(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de junho de 2024)
Está rolando desde julho de 2021, sob a direção do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito policial das “Milícias Digitais” — tido pelo alto Judiciário nacional como essencial para o “enfrentamento” das articulações que, na sua opinião, querem destruir a democracia no Brasil. Deveria ter acabado em 90 dias, pelo que estabelecem as leis penais em vigor no país; continua aberto depois de três anos inteiros e acaba de ser prorrogado pela décima-primeira vez pelo ministro. Não se sabe da existência de nada parecido no mundo civilizado; aparentemente é coisa do Direito de Cuba, ou algo do mesmo bioma, onde a ditadura abriu um inquérito contra os “inimigos do Estado” 63 anos atrás, em 1959, e não fechou mais até hoje.
A investigação sobre as “milícias digitais” faz parte do “novo normal” criado pelo STF no sistema de justiça do Brasil — é o inquérito eterno, primo-irmão do flagrante perpétuo, da prisão preventiva por tempo indeterminado e outras novidades da doutrina jurídica do ministro Moraes. Também não chama mais a atenção o fato de que, após três anos de caçada implacável pelo STF, Polícia Federal e o resto da máquina estatal, não se conseguiu condenar legalmente ninguém — é natural, levando-se em conta que não existe na lei brasileira o crime de “milícia digital”. O interessante é que, para esse tipo de delito, foi abolido o princípio universal de que a lei é igual para todos, e todos são iguais perante a lei. É o nosso “avanço civilizatório”.
“O plano de trabalho é exatamente o mesmo das ‘milícias digitais’ que o STF, a PGR e a PF perseguem há anos”J. R. Guzzo
Os fatos são claros. Os repórteres Vinicius Valfré e Tácio Lorran, em reportagens publicadas no Estado de S. Paulo, revelaram com nomes, datas, lugares, números e tudo o mais que se requer de um trabalho jornalístico, o funcionamento de uma milícia digital completa dentro do Palácio do Planalto. As operações são executadas por uma espécie de “coletivo” que envolve a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, o PT, o Instituto Lula, empresas que vendem serviços de imagem na internet e “influenciadores” que falam bem do governo e mal dos inimigos nas redes sociais. O plano de trabalho é exatamente o mesmo das “milícias digitais” que o STF, a PGR e a PF perseguem há anos: tráfico de fake news, de “desinformação”, de mentiras e do “discurso do ódio”, para ficar no grosso. Dizem, por exemplo, que Bolsonaro morreu, que Michelle se separou dele etc.; é esse o nível.
O interesse despertado por tudo isso em Moraes, Ministério Público e polícia esteve até agora entre o zero e o duplo zero — se é do governo Lula, não é milícia. A Secom, do seu lado, está perfeitamente tranquila. Decidiu gastar mais R$ 200 milhões nas redes sociais em 2024.
Informações Revista Oeste