso aí que estão fazendo todos os dias — e com Lula na posição de presidente vitalício.
A esquerda, os intelectuais e o Brasil “que pensa” acham um absurdo quando ouvem isso — exagero, dizem, “bolsonarismo”, coisa de direita. Mas não é mais sobre Bolsonaro, e já faz tempo que não é. É sobre a criação de uma ditadura no Brasil, e os exemplos concretos estão aí todos os dias e na frente de todo o mundo.
O último, e um dos mais violentos até agora, foi a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol, promotor-chave na Operação Lava Jato, pela polícia eleitoral de Lula e do PT.
É a prova mais recente de que eleições não são mais um problema para o projeto de ditadura; enquanto existir TSE, a “Justiça Eleitoral” vai funcionar como um serviço de atendimento aos extremistas de esquerda que mandam no governo. A oposição elegeu alguém que incomoda para o Congresso? E daí? o TSE cassa o seu mandato. É o pé de cabra mais utilizado pelas tiranias — a anulação da vontade do povo, expressa nas eleições. Não há, para eles, a possibilidade de perder; não há a hipótese de aceitarem que o cidadão tem o direto da escolha livre com o voto. A cassação de Dallagnol é isso.
O deputado não teve um julgamento, e o seu caso não teve um juiz. A sessão do TSE que cassou o seu mandato durou um minuto — um deboche intencional e vulgar, para mostrar que a ditadura em construção no Brasil não apenas anula qualquer eleição que quiser, mas também faz questão de humilhar quem é levado para a frente de seus pelotões de fuzilamento.
O que é isso — julgamento de um minuto? É justiça de Idi Amin. O juiz também não foi juiz.
O autor da cassação é o mesmo que recebeu tapinhas no rosto de Lula, no festival de comemorações montado em Brasília para saudar os resultados do TSE para as eleições presidenciais de 2022.
É o mesmo, igualmente, que disse para o ministro Alexandre de Moraes, na diplomação de Lula como presidente: “Missão dada, missão cumprida”.
O resto da história é pior ainda. Num país em que o presidente da República tem a ficha mais suja de todos os que já passaram pelo cargo — ninguém, como ele, foi condenado pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro —, Dallagnol foi cassado com base na “Lei da Ficha Limpa”. Pode? Mais: o deputado não foi condenado por crime nenhum. Sua ficha é limpa — mais limpa que a de pelo menos um terço dos deputados e senadores que estão hoje no Congresso Nacional e respondem a processos na Justiça. É tudo uma trapaça primitiva. Quem pediu a cassação não foi o Ministério Público, ou algo assim — foi o PT, por ordem de Lula, que prometeu em público que iria “se vingar” do juiz Sergio Moro e de “toda essa gente”, o que evidentemente inclui Dallagnol.
A desculpa para a cassação foi uma alegação falsa — a de que o deputado teria renunciado ao cargo de promotor para não responder a “procedimento administrativo disciplinar” no MP, conduta vetada pela lei eleitoral.
Não houve isso. Dallagnol não estava respondendo a nenhum “procedimento” quando registrou a sua candidatura. Mas o TSE achou que era “inevitável” que ele viesse a responder no futuro, e que ele agiu de maneira “capciosa” quando renunciou a seu cargo.
Ou seja: ele foi condenado antes de cometer a infração e antes de ser julgado pela Justiça, algo que vai contra todas as decisões anteriores que o próprio TSE já havia tomado.
É tão demente que o TRE do Paraná, a quem o caso foi inicialmente encaminhado, decidiu por unanimidade que a candidatura era 100 por cento legal. Mas o sistema Lula-PT não manda nos TREs dos Estados; levou sua exigência, então, ao TSE, onde o ministro da “missão cumprida” resolveu tudo — em um minuto.
É um escândalo grosseiro. O deputado federal mais votado do Paraná foi cassado por uma assinatura num pedaço de papel, em obediência a uma demanda do governo — um insulto não só aos eleitores do Paraná, mas a todo eleitor brasileiro que tem o direito constitucional de votar nos candidatos da sua escolha. Não foi punido por algo que tenha feito, mas por irregularidades que provavelmente “iriam acontecer” mais adiante — mais uma criação do processo de desmanche da democracia que está em execução no Brasil, como o “flagrante perpétuo”, os julgamentos por “lotes” de réus ou as multas de R$ 1 milhão por hora a quem desagrada ao governo Lula e aos seus sócios no alto Judiciário.
É assim, justamente, que querem matar o Estado de direito e as instituições — com escândalos que, em vez de serem combatidos, são objeto de discussões sobre “engenharia política”, aceitos como parte da “legalidade” imposta pelos STFs e TSEs e tratados como “defesa da democracia” pela maioria da mídia e do Brasil “civilizado”.
A edificação da ditadura no Brasil está acontecendo, passo a passo, por decisões como a cassação do deputado Dallagnol; é um regime que querem construir com decretos-leis, portarias e despachos do STF, TSE e repartições públicas do mesmo tipo.
A democracia, na concepção em vigor no governo, será desmontada com a destruição dos princípios básicos da economia, da sabotagem ao sistema de produção e da anulação do poder do Congresso.
É o que se vê pela supressão de leis que já foram legitimamente aprovadas, como a Lei das Estatais, ou a reforma do ensino, ou a projetada volta do imposto sindical — ou, então, pela imposição de leis que o Congresso não quer aprovar, como é o caso da censura nas redes sociais. É o que se está vendo pelas prisões políticas e pelos inquéritos ilegais que o STF conduz contra inimigos do governo — até agora, em quatro anos de ação e milhares de brasileiros perseguidos, nenhum militante de esquerda, nem um, foi incomodado pelas investigações. É o que se vê pela violação sistemática da lei por parte do alto Judiciário, e pelo rebaixamento do Ministério Público à condição de serviço de atendimento às ordens do governo.
A cassação do deputado Dallagnol é mais um prego no caixão. Para os que têm dúvidas sobre o enterro da democracia que está acontecendo à luz do dia, é instrutivo ouvir o ministro da Justiça, numa reunião com dirigentes das plataformas de comunicação social há cerca de um mês, dizendo que “esse tempo da liberdade de expressão como um valor absoluto, que era uma fraude, acabou, acabou, foi sepultado”. Podia ser uma palestra do chefe da KGB. Falando na “Polícia Federal que eu comando”, ameaçou as redes, disse que vão “arcar com as consequências” pela prática de crimes não especificados e informou que os estatutos internos das redes “não lhe interessam”, e não valem mais nada.
O ministro afirmou que o objetivo da censura às redes sociais é acabar com o “massacre em série de crianças nas nossas escolas” — isso quando a lei que quer aprovar à força na Câmara fala em punir a “desinformação”, as “fake news”, as conclusões “enganosas”, “distorcidas ou fora de contexto”, ou seja, todo um balaio que atinge diretamente a livre expressão do pensamento. Pouco depois, o ministro Alexandre de Moraes proibiu o aplicativo Telegram de publicar sua opinião sobre o projeto de censura em debate na Câmara — e obrigou que publicasse um texto do STF, dizendo o contrário do que dizia a postagem proibida. Que diabo isso tem a ver com massacre de crianças?
O PT e a esquerda brasileira estão convencidos, e dizem isso em público, de que terem aceitado sair do governo, em 2016, depois de terem entrado pela primeira vez no Palácio do Planalto, foi o maior erro de toda a sua história; não deveriam ter topado nunca, e não estão dispostos a topar agora, quando têm o STF, as Forças Armadas e a direção do Congresso a seu serviço. É o seu único objetivo visível. Quem acha que não é bem assim, ou que não é assim, pode responder a um teste fácil.
Esqueça Lula, seu programa de turismo com a mulher através do mundo e a sua convicção de que, se na Venezuela o presidente pode ficar no cargo pelo resto da vida, por que não aqui? Há mais uma multidão que quer ficar lá para sempre. Alguém acha, por exemplo, que o ministro da Justiça e os defensores do comunismo que fazem parte da sua corte estão dispostos a aceitar, mansamente, uma derrota em eleições limpas e voltar à escassez da vida na oposição?
Para acreditar em jogo limpo é preciso acreditar que eles possam dizer algo assim: “Pôxa, que pena, perdemos a eleição… Chato, não? Vamos ter de começar tudo de novo”. Os proprietários do MST vão aceitar, de boa, a devolução das diretorias que ganharam no Incra, ou a ausência de seis ministros de Estado em suas “feiras”? E as viagens ao exterior? E o resto da manada que está ganhando mais de R$ 70 mil por mês em conselhos de estatais e desfrutando das demais maravilhas da máquina estatal?
Essa gente toda está disposta a ficar lá por toda a eternidade, como acontece nos regimes que lhe servem de modelo, e tem os meios materiais para isso — só precisa continuar a fazer o que está fazendo.
O Brasil tem um deserto pela frente. No momento não há oásis à vista.
