Quais lições o presidente Bolsonaro deve extrair das derrotas sofridas por Mauricio Macri na Argentina e Donald Trump nos Estados Unidos? Afinal, em ambos os casos um presidente associado à direita não foi capaz de se reeleger, permitindo a volta da esquerda ao poder. O que esses casos dizem sobre a realidade brasileira, sempre lembrando que cada país tem suas particularidades?
Em minha opinião, cada um deles errou por motivos diferentes, ou mesmo diametralmente opostos. Macri venceu com uma plataforma reformista liberal, tentou emplacar mudanças no começo, mas logo se viu diante da pressão do establishment e cedeu. No final de seu mandato ele já era quase um peronista, tendo até congelado preços. Ou seja, Macri aderiu totalmente ao establishment, e seu eleitor decidiu puni-lo. Se é para ter um populista irresponsável no comando, então que venha logo o original, não uma réplica malfeita.
Já Trump errou do outro lado extremo: achou que era capaz de declarar guerra ao establishment todo, contando apenas com o apoio popular. Seu slogan de campanha era “drenar o pântano” em Washington, e nesse processo Trump colocou inclusive muitos republicanos contra ele. A crença de que sobreviveria declarando guerra contra todos se mostrou otimista ou ilusória. O “deep state” se vingou do presidente.
Não se faz uma revolução em quatro anos, eis a dura verdade que os mais empolgados custam a aprender. Bolsonaro venceu com 57 milhões de votos, muitos dos quais antipetistas. A parcela mais militante, que o considera um “mito” e estará com ele até o fim não importa muito o que aconteça, não é a maioria. Esta quer resultados concretos. Seu governo precisa, então, entregá-los se quiser permanecer mais quatro anos.
É aqui que começam os problemas. Para tanto, ele precisa de governabilidade, já que tem de aprovar reformas estruturais. Como a reforma previdenciária passou, muitos acharam que era viável governar só com bancadas temáticas e pressão das ruas. Ledo engano. Isso sem falar do risco de impeachment, que os oportunistas sempre vão manter sobre a cabeça do presidente. Não tem milagre: Bolsonaro é refém do Congresso, ainda mais no modelo brasileiro, fragmentado.
O perigo é ele aderir demais da conta ao establishment em troca de governabilidade e blindagem. Nesse caso, ele estaria cometendo o erro de Macri, e muitos brasileiros ficariam decepcionados. Se é para isso, então eles podem pensar: qual diferença faz? Que venha alguém como Michel Temer mesmo, ou então algum tucano que aceita jogar o jogo sujo. Bolsonaro precisa trazer uma ala do “centrão” para dentro do seu governo, sem deixar isso contaminar seu diferencial, sua posição patriótica e seu ministério técnico. É um desafio e tanto, mais uma arte do que uma ciência.
Ao mesmo tempo, ele tem que fazer isso sem perder sua militância mais aguerrida, que atua como única fonte de resistência diante dos ataques pérfidos e infindáveis da imprensa. É aqui que o lado Trump entra em ação: as brigas com jornalistas, as respostas duras e as “mitadas” fazem parte do repertório necessário para não afastar quem votou nele para isso mesmo, para detonar o establishment e a mídia corrupta.
O risco aqui é errar na mão, exagerar na dose, e com isso implodir muitas pontes e gerar antipatia nas “mães de subúrbio”, como aconteceu com Trump. Bolsonaro já se mostrou irritado com críticos à direita, que chamou de “idiotas das redes sociais”, e postou uma imagem que ilustra bem sua visão: uma cidade na mira de uma gigantesca pedra, e ele como o herói que segura o pedregulho e impede a desgraça de todos. Até que os cidadãos passam a jogar pedras nele, o herói, que acaba então saindo da frente para que o pedregulho siga seu destino destruidor. Vão atacar Bolsonaro por picuinhas ou qualquer imperfeição? Então tudo bem, toma o PT de volta!
É a mensagem que o presidente quer transmitir, não sem alguma razão. Por outro lado, se ele se mostrar imune a qualquer crítica construtiva, que o traga de volta à realidade de sua vitória, acabará se afastando de sua base fiel de apoio, e ficará totalmente misturado ao establishment, será mais do mesmo. Nesse cenário, é como se ele fosse absorvido pelo pedregulho. Ou seja, a metáfora pode ser outra: Bolsonaro é a cidade que a pedra (establishment) quer destruