Por: Taiguara Fernandes de Sousa
“Vamos: o que podemos fazer para ter meu lockdown? Esses merdinhas estão muito desobedientes. Precisam voltar ao controle”.
Uma mesa de técnicos começou a expor os dados e a falar sobre como o costume nocivo de as pessoas comerem sem máscaras aumentou o contágio.
“Absurdo. Tem que comer de máscara”, disse o governador.
Trouxeram uma listinha de atividades. Bastava marcar um “x” para proibir.
“É, precisamos mostrar que somos duros… Fizemos vista grossa no Carnaval, eles já tiveram a putaria… É hora de acabar com essas férias! Que tal os restaurantes?”
Agora não. Os donos fariam barulho e as pessoas estavam gostando. Precisavam de mais um medinho antes disso.
“Tudo bem, tudo bem. Indústrias?”
Mas havia os impostos. Tinham que sanar umas contas antes de jogar o restante para o Governo Federal se virar.
“Certo. Na próxima… Ah, as igrejas! Sim”.
Indagaram se isso não traria oposição.
O governador gargalhou.
“Aqueles maricas! Não se preocupe. Eles nunca fazem nada, pagam de santinhos. E, se fizerem algo, sempre podemos dizer que eles… como falam? ‘Não vivem o amor’”.
Mas a Diocese mantinha alguns hospitais…
Gargalhou mais alto.
“Relaxe. Estão morrendo de medo da doença. Capaz de o Bispo mandar fechar antes da gente… Liga aí pro Dom”.
Tudo certo. O Dom apoiou. Ele estava trancado há meses e já até esquecera como era o mundo lá fora.
“Igrejas”, e marcou “x”.
“As praias? Sim. Os ambulantes não têm organização, não têm sindicatos, vão só chiar… Nem pagam ICMS! É bom que aprendem”.
Fechou.
Mais umas três atividades e tudo certo.
Alguém chegou com o relatório científico. O governador não leu.
“Muito grave, muito grave, mas seremos duros!”
E o tratamento precoce?
“Aqui trabalhamos com ciência, não com teorias da conspiração”.
Disseram que eram remédios antigos, já conhecidos…
“Sem comprovação!”
Mas um lobista trouxe uma vacina novíssima, criada ontem.
“Ah, a ciência! Queremos!”
O celular tocou.
“Oi, chuchuzinho”.
Era a filha de 15 anos. Hoje era o aniversário dela. 500 pessoas esperando na granja.
“Coloque o decreto para amanhã. Hoje tem essa festa da guria…”