Alexandre de Moraes soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei
J. R. GUZZO
Onde o ministro Alexandre de Moraes acertou? Ele é hoje, ao mesmo tempo, condutor do Supremo Tribunal Federal, governador-geral do Brasil e único brasileiro que tem o poder de revogar, mudar ou escrever leis por conta própria, sem necessidade alguma de aprovação do Congresso Nacional. É óbvio, à essa altura, que acertou em alguma coisa para chegar ao lugar em que está. Provavelmente, acertou muito, e em muitas coisas — ninguém consegue se tornar o homem mais importante de um país com 200 milhões de habitantes e PIB de quase 2 trilhões de dólares, segundo FMI, cometendo erros, ou mais erros do que acertos. Pode-se “gostar” ou “não gostar” do ministro, como ele próprio comentou em relação à lei que permite o indulto presidencial. Mas o fato é que ele manda e todo mundo obedece, a começar pelo presidente da República — e se mandar mais vão obedecer mais.
Alexandre Moraes, hoje, decide mais que o Congresso Nacional inteiro; decreta, pessoalmente ou através dos outros ministros, que leis aprovadas legitimamente pelos deputados e pelos senadores não valem mais, ou cria as leis que os parlamentares não aprovaram, mas que ele quer — como é o caso, agora, da lei da censura na internet. Vale, sozinho, mais que as três Forças Armadas juntas. Pode fazer, e faz, coisas ilegais. Prende cidadãos. Bloqueia contas bancárias. Viola o sigilo de comunicações. Nega o exercício do direito de defesa. Dá multa de 22 milhões de reais a um partido político de oposição. Proíbe qualquer pessoa ou empresa (qualquer uma; até membros do Congresso) de se manifestar pelas redes sociais. Eliminou as funções do Ministério Público. Enfiou na cadeia um deputado federal na vigência do seu mandato. Indiciou pessoas por conversarem num grupo de WhatsApp. Comanda no momento dois inquéritos ilegais de natureza policial (que podem ser seis, ou até mais; são tantos que ninguém consegue mais fazer a conta exata), nos quais se processa qualquer tipo de crime que o ser humano possa cometer, tudo junto e tudo misturado — do golpe de estado ao passaporte de vacina. Criou, e usa, algo que não existe no direito universal: o “flagrante perpétuo”. Muito bem: um homem assim manda ou não manda mais que todos os outros?
A ascensão de Moraes ao topo da vida pública brasileira não aconteceu pelos meios comuns. Ele não teve uma campanha eleitoral milionária, com “Fundo Partidário”, apoio fechado do TSE e outras vantagens; aliás, não teve um único voto, e nem precisou. O ministro não vem de nenhuma família que vive às custas de suas senzalas políticas. Não é um bilionário como esses banqueiros de investimento “de esquerda” que vivem dando entrevista na televisão. Não precisou de apoio da imprensa, embora tenha se tornado um ídolo para a grande maioria dos jornalistas brasileiros — é tratado hoje como uma espécie de Che Guevara que lidera as “lutas democráticas” neste país. (O que provavelmente deve deixar o ministro achando muita graça.) Sua origem não tem nada a ver com o PT. Moraes foi nomeado para o cargo por Michel Temer, que Lula chama de “golpista” e é visto pela esquerda nacional como portador de alguma doença infecciosa sem cura. O passado político do ministro, ao contrário, o coloca como secretário de Geraldo Alckmin, nos tempos em que ele não usava boné do MST e era uma figura de piada para Lula, os intelectuais e os artistas da Globo.
Apesar de tudo isso, o ministro Moraes está lá. Como foi acontecer um negócio desses? Ou, de novo: onde ele acertou? Acertou em muita coisa, essa é que é a verdade — e a primeira delas é que entendeu melhor do que ninguém a força e a utilidade da coragem num país em que o ecossistema político é habitado majoritariamente por covardes. Moraes é um homem destemido — assume riscos, enfrenta adversidades e não foge da briga. No Brasil de hoje, faz toda a diferença. O segundo ponto a favor é que soube escolher o lado certo da disputa política atual: percebeu, no momento adequado, que é mais rentável ficar a favor do Brasil do atraso, centrado no Sistema Lula, do que a favor do Brasil do progresso. (Imaginem se tivesse ficado com Bolsonaro e feito as coisas que fez — se tivesse, por exemplo, trancado na Papuda 1.500 agentes do MST que invadem fazendas e destroem propriedade pública. Estaria hoje no Tribunal Internacional de Haia, respondendo por crimes contra a humanidade.) Entendeu, também, que as instituições brasileiras são amarradas com barbante — e iriam se desfazer diante do primeiro homem decidido a falar grosso, desde que tivesse apoio da esquerda e vendesse a ideia de que está violando a lei para salvar a “democracia”. Com instituições fortes Moraes simplesmente não seria o que é; sua carreira já teria acabado por decisão do Senado Federal.
Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República
O ministro, igualmente, descobriu que não precisava ter medo de militar — e que isso é uma vantagem decisiva. O regime militar já acabou há quase 40 anos, mas o político brasileiro continua pensando nas Forças Armadas como se elas decidissem alguma coisa — os políticos e as multidões que foram para a frente dos quartéis após as eleições de 2022, na ilusão de que estavam “do mesmo lado”. (O Exército estava, como se viu, do lado da polícia.) Moraes nunca perdeu seu tempo com isso. Foi fazendo o que achou que tinha de ser feito, sem se preocupar com o que poderiam pensar os generais de Exército ou os almirantes de esquadra — e hoje deve estar convencido de que leu acertadamente as coisas. Por que não? Moraes acaba de colocar na cadeia um tenente-coronel da ativa, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, algo expressamente proibido em lei — ele só poderia ter sido preso em flagrante, e não houve flagrante algum. O comandante do Exército não deu um pio. Não se tratava de desafiar o STF, ou quem quer que seja; bastaria dizer que o Exército exige o cumprimento das leis em vigor no Brasil. Ele não vive dizendo que é a favor da “legalidade?” Então: era só cumprir o que diz. Não aconteceu nada.
Outra vantagem para o ministro é a sua capacidade de ignorar a opinião pública. Poucas vezes na história deste país uma autoridade do Estado conseguiu ter uma imagem tão horrível quanto a de Moraes — mas ele não faz nem deixa de fazer nada por causa do que “estão pensando”. O político brasileiro médio passa mal quando se vê fazendo, ou tentando fazer, alguma coisa que pode desagradar o eleitorado — afinal, é dos seus votos que ele vive. O ministro não liga a mínima; não é assim, simplesmente, que ele funciona. Ao contrário, fica mais radical, agressivo e perigoso a cada contrariedade. Ele deixou isso muito claro, entre outros episódios, com sua reação às imensas manifestações de rua do ano passado, e de antes, a favor de Bolsonaro — a quem escolheu como seu inimigo número 1. Em vez de se assustar com aquelas multidões todas, resolveu meter as multidões na cadeia. Deu certo, afinal: a 8 de janeiro ele conseguiu prender 1.500 pessoas de uma vez só, como “exemplo”, e de lá para cá ninguém mais pensou em acampar na frente de quartel. Para o ministro Moraes gente na rua é uma turbina sem potência — faz barulho, mas não tira o avião da pista. Tem dado certo até agora, do seu ponto de vista: está mandando mais, hoje, do que em qualquer outro momento da sua carreira.
Moraes, enfim, tem demonstrado que sabe fazer política do lado que ganha — é o contrário de Augusto Matraga, e isso quer dizer um mundo de vantagens para quem tem ambições de subir na vida pública. No momento mais indicado, soube trocar a direita “autoritária”, onde nasceu, pela esquerda que seria levada ao poder no movimento mais poderoso que já se viu até hoje na política brasileira: a guerra de extermínio contra a Lava Jato e o enfrentamento à corrupção. Passou para o lado da confederação anti-Lava Jato que levou Lula ao poder e, aí, soube assumir o papel de astro do filme — entre outras coisas, como presidente do TSE, foi quem realmente colocou o chefe do PT na Presidência da República. É certo, também, que manda mais do que ele. Vivem os dois, hoje, num contrato de assistência mútua. Moraes dá proteção a Lula, defende os interesses do seu sistema e garante a segurança do universo lulista — para ficar num exemplo só, não incomodou, em quatro anos com os seus inquéritos policiais, um único simpatizante da esquerda. Quer dizer que ninguém do PT, para não falar do próprio Lula, divulgou uma fake news, nem umazinha, nesse tempo todo? É puro Moraes. Em compensação, nem Lula, nem a esquerda e nem ninguém do governo está autorizado a incomodar o ministro no que quer que seja. É a harmonia entre os Poderes.
Como em relação aos militares e à opinião pública, o medo que Alexandre de Moraes tem de Lula é de três vezes zero. Ele sabe, de um lado, que Lula não tem peito para encará-lo, e de outro, que está mais interessado em hotéis com diárias de 37.000 reais, discursos idiotas e o “liberou geral” para o assalto à máquina pública. Também não se assusta com a esquerda, o MST e os Boulos da vida. Sabe que todos têm pavor de bala de borracha; imagine-se então de bala de verdade. Suas preocupações com a Câmara e o Senado são equivalentes — ou seja, absolutamente nulas. O resumo de toda essa opera é o seguinte: o ministro soube construir uma situação em que não tem rivais, não tem freios e não tem controles, e na qual está livre para governar o Brasil segundo o que acha que está “certo”, e não segundo o que diz a lei. Moraes se arriscou muito; poderia perfeitamente ter perdido, várias vezes, a começar pelo dia em que encarou Jair Bolsonaro. Mas o fato é que levou todas, e hoje é isso que todos estão vendo — só não manda naquilo em que não quer mandar. Nada poderia representar tão bem essa situação quanto sua última erupção de onipotência. Proibiu o aplicativo de mensagens Telegram de publicar sua opinião sobre a lei de censura que o governo Lula e ele próprio querem impor ao Brasil — e o obrigou a publicar a opinião dele, Moraes. Desde quando alguém neste país está proibido de dizer o que pensa sobre um projeto em debate no Congresso Nacional? E desde quando alguém é obrigado a dizer o contrário do que pensa? Desde Alexandre de Moraes. O caso Telegram é mais uma prova de que no Brasil de hoje não existe mais lei. O que existe é o ministro Moraes — e, para piorar, o resto do STF.
Por Eduardo Cunha para Poder 360
Governo põe em risco votação do arcabouço fiscal ao tentar impor projeto de regulação das mídias à falsa base no Congresso, escreve Eduardo Cunha
Em 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados, presidida por mim, autorizava a abertura do processo de impeachment de Dilma. Apesar da forte tentativa de impedir o processo, com distribuição de cargos, emendas e tudo quanto fosse possível, foram 367 votos favoráveis e 137 contrários. Isso, depois de quase 16 meses do 2º mandato de Dilma.
Se voltarmos um pouco mais, na minha eleição à presidência da Câmara, com só 1 mês do início do Dilma 2, eu tive 267 votos contra 136 votos do candidato petista apoiado pelo governo. À época houve uma forte campanha contra mim e tentando eleger, de qualquer forma, meu oponente.
Os 267 votos que recebi somados ao do candidato, também de oposição ao governo, que ficou em 3º lugar com 100 votos, resultam nos 367 votos favoráveis à abertura do processo de impeachment. Por que estou tratando disso? Porque o Lula 3 está muito parecido com o Dilma 2.
Na 4ª feira (3.mai.2023), ocorreu a primeira votação simples para contestação a atos do governo. A Câmara dos Deputados votou um PDL (Processo de Decreto Legislativo) que visava a suspender trechos de decretos absurdos feitos por Lula para alterar o marco do saneamento, sem submeter a proposta ao Congresso. Lula levou a primeira e simbólica derrota do seu governo.
A surpresa não é só a derrota, mas o placar. O governo teve só 136 votos –número semelhante às votações mais importantes do Dilma 2. Ou seja, o Lula 3, como eu já havia falado, está mais parecido com o Dilma 2 do que com qualquer momento do Lula 1 ou Lula 2.
Em resumo, a base do governo na Câmara é tãofake quanto era com Dilma em seu 2º mandato. O resultado sinaliza que o PT (Partido dos Trabalhadores) não aprendeu com as experiências passadas e continua a praticar os mesmos erros que acabaram no impeachment de Dilma.
Certamente nesse momento não tem qualquer petista desempregado ou sem alguma “boquinha” no governo. Ao mesmo tempo, seus aliados estão observando e mostrando que eles podem ficar à vontade com os seus cargos e “boquinhas”, mas os votos no Congresso não levarão. Aliás, a aversão às privatizações pelo atual governo se dá muito mais pela preservação de “boquinhas” para ocupação política do que restrições ideológicas.
Já havíamos alertado aqui que não adiantava distribuir ministérios, pois se tornam também um poder fake. Debaixo da cadeira dos ministros existe mais que a poeira do assoalho. Vocês encontrarão petistas para todos os lados. No fundo, vai ficar da seguinte forma: o governo finge que dá espaço e os deputados dos partidos fingem que estão na base do governo. Finge daí que a gente finge daqui.
Os deputados ficam a semana inteira esperando ter algo para votar contra o governo, mas só na semana passada tiveram a primeira oportunidade. Como provou-se na 4ª feira (3.mai), o presidente da Câmara tem evitado pautar o que pode derrotar o governo.
No cerne da questão, todos sabemos que o governo quer formar uma base no Congresso à revelia dos presidentes da Câmara e do Senado. Porém, como não entregam o que prometem e nem nunca vão entregar, essa tarefa parece árdua, para não dizer quase impossível. Essa sempre foi a forma como tentaram governar e o resultado é previsível: acabar como Dilma acabou. Ainda mais em um cenário em que assistimos a um governo velho não só nas práticas, mas também por não saber se adaptar as realidades atuais. Logo, uma reforma ministerial está mais perto do se pensa. É quase inevitável, entretanto, talvez ainda corra o risco de fracassar de novo.
É certo que a derrota dessa semana poderia ter sido maior, caso efetivamente fosse votado o tal PL 2.630, falsamente denominado nesse momento de PL das fake news. Não seria espantoso se o governo não tivesse muito mais do que os seus 136 votos padrão. Apesar da urgência ter sido aprovada, ela só se deu em função da atuação do presidente da Câmara.
Nesse ponto, é preciso discutir realmente um pouco do conteúdo desse projeto, oriundo do Senado. Fruto de um momento em que a desinformação estava no debate, logo depois das eleições de 2018, no meio da pandemia de covid-19 e perto das eleições de 2020, originalmente a proposta buscava o combate as fake news.
Se fosse levado para votação na Câmara o texto do Senado, talvez com pequenas e pontuais alterações, certamente teria passado com relativa facilidade. Contudo, quando esse texto chegou à Câmara, o então presidente, Rodrigo Maia, escolheu como relator um aliado participante de um lado da polarização, quando essa polarização estava se acentuando ainda mais.
Em 2020, Rodrigo Maia deixou a Presidência e em 2021, Arthur Lira assumiu o comando da Casa. Por questões de ética e respeito, no que ele estava correto, preferiu manter a relatoria nas mãos do deputado escolhido por seu antecessor. Apesar de ser um bom deputado, tem contaminado a discussão por sua posição política e ideológica. Cabe ressaltar que esse relator nem titular do mandato é, pois não se elegeu em 2022 e ocupa o mandato como suplente.
No meio desse processo, o então governo editou uma Medida Provisória, a MP 1.068 de 2021, em um dia complicado, as vésperas do conturbado 7 de setembro de 2021. Para a data, estava anunciado um conflito entre o chefe do Executivo e o STF. A situação atenuou-se depois, mas causou muita instabilidade naquele momento.
O presidente do Congresso, resolveu devolver a MP ao governo sem tramitação. Jogou fora uma oportunidade de tratar o tema com celeridade para apresentar uma solução real aos problemas.
A MP alterava o chamado Marco Civil da internet, Lei 12.965 de 2014, com boas propostas –que certamente seriam aprimoradas e modificadas pelo Congresso. O Legislativo ainda poderia incluir o PL das fake news nessa MP, que já teria virado lei, ainda em 2021. A briga política, com a polarização bem mais acentuada naquele momento e com o relator participante da polarização, levou a perda dessa oportunidade. Esse foi o maior erro.
Além disso, com a vitória de Lula, o governo achou que poderia controlar a agenda do Congresso na sua pauta ideológica. Outro grande erro, que também foi cometido no governo Dilma. O problema é que Lula ainda compreendeu que não foi ele quem ganhou a eleição e nem a pauta do seu partido. Foi Bolsonaro quem perdeu o pleito. Isso tanto é verdade que, no Congresso, a maioria não comunga e nem vai comungar das pautas de esquerda. Tais como regulação dos meios de comunicação e outras que ainda vão tentar impor e sofrerão fragorosas derrotas.
Se alguém for pesquisar, verificará que os grandes embates que levaram a consolidação da deterioração da base do Dilma 2 na Câmara foram os debates ideológicos. Pautas como a redução da maioridade penal e a terceirização da mão de obra, que o PT perdeu na Câmara ainda no meu mandato como presidente da Casa. Destas que citei, a redução da maioridade penal está parada no Senado e a terceirização virou, depois, a reforma trabalhista aprovada no governo Temer e contestada por Lula até hoje.
Voltando às fake news, não existe a menor dúvida que todos querem aprovar algo que tente impedir essa disseminação, assim como todos querem impor limites ao acesso das crianças a violência produzida por alguns nas redes sociais. Quando foi apresentado, discutido e votado o chamado Marco Civil da Internet, eu fui um dos que participaram ativamente da discussão. Contestei vários pontos e impedi a votação em alguns momentos. Mas, depois, como tudo deve ser no Congresso, por meio do diálogo, chegou-se a um consenso com o governo de Dilma 1 e o texto final foi votado e aceito.
À época, o PT brigou muito por esse projeto, que tinha como principal argumento a busca da neutralidade da rede, colocada no inciso 4 do artigo 3º da Lei 12.965 de 2014. O grande interessado naquele momento era o Grupo Globo, sob o argumento de que a neutralidade era fundamental para a sobrevivência dos produtores de conteúdo e para que tivessem a igualdade de propagação dos seus conteúdos. A neutralidade era também uma forma de garantia, de igual acesso de todos a internet. O conceito era absolutamente justo e acabou aprovado.
Ocorre que agora, durante a tramitação do PL 2.630 de 2020, o Grupo Globo novamente tornou-se o protagonista da defesa de interesse. A diferença é que dessa vez busca a remuneração da divulgação dos seus conteúdos, remetidos a regulamentação do próprio governo. Ou seja, em vez da disputa comercial normal, já feita por outros produtores de conteúdo, a Globo procura ter uma lei para obrigar as plataformas a pagarem o que ela quer, podendo usar o governo para buscar esse valor.
O contexto é engraçado, pois a Globo necessita dessa divulgação nas redes. Mas além de atender a essa necessidade, ela quer receber o que entende justo para isso. Poderia apenas impedir a divulgação caso não tenha as suas condições comerciais aceitas, mas hoje ela precisa mais da divulgação do que da receita. Como quer na marra os 2, precisa da lei.
O PL 2.630 se transformou em um palco de uma disputa comercial. Colocam-se obrigações exageradas às plataformas, como pagar pela utilização dos conteúdos, visando a aumentar os seus custos. Discute-se até mesmo os direitos autorais dos artistas envolvidos em conteúdos divulgados. No fundo, buscam a fuga dessas plataformas do país por absoluta inviabilidade de continuarem a funcionar. Todos sabem o quanto as plataformas abocanharam do mercado publicitário, sangrando os meios de comunicação, notadamente o Grupo Globo. Cadê o combate às fake news aí?
O Marco Civil da Internet tem parâmetros fundamentais nos seus artigos 18 e 19. No artigo 18 diz que: “O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”. Enquanto no artigo 19, palco de uma ação que será decidida pelo STF, determina: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências específicas para , no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
É evidente que esse artigo pode ser melhorado, como por exemplo dar prazo célere para decisão judicial e permitir, mediante provocação de qualquer usuário, tornar indisponível provisoriamente o conteúdo, até o prazo previsto para a decisão judicial. Agora, querer responsabilizar civilmente as plataformas por anúncios patrocinados, equivaleria a responsabilizar os veículos de mídia, por eventualmente veicularem anúncios de produtos que não atenderam a finalidade anunciada. Alguém imagina responsabilizar alguma TV por anunciar um remédio que não curou, ou um apartamento que não foi entregue?
Com relação ao problema da violência nas escolas, o PL 2.630 traz só 2 artigos sobre o tema. Dentre os 60 da proposta, apenas artigos 39 e 40 tratam do assunto e são tão inofensivos quanto as crianças que podem ser vítimas da violência. Por que não uma norma rígida de acesso e controle, limitando inclusive a idade de acesso ou determinar autorização dos pais para isso? Se são tão valentes para defender os interesses da Globo, não podem ser ao menos mais valentes para defesa das nossas crianças?
Poderiam, por exemplo, combater os perfis falsos criados na internet, que são usados para propagarem fake news e prejudicarem a imagem de muitos –estas contas divulgam informações como se fossem usados pelas vítimas. Cadê o combate aos golpes do pix feitos via Whatsapp por hackeamento de perfis? Isso são coisas que interessam as pessoas e não ao debate político.
No dia que se marcou a votação do PL, criou-se uma polêmica de uma suposta intervenção das big techs que visaria a influenciar na decisão dos deputados sobre o projeto. Ora, as big techs são empresas privadas, podem emitir as opiniões que quiserem.
Alguém questionou a campanha da Globo a favor dos seus interesses no projeto? Ninguém é obrigado a usar o Google, assim como não é obrigado a assistir a Globo, usa e vê quem quiser. A Globo aliás, já foi o “Google” das TVs. À época, inclusive, em apoio a ditadura militar, manipulou e muito a opinião pública, sem qualquer consequência disso.
Será que a matéria enorme em horário nobre, no programa Fantástico de domingo (30.abr.2023), não foi uma propaganda disfarçada e enganosa sobre o projeto? Será que os absurdos praticados pela plataforma denominada Discord, veiculados pela Globo, tem algo a ver com o projeto? A resposta é que nada tem a ver, pois o texto do projeto abarca só as plataformas com mais de 10 milhões de usuários, o que não é o caso dessa. Ainda assim, alguém propôs alguma reclamação por propagação de fake news contra a Globo? Óbvio que não.
Se quando veiculasse a Globo ao menos alertasse que isso não estava coberto pelo projeto e deveria se buscar uma forma para cobrir, talvez até tivesse o nosso aplauso, mas não foi isso que ocorreu.
O resumo é que o PL 2.630, longe de combater as fake news, se restringe muito mais a tomar parte em uma guerra comercial, do que proteger a sociedade. Não entro nem na questão ideológica e na polarização que está e vai continuar a ocorrer pelo tema, mas a forma mais eficiente de se tentar chegar a um consenso que possa ser votado, seria a troca do relator, por alguém de perfil mais de fora dessa polarização. Bastaria isso, para que o consenso rapidamente aparecesse.
Além disso, não existe qualquer garantia de que o Senado irá acompanhar a Câmara na totalidade dos acordos que podem ser realizados. Como casa iniciadora do projeto, o Senado será também a casa da última palavra. Com essa prerrogativa, pode simplesmente rejeitar parte ou a totalidade do texto aprovado pela Câmara. Entretanto, ninguém correrá esse risco, sem que o Senado concorde com o acordo que possa ser feito.
O governo já tem uma agenda pautada no Congresso, importante para a governabilidade, que é o arcabouço fiscal. Este, diferente do PL 2.630, depende de maioria absoluta de 257 votos cuja aprovação –quase o dobro da real base do governo.
Se for contaminado pela discussão ideológica, esse arcabouço será derrotado. A vingança dos derrotados nessa disputa do PL 2.630 será descontar na votação mais importante que o governo terá pela frente. Pelo tamanho real da sua base, já será de difícil aprovação.
Em síntese, o governo está pondo em risco uma importante votação sem considerar que está brigando por um projeto fake e tentando impô-lo a uma base fake. No fundo, a verdadeira fake news é a base de um governo fake old.
Informações Poder 360
Por Josias de Souza para o UOL
Foto: Alan dos Santos/ PR
Preso numa unidade militar de Brasília desde quarta-feira, o coronel Mauro Cid enviou uma mensagem para Bolsonaro abaixo da linha d’água. Valendo-se de intermediários, mandou dizer que não cogita incriminá-lo no caso da falsificação de cartões de vacina. Cercado pelas evidências recolhidas pela Polícia Federal, o ex-ajudante de ordens pretende assumir sozinho a responsabilidade por tudo o que as provas colecionadas pela Polícia Federal tornarem irrefutável.
A lealdade de Mauro Cid orna com o enredo construído pela vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo. Mas destoa da percepção do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Braço direito de Augusto Aras, Lindôra sustentou em manifestação ao Supremo que, de acordo com o que viu no processo, Mauro Cid teria “arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência” de Bolsonaro.
Ao deferir o pedido da Polícia Federal para realizar uma batida de busca e apreensão na casa de Bolsonaro, Alexandre de Moraes anotou que “não é crível” a versão segundo a qual o ajudante de ordens pudesse ter comandado operação criminosa destinada a beneficiar Bolsonaro e a filha dele sem “no mínimo conhecimento e aquiescência” do chefe. Os cartões falsos foram baixados em endereços IP do Planalto.
Diante da disposição de Mauro Cid de matar a encrenca no peito, ganha especial relevância o conjunto de evidências que a PF será capaz de reunir em relação à participação de Bolsonaro. De resto, consolida-se a impressão de que a expressão “eu não sabia” passará à história como uma frase-lema do Brasil pós-ditadura. Será lembrada quando, no futuro, quiserem recordar a época em que o país era regido pelo cinismo.
Lula recorreu ao “eu não sabia” no escândalo do mensalão do PT. O tucano Eduardo Azeredo repetiu a frase no processo do mensalão do PSDB. Agora, Bolsonaro recorre ao mesmo subterfúgio. Usada assim, tão desavergonhadamente, a expressão já virou uma espécie de código. Quando ela aparece, já se sabe que o país está diante de mais um desses escândalos que, de tão escancarados, intimam o brasileiro a reagir, nem que seja com uma cara de nojo. Mas há sempre quem se disponha a conceder aos encrencados um deixa-pra-lá preventivo que transforma culpados e cúmplices notórios em cegos atoleimados.
Informações UOL
Já se sabia, e agora está confirmado: o governo não controla a Câmara dos Deputados
(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 3 de maio de 2023)
O governo Lula e a esquerda radical que controla o seu governo acabam de sofrer uma derrota maciça na Câmara dos Deputados — a maior, possivelmente, de todas as que já tiveram. O cidadão médio não está sendo informado disso. Para a maioria dos analistas, especialistas e jornalistas que pensam em bloco, e sempre do mesmo lado, aconteceu mais uma obra de “engenharia política”, de “habilidade” e de “realismo” do gênio do presidente Lula e de seu servidor-mor na Câmara, o deputado Artur Lira. Imaginem só: iam perder uma votação essencial, e na última hora conseguiram evitar a derrota deixando de entrar em campo. Genial, não é? Só que não é assim. O governo perdeu: queria, e jogou tudo nisso, impor ao Brasil a lei da censura – e não conseguiu o que estavam querendo. O nome disso é derrota. Já se sabia, e agora está confirmado: o governo Lula não controla a Câmara dos Deputados. Gastou fortunas, nos últimos quatro meses, comprando apoios. Mas não conseguiu criar uma maioria obediente e eficaz para aprovar tudo aquilo que o governo exige que se aprove.
Em circunstâncias normais de temperatura e pressão, Lula e o seu Sistema iriam procurar alguma mudança de rota. Levaram um susto com a rejeição do projeto de censura por parte da opinião pública; deveriam, em consequência, pensar de novo no seu objetivo e negociar maneiras de obter a aprovação, no futuro, de algo na mesma linha. Mas as condições de temperatura e pressão não são normais no Brasil de hoje. O governo, em parceria plena com o Supremo Tribunal Federal, quer um novo regime para o Brasil: deixou, na prática, de trabalhar com a hipótese de que vai sair do poder um dia, e está construindo um estado policial neste país. A divergência está proibida; pode até ser crime. As prisões se enchem, dia após dia, e os que são jogados lá não têm a proteção da lei e da justiça. Qualquer repartição pública, controlada pelo PT ou por extremistas de esquerda, pode impor multas alucinadas e sabotar setores inteiros da economia.
Por conta disso, a reação à derrota na Câmara dos Deputados foi um surto de repressão que o Brasil não vê desde os tempos da ditadura militar. A censura pode não vir pela lei que o governo queria, mas vai continuar sendo aplicada pelo STF, sem possibilidade de recurso a nada e a ninguém. O Ministério da Justiça, que pela lei não tem o direito de julgar absolutamente nada, mandou o Google tirar de circulação um texto com críticas ao projeto da censura e obrigou a colocar outro, a favor. Um assessor do ex-presidente Bolsonaro foi preso; seus advogados receberão o mesmo tratamento de todos os que estão defendendo presos políticos, ou seja, não serão atendidos em nada e o seu cliente vai ficar na cadeia por quanto tempo o STF quiser. (Neste momento não estão soltando ninguém, mesmo doentes em estado grave.) O próprio ex-presidente sofreu uma operação de “busca e apreensão” da Polícia Federal, que funciona cada vez mais como uma KGB do governo e do STF; estavam atrás do seu cartão de vacina e dos cartões de familiares, como se tomar ou não tomar vacina fosse uma questão de polícia – ou da Suprema Corte do país. Não vão parar por aí.
Informações Revista Oeste
Já não me lembro se se chamava Manuela ou Maria a minha professora de datilografia numa escola pública na pequena cidade de Castelo Branco, em Portugal, na década de 90. Dominava uma máquina de escrever como uma instrumentista. Mas perdeu o emprego poucos anos mais tarde quando a disciplina saiu do currículo de ensino.
Quando a cadeira de dactylographia foi introduzida em Portugal, em 1847, prometia-se aos alunos que estariam “habilitados para a vida comercial e exercendo honrosos e lucrativos cargos no continente, ilhas, África e Brasil”. A verdade durou cerca de 150 anos.
Serão os jornalistas as novas Manuelas ou Marias? Quem solicitar hoje a um algoritmo de aprendizado profundo como o ChatGPT que escreva sobre a apresentação no tribunal do ex-presidente Trump, no dia 4 de abril, poderá receber, em poucos segundos, todo o tipo de texto (mais opinativo, mais analítico, apenas factual), com nuances e expressões idiomáticas em diferentes línguas. A qualidade, sinceramente, não é inferior à dos artigos sobre o mesmo tema produzidos por seres humanos para a imprensa brasileira.
Há duas perspectivas sobre esse fenômeno. A primeira salienta, com razão, que a inteligência artificial (IA) utiliza uma base de dados preexistente e, por isso, é um agregador de informação, não um criador. Para escrever sobre Trump, o ChatGPT apoiou-se (sem respeitar direitos de autor) em milhares ou milhões de notícias publicadas sobre o tema. Ou seja, a IA depende da existência prévia de jornalistas que criem o conteúdo. Também se argumenta que a IA poderá ser uma ferramenta de assistência ao jornalista, facilitando a contextualização, ajudando-o a escrever mais rapidamente, simplificando o alinhamento de textos a manuais de Redação, tentando encontrar novos ângulos para tratar uma reportagem.
Despertamos para a IA com o ChatGPT em 2023, mas já em 2018 a Forbes tinha lançado o Bertie, uma plataforma de IA que aprende o estilo de escrita dos jornalistas, identifica os tópicos sobre os quais normalmente escrevem e fornece sugestões para melhorar a qualidade de uma notícia (estilo, conteúdo, dados, fotos) ou recomenda tópicos de tendências em tempo real para cobrir.
O ChatGPT concorda com essa perspectiva minimalista da transformação. Diz ele que “a IA é atualmente mais adequada para tarefas repetitivas e padronizadas, enquanto o jornalismo envolve habilidades humanas como o pensamento crítico, a investigação, a análise de dados, a entrevista, a contextualização e a tomada de decisões éticas”. A Manuela ou Maria sobreviveriam à virose da inteligência artificial.
A segunda perspectiva já preparou o seu funeral.
A tendência a curto prazo é que a inteligência artificial possa analisar e interpretar imagens e vídeos, entender o significado de áudios e escrever textos originais. As máquinas não sentem. Mas disporão de ilimitados recursos para coletar, avaliar e produzir informações, sem intervenção humana. Serão capazes de entrevistar em tempo real e de detectar incongruências ou novidades na informação emitida pelo entrevistado. Poderão também ser as máquinas a dar, literalmente, a cara pelo conteúdo que produzem.
Já em 2018, a agência de notícias chinesa Xinhua apresentou o seu primeiro âncora de TV criado por IA, uma espécie de William Bonner algorítmico que pode comandar telejornais por dias seguidos, sempre atualizado. Os jornalistas humanos, como produtores e apresentadores de conteúdo (hard news), serão como aparelhos de fax, internet discada, telefone fixo ou máquina de escrever.
Mas não será o fim do jornalismo. Renascerá em pelo menos duas dimensões.
A primeira é a da checagem. O jornalista será aquele que apura, confronta e compara informações originalmente produzidas por IA. Um gatekeeper. O ponto de partida poderão ser as atuais agências de apuração de dados, criadas para verificar a credibilidade de discursos políticos ou a veracidade de informações que circulam nas redes sociais. Desde o surgimento, em 2003, da primeira plataforma de checagem de informações, o FactCheck.org, emergiram no Brasil cerca de uma dezena de projetos semelhantes, incluindo o Mentirômetro, desta Folha.
No Brasil, a revista piauí também tem uma coordenação de checagem que apura meticulosamente todas as informações produzidas pelos próprios autores, um trabalho que vai muito além da edição de texto.
Já em 1913, o americano Ralph Pulitzer foi o primeiro a criar, no seu jornal, o extinto New York World, uma equipe interna de verificação de dados para garantir a fidedignidade das informações prestadas ao público. A verificação de informações não é uma atividade menor do jornalismo, mas um dos seus fundamentos.
Outra dimensão é a do jornalismo investigativo, aquele que pressupõe bastidores, análise lacaniana do significado e significante de cada palavra sussurrada, acesso a fontes de informação confiáveis e interpretação cognitiva de informações não públicas. Para celebrar o seu centenário, a Folha destacou 100 grandes “furos” de reportagem. Quase nenhum poderia ter sido dado por uma ferramenta de IA.
As redações emagrecerão e haverá redução significativa de custos, mas talvez a IA tenha o efeito secundário de estimular o jornalismo a voltar à sua missão primordial de apuração crítica da verdade.
Hoje muitos jornalistas, principalmente os mais jovens, fazem um trabalho industrializado e escassamente remunerado, guiados mais pela estatística de impacto do que pelo pensamento crítico.
O futuro do jornalismo talvez implique um retorno ao ofício de artesão, o de criar objetos por meio da transformação da matéria-prima usando as mãos, a inteligência e a sensibilidade como os principais instrumentos de trabalho.
*Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017
Rodrigo Tavares* – Folha – 5.abr.2023
Por Madeleine Lacsko para o UOL
Enquanto a sociedade e as famílias brigam por Lula e Bolsonaro, os políticos aliados deles se unem em torno de interesses comuns. Que fique bem claro, interesses dos políticos, não do Brasil.
Uma reportagem de Rainier Bragon na Folha de S. Paulo mostra em primeira mão a PEC 9/2023, que pretende reformar outra PEC, de 2022. Logo no primeiro artigo, ela proíbe qualquer punição a irregularidades na aplicação do Fundo Eleitoral até a promulgação da PEC.
Trocando em miúdos, a PEC teria de passar no Congresso, ser aprovada e promulgada para entrar em vigor. A partir desse momento, todas as irregularidades que existem e estão na Justiça simplesmente seriam desmanchadas no ar.
Entre elas, a destinação obrigatória do fundo partidário a candidaturas de mulheres e negros. Existe um percentual mínimo que, por lei, deve ser destinado exclusivamente a essas candidaturas. E aqui falamos de dinheiro público, que vem do contribuinte.
Há quem concorde com essas cotas e há quem não concorde. Mas foi o próprio Congresso Nacional, os políticos eleitos pelos partidos, que decidiram criar essas cotas. Agora eles próprios não cumprem e estão sujeitos às sanções que eles próprios criaram.
Diante dessa realidade, simplesmente somem todas as diferenças que os próprios políticos dizem ao eleitores ser irreconciliáveis. Na Câmara, deputados bolsonaristas e lulistas estão unidos em busca de uma anistia aos seus partidos.
Também existem outras sanções que seriam anistiadas. Da mesma forma, todas elas foram criadas e aprovadas pelos políticos que agora querem se livrar do ônus.
O primeiro ponto que chama a atenção é a união de bolsonaristas e lulistas em torno do tema. São forças políticas que, durante as duas últimas eleições, se comportaram como se fossem absolutamente opostas. Essa movimentação política se fundiu a um fenômeno de polarização tóxica que está esgarçando completamente o tecido social.
Segundo o V-Dem, observatório de democracia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, polarização tóxica não é polarização política, um fenômeno comum. Trata-se de outra coisa, a desconfiança moral sobre os eleitores de outra tendência política. Cada grupo crê que o outro é a representação do mal. Mais grave ainda, cada grupo crê que é intrinsecamente bom e, por isso, encontra desculpas para as próprias ações de intolerância e violência.
Para além disso, o Congresso Nacional está pagando o preço da espetacularização legislativa. Não fazemos leis pensando em ciência e eficiência, mas em boa vontade e boas intenções. A moralização de quinta categoria domina o debate público e é uma fonte inesgotável de marketing gratuito para políticos.
Foi assim a decisão pelo fim do financiamento de campanhas por empresas. Sem que houvesse qualquer elemento concreto, foi assegurado à população que a medida conteria a corrupção. Acabou? Pois é.
A necessidade de incluir mulheres e negros na política também foi tratada da mesma forma. Existem diversas medidas estruturais para diversificar a realidade dos partidos e da representação política. Optaram pela canetada e apenas pela canetada, instituir cotas de candidaturas e destinação dos fundos públicos de campanha para elas.
É uma oportunidade de ouro para o discurso de mocinho e bandido. Uns dizem que os defensores das cotas irão resolver a desigualdade que não se supera assim. Outros farão o discurso de defesa do mérito pessoal, mesmo sabendo que isso não tem nada a ver com a navegação nas nossas estruturas partidárias.
São necessárias medidas para que o ambiente político deixe de ser tão violento especialmente para mulheres, mas não são tão simples nem rendem tanto marketing. É necessário implementar outras medidas para que negros tenham voz nas estruturas partidárias dominadas por caciques, mas é algo tão complexo que também não rende boa publicidade.
O ideal seria que o Congresso Nacional tivesse a coragem de atacar os problemas já conhecidos das estruturas partidárias e desigualdade. Tudo indica que continuaremos na mesma toada, decidindo com casuísmo e anistiando quando não dá certo.
Informações UOL
Desde o primeiro minuto, o PT lançou-se numa guerra aberta contra a produção, a iniciativa privada e o capitalismo em geral
O ministro da Fazenda acaba de dizer que o Banco Central (BC) “também tem de ajudar o governo”. Está errado, e essa é mais uma das razões pelas quais nada de relevante deu certo até agora nos primeiros três meses do governo Lula; a ideia geral da coisa está fundamentalmente errada. O BC não está aí para “ajudar o governo”. Sua função é cuidar do valor da moeda nacional, tentando que esse valor seja amanhã mais ou menos o que é hoje; não serve ao governo, e sim ao cidadão, principalmente o mais pobre. Este não costuma ter reservas; vai simplesmente à ruína se o pouco dinheiro que tem no bolso chega ao fim do mês valendo muito menos do que começo.
Todo o governo Lula e o PT estão obcecados com o BC — além de Bolsonaro e do senador Sergio Moro. Percebem, irritadíssimos, que a economia, o governo e o país vão mal — mas é claro que se negam terminantemente a entender que esse desastre em formação é resultado único e exclusivo da má qualidade patológica da equipe de ministros que Lula armou à sua volta, e da militância primitiva de suas posições econômicas. Sem consertar isso, e aí é trabalho de carpintaria pesada, não vão resolver nada, nunca. Mas quem é que diz que Lula quer resolver alguma coisa com racionalidade? Ele acha muito mais fácil, como sempre, fugir do seu fracasso escolhendo um culpado a quem possa atacar com o mínimo de risco e com o máximo de demagogia. No caso, escolheu o BC. Desde o primeiro dia, é culpado por tudo o que está acontecendo de ruim no Brasil por causa da incompetência terminal do presidente da República.
Informações Revista Oeste
Em 17 de fevereiro de 1958, em Sierra Maestra, o camponês Eutimio Guerra foi julgado e condenado à morte por Ernesto Che Guevara. Ele havia se unido à guerrilha que combatia o governo cubano, atuando como guia, mas teria colaborado com o exército do presidente Fulgencio Batista. As evidências contra ele eram tão fracas que ninguém queria executar a sentença. Guevara então pegou uma pistola calibre .32 e disparou contra a têmpora do cubano de 37 anos.
Este é o primeiro caso documentado de assassinato a sangue frio liderado por Che. Centenas de outros se seguiriam. Quando a revolução fora vitoriosa e os guerrilheiros se instalaram em Havana, em 1959, o argentino, que dizia ter abandonado a vida confortável de classe média para lutar pelos mais pobres, conduziu fuzilamentos diários ao longo de meses. No posto de juiz chefe do Tribunal Revolucionário, agiu dentro da fortaleza La Cabaña, uma antiga fortaleza espanhola transformada em prisão. O fosso em torno das instalações ficou lotado de cadáveres. As famílias autorizadas a visitar detentos eram conduzidas diante do paredão ensanguentado onde aconteciam os fuzilamentos.
Foi em La Cabaña que Jesús Carrera Zayas, de 27 anos, tombou em 11 de março de 1961. Deixou uma viúva de 20 anos e uma filha de seis meses. Zayas era comandante do exército rebelde. Após a vitória, passou a se opor a uma série de decisões de Che. Acabou detido, acusado de trair os companheiros. Seu assassinato foi conduzido por Fernando Flores Ibarra, mais conhecido pelo apelido “Charco de Sangre” (algo como “poça de sangue”). Uma escola enviou crianças para assistir à execução. Elas eram encorajadas a gritar: “Morte ao verme!”. “Foi Che quem determinou a morte de Zayas. Ele presenciou a execução”, relata, no livro Che Guevara’s Forgotten Victims, María C. Werlau, diretora executiva do Free Society Project, uma organização que atua a partir de Washington para denunciar crimes contra a humanidade cometidos em Cuba. O livro é referência quando se trata dos crimes de Che. Relata as histórias de vítimas como Angel Maria Clausell García, Demetrio Clausell González, Fidel Díaz Merquías, Cornelio Rojas Fernández e José Castaño Quevedo. “Ernesto Guevara é o maior símbolo do ‘revolucionário chique’, um ícone da cultura de massa. Ironicamente, a maior parte de seus devotos sabe muito pouco, ou mesmo nada, sobre ele”, argumenta Werlau em seu texto. “Na Sierra Maestra, por exemplo, ele se mostrou um verdadeiro serial killer”.
Em La Cabaña, ela prossegue, “durante os julgamentos, regras básicas da jurisprudência foram ignoradas e as acusações do promotor eram consideradas provas irrefutáveis. Cuba, que até então não tinha pena de morte, viu Che Guevara conduzir uma máquina de matar. Ele insistia com seus subordinados: ‘Não atrasem os procedimentos. Esta é uma revolução. Não usem métodos legais burgueses; a evidência é secundária’”.
Com relação aos assassinatos, o próprio Che admitiu, em 1964, diante da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas: “É claro que executamos! E continuaremos executando enquanto for necessário”. Em 1957, durante as atividades da guerrilha, escreveu para o pai: “Hoje descobri que realmente gosto de matar”.
Mitos e lendas
De fato, quase toda a trajetória de Che é marcada por versões distorcidas da realidade. Não há, por exemplo, provas de que ele tenha de fato terminado a faculdade de medicina em Buenos Aires. “Ele concluiu os ensinos num tempo mais curto do que seria possível, e a Universidade de Buenos Aires alega que não tem mais os documentos da época”, escreve Fernando Díaz Villanueva em Vida y mentira de Ernesto “Che” Guevara. “Não havia tempo hábil entre o período em que ele retomou os estudos e as exigências da instituição de ensino para os estudantes de medicina, que incluíam um período obrigatório de prática”.
Talvez por isso, não conseguiu empregos como médico em diferentes países por onde passou em meados da década de 1950, incluindo Colômbia e Peru, num momento em que ele sonhava em chegar aos Estados Unidos para fazer dinheiro. Ele tampouco participou ativamente da defesa do governo de esquerda na Guatemala, como se diria posteriormente – na época, enquanto o presidente Jacobo Árbenz Guzmán renunciava e tinha início uma ditadura militar, ele se escondeu na embaixada argentina, enquanto sua noiva a economista peruana Hilda Gadea Acosta, que o sustentava, era presa. Aliás, depender financeiramente de Hilda não representava um constrangimento para o revolucionário, que poucas vezes na vida trabalhou em emprego fixo. Quando o fez, foi sempre por pouco tempo.
Mesmo como presidente do Banco Central e ministro da Indústria, em Cuba, Che era conhecido por aparecer perto do meio-dia, com roupas militares, lançar as botas sobre a mesa e acompanhar, entediado, os relatórios de seus funcionários, economistas que tentavam, sem sucesso, explicar ao líder os fundamentos mais básicos da rotina do trabalho. Guevara dizia que, caso os técnicos o desagradassem, poderia colocar camponeses para exercer a mesma função. A reforma agrária que ele liderou, assim como o esforço de industrialização do país, tiveram resultados catastróficos. Ele era mais eficiente em gerenciar assassinatos. E em escrever e ditar artigos e panfletos, se deixar fotografar e criar comendas e honrarias para si mesmo.
Campo de reeducação
Entediado, Che deixou Cuba em 1965, em busca de incentivar guerras e revoluções em outros países, especialmente Congo e Bolívia, onde seria preso e executado em 9 de outubro de 1967. Seu interesse maior estava em liderar homens armados. “Precisamos seguir o exemplo perene da guerrilha. O ódio é um elemento básico da luta. Devemos alimentar um ódio sem fim em relação ao inimigo, que nos impele a abandonar quaisquer limitações naturais para nos tornarmos máquinas de matar eficientes e violentas”, ele escreveu, em 1967.
A violência não abria espaço algum para a democracia. Em 1959, ele já tinha declarado: “Precisamos eliminar todos os jornais. Não se faz revolução com imprensa livre, porque os jornais são instrumentos da oligarquia”. Em 1961, fundara na península de Guanahacabibes, no extremo oeste de Cuba, o primeiro campo de trabalho para “reabilitação” para cidadãos considerados transgressores. Entre as punições previstas por Che estavam: beber, apresentar sinais de preguiça, tocar música alta, praticar uma religião ou demonstrar sinais de homossexualidade – o líder era obcecado em perseguir gays.
Ainda assim, a imagem que insiste em permanecer, inclusive nos cinemas, é a do motociclista aventureiro, do revolucionário romântico que se tornou um símbolo sexual e um exemplo de comprometimento com a humanidade. O fato de que ele se instalou em uma das maiores mansões de Havana, com piscina, salão de massagens e cais para iates, não costuma aparecer nos filmes. Nem o fato de que ele promoveu queimas de livros e ajudou a construir a polícia secreta cubana, aos moldes da Stasi da Alemanha Oriental.
Como resume Villanueva: “Che é um quase médico que se especializou em matar. Um comunista que queria fazer fortuna nos Estados Unidos. Um inimigo da propriedade privada que tomava mansões para si. Um defensor dos trabalhadores que quase nunca trabalhou. Um humanista desumano”.
*Reprodução: Terra Brasil Notícias
Por Eduardo Cunha
Governo apresenta medidas inócuas para combater deficit público, mas objetivo virá pela enrolação, escreve Eduardo Cunha
O início do Lula 3, que já foi assunto de artigos anteriores, mistura uma porção de práticas que, já constatamos, não deram certo em passado recente.
A única diferença mais visível foi abrir mão de disputar –e possivelmente perder– a eleição das mesas do Congresso. O maior eleitor na disputa pelo comando das duas Casas parece ter sido fantasma da derrota para mim em 2015. Até hoje não entenderam que minha candidatura na época, apoiada pela maioria, nunca foi contra o governo e sim contra a predominância do PT.
No mais, continua a prática de ceder em quase nada de espaço para os aliados –e, em contrapartida, eles fingem que estão na base congressual do governo. Isso cria aberrações, e elas certamente terão de ser corrigidas, ao cabo das primeiras derrotas nas votações mais simples que já estão programadas para ocorrerem. Muitos petistas mantêm espaços no governo, mas estão só esquentando o lugar para quem efetivamente pode ajudar a entregar algum voto no Congresso.
Sob a ótica da comunicação, Lula se confunde com o próprio carisma, sem reconhecer o envelhecimento dos seus métodos. A comunicação digital já substituiu os seus meios antigos. Ouvindo expoentes políticos, constata-se que Lula, de modo geral, está em modo analógico, enquanto o mundo está em digital.
Lula insiste também na velha retórica de que o mundo não podia existir sem ele e o PT. Sempre o velho discurso: herança maldita etc.
Também continua insistindo que o impeachment do governo do PT foi golpe, quando na realidade foi um golpe de sorte do país ter se livrado deles naquele momento. Assim como a sua nova eleição agora foi um golpe de azar do país, por sermos obrigados a viver novamente sob o jugo do PT.
No campo da comunicação, as pessoas que Lula colocou para comandar esse espaço não estão em sintonia com o mundo real de hoje. A tendência é, no tempo, ele perder essa guerra da comunicação, se não alterar os seus métodos analógicos ultrapassados pelo tempo.
Exemplo: Lula nitidamente optou por escolher para o seu governo a aproximação dos chamados “analistas de poltrona”, os comentaristas da GloboNews. Eles têm audiência inferior a uma pequena rádio de uma capital, não superando 200 mil pessoas.
Além da audiência ser pequena, a qualificação dela já não é mais a mesma. Hoje outros canais de notícias atuam melhor e com informação muito mais isenta do que as Organizações Globo sempre fizeram. Levantamento recente do Poder360 comprovou essa preferência.
Já tive a oportunidade de falar que um dos grandes méritos de Bolsonaro –e uma das razões da aversão da mídia a ele– foi a retirada da intermediação da mídia tradicional na comunicação dele e do seu governo. A Globo, assim como os demais veículos de imprensa, passaram todo o tempo do seu governo tendo de acompanhar as suas publicações em redes sociais, lives e declarações à porta do Alvorada para saber o que seria de seu governo e suas atitudes.
Isso, evidentemente, era perda de poder de informação da mídia. Por isso, passaram a atacar Bolsonaro cotidianamente.
Com seus velhos métodos de comunicação, Lula resolveu ceder imediatamente esse poder, voltando à velha fórmula de usar a mídia tradicional para se comunicar. Hoje, reserva o principal para a Globo e seus veículos, deixando uns pingos de informação para os demais veículos, a conta gotas.
É mais ou menos como a distribuição dos cargos do governo. A Globo domina as notícias, assim como o PT domina os cargos. Os outros ficam com algumas migalhas.
Esse quase monopólio da informação, assim como nos cargos, obviamente, não terá o efeito desejado, ainda mais com a reduzida audiência. Lula se esquece que a boa informação divulgada tem de atingir o objetivo da boa comunicação e não ser mercadoria política.
Também há desprezo pela comunicação digital. Bolsonaro já provou que ela faz toda a diferença. Ninguém resistiria a tanta campanha negativa se não tivesse uma forma eficiente de se comunicar; Lula não resistiria como Bolsonaro resistiu à campanha da mídia –embora essa campanha tenha, ao fim, derrotado Bolsonaro nas eleições.
Entretanto, a mídia não foi tão vitoriosa assim. A pequena diferença de votos mostra isso. O acirramento da polarização e a grande rejeição da sociedade ao governo Lula criaram na parte derrotada nas eleições um sentimento de que a campanha midiática prejudicou Bolsonaro e distorceu o processo eleitoral.
Vejam só: para surpresa de quase ninguém, Lula já se declarou candidato à reeleição, apesar de ter passado a campanha negando isso.
Não é só na política e na comunicação que Lula continua a errar. Também continua usando a malandragem para superar as dificuldades na economia e conter o deficit já previsto para esse anodepois do estouro do teto de gastos com a aprovação da PEC Fura-teto –ou PEC dos Manés, como eu sempre disse.
Sem qualquer iniciativa real que tenha um efetivo resultado imediato nas contas públicas em 2023, Lula usa a malandragem política para tentar, no fim do ano, apresentar um resultado positivo de redução do deficit. Isso porque a divulgação do resultado das contas do último ano de Bolsonaro traz pela 1ª vez depois do tsunami do último governo do PT, derrubado pelo impeachment, um superavit fiscal: R$ 54 bilhões. E mesmo com o pagamento do Auxílio Brasil em R$ 600.
Mesmo com todas as desonerações feitas por Bolsonaro, incluindo a dos combustíveis, a arrecadação federal bateu em 2022 um patamar recorde, que dificilmente será superado pelo governo Lula, mesmo com aumento de impostos.
O problema é que, ao final desse ano, o resultado que Lula acabar mostrando será muito mais pela omissão e incompetência do seu governo do que por algum ato que aumente a receita ou reduza gastos.
Para começar, as medidas propostas pelo seu ministro da Fazenda são absolutamente inócuas. Resumem-se a uma leve recomposição de alíquotas diminuídas para o ano de 2023 por Bolsonaro e à constatação de que o Orçamento pode ter errado a previsão de receita real a ser arrecadada no ano, talvez pela inflação maior do que a projetada ou pela desoneração.
Além disso, veio um programa de “Litígio Zero”, de difícil realização, ou a mera reprodução de tentativa de arrecadação à vista. A Lei 13.988 de 2020, a Lei das Transações, programa estabelecido por Bolsonaro, já prevê essa mesma arrecadação, só que a prazo.
No meio disso, introduziu uma bandeira corporativa da Receita Federal de trazer de volta o voto de qualidade do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscal), visando a julgar novamente teses já definidas a favor dos cidadãos. Mesmo que isso tenha sucesso, não significará que todos vão correr para pagar o que efetivamente não devem. Podem recorrer ao Judiciário para derrubar essa tentativa de extorsão do Fisco.
O próprio secretário da Receita Federal, ao defender a medida, já admitiu essa real intenção. Conseguindo-se ou não fazer valer essa pauta corporativa da Receita Federal, isso não renderá um centavo a mais no caixa do Tesouro esse ano.
Se quiséssemos ter alguma seriedade em discutir a relação da Receita Federal com os pagadores de impostos, deveríamos encontrar uma maneira de obrigar o Fisco a pagar os honorários advocatícios de quem vencer as causas no Judiciário, para acabar com e emissão de autos de infração, somente de cunho político, para fingirem que tem dinheiro a receber dos contribuintes, tentarem legalizar teses sem respaldo na legislação tributária e ainda tentarem aumentar os ganhos dos auditores fiscais, com bônus de eficiência inexistente.
Só um leigo ou ingênuo, vai acreditar que o governo vai reverter um deficit de mais de R$ 230 bilhões com essas medidas.
E como acho que ao menos a maior parte desse deficit poderá ser revertida nesse ano? Simples: por absoluta malandragem, traduzida pela omissão e incompetência do governo.
Aí você me faz a pergunta: não é melhor um governo omisso e incompetente, mas que reduza o deficit, em vez de um governo que não seja nada disso, mas que produza o deficit maior?
Minha resposta: depende do que você quer para o seu país.
Eis a malandragem política: Lula está conduzindo o governo para que as suas promessas de campanha não sejam cumpridas, ao menos na totalidade ou no tempo devido.
Ele pediu e obteve autorização do Congresso para gastar o que prometeu na campanha. Não o fará. Seja porque está enrolando, seja porque não terá competência para fazê-lo.
Vamos a elas:
Lula simplesmente aceitou o salário mínimo de R$ 1.302, determinado em legislação anterior à aprovação do Orçamento pelo Congresso. Está enrolando para não colocar em vigor o valor atualizado. Simula reuniões com sindicatos para discussão do salário mínimo e sinaliza que só a partir de maio corrigiria o salário para os R$ 1.320, ganhando 4 meses com R$ 18 a menos. Com isso, economiza bastante no deficit em função do benefício mínimo da Previdência, que tem de ser corrigido quando se corrige o salário mínimo.
A despesa não será desse tamanho porque o governo está recadastrando os beneficiários. Deve retirar os beneficiários unifamiliares, além de colocar metas de contrapartida, que não serão atingidos por todos os cadastrados. Também podem diminuir o número alegando erros ou fraudes –existentes ou não.
Aliás, o ministro da área já disse que há irregularidades em 2,5 milhões de cadastros, cerca de 25% dos que já foram analisados. Eles já representam R$ 1,5 bilhão ao mês.
O certo é que não realizarão a despesa prevista no Orçamento, mesmo que finjam aumentar o número com novos beneficiários. Na realidade, o número final será uma redução.
Lula está enrolando e não fará a correção da tabela, que anunciou na campanha, como isenção para quem ganhasse até R$ 5.000.
Bolsonaro havia prometido até mais, só que ele teve a prerrogativa de propor o Orçamento prevendo as receitas, tendo provavelmente previsto isso na sua proposta orçamentária, daí a possível queda das receitas para 2023.
Como Lula não fará a correção integral prometida da tabela, a receita vai aumentar, diminuindo o deficit previsto e ainda sinalizando uma falsa eficiência arrecadatória, que vão tentar atribuir às medidas inócuas propostas por Haddad.
Lula inclusive soltou a pérola, em reunião com sindicatos, de que estava discutindo com os economistas do PT a diminuição do imposto dos pobres e aumento do imposto dos ricos.
Tudo isso é eufemismo político para não cumprir as suas promessas de campanha ou ao menos adiá-las, até porque reduzir imposto tem efeito imediato, mas aumentar imposto tem o princípio da anualidade e da noventena, o que não permitiria a adoção simultânea.
Lembrando ainda que Lula, na campanha, não disse que para corrigir a tabela, precisaria aumentar imposto de quem quer que seja. Ao que parece ele vai restringir a isenção no ano para quem ganhar até 2 salários mínimos, se esquecendo que dificilmente o Congresso não irá lhe impor uma derrota, mesmo com cargos e tudo distribuído, o obrigando a isentar a tabela até R$ 5.000. Ele não terá condições políticas de vetar essa correção. Só conseguirá ganhar algum tempo, provavelmente uns 6 meses.
Parando por aqui, em função apenas do que foi relatado, desprezando outras variáveis, é óbvio que o deficit de 2023 jamais chegará aos R$ 230 bilhões. Contando com alguma sorte de aumento de receitas por algum componente econômico ainda não previsto, é possível chegar perto do deficit zero. No máximo, o déficit será de 2 dígitos de bilhão, jamais de 3 dígitos.
A malandragem do Lula, a sua omissão de fingir que não é com ele o tempo de cumprimento das suas promessas e a incompetência natural da pesada máquina estatal –agravada pelo retorno do petismo, ávido por gastar e ao mesmo tempo incompetente para fazê-lo– ainda vão produzir uma série de entrevistas ufanistas no fim do ano. Estas, de preferência, serão concedidas às Organizações Globo para os analistas de poltrona de pouquíssima audiência, afirmandi que Lula deu a volta por cima e reduziu drasticamente o deficit público, apesar das condições desfavoráveis, da herança maldita e do fato que pegou o governo tendo de enfrentar os atos antidemocráticos em uma tentativa de golpe, que –alegarão– prejudicou em muito as expectativas da economia.
Isso sem contar a já anunciada retomada de financiamento a juros subsidiados, pelo BNDES, para os países companheiros de esquerda, falidos. Vão provocar não só o aumento do custo da nossa dívida pelo subsídio, como também uma provável perda pelo previsível calote, já costumeiro nas operações anteriores, feitas pelos governos do PT no passado.
A verborragia de Lula já chegou à autonomia do Banco Central, com críticas a atual taxa de juros da Selic e à privatização da Eletrobras.
Lula se esquece que as suas falas e o próprio deficit previsto para o ano pressionam a taxa de juros, assim como a necessidade real de financiar a rolagem da dívida pública. Todos sabem que a taxa Selic tem componentes técnicos, que derivam da inflação associada ao prêmio do risco Brasil, ou ainda à taxa de juros americana, associada à expectativa cambial.
É falsa a expectativa que a taxa Selic, que serve somente para financiar a dívida pública, é fator de custo para impedir o crescimento.
Quem consegue empréstimo em algum banco à taxa Selic? Se conseguirem, me avisem. Eu adoraria pegar empréstimos atrelados à Selic de hoje.
Só compra o PT quem ainda não o conhece ou tem memória curta. Lula precisa começar a trabalhar de verdade. Eles são os mesmos de sempre, hoje até piores. Com os mesmos métodos, malandragens e outras coisas que já cansamos de ver por aqui.
No mais, você já pode comprar a pipoca e sentar na poltrona para conferir o que se passará, quem sabe pela GloboNews. Eu vou preferir um streaming –é o melhor que você pode fazer, se acreditar no que escrevo.
Informações Poder 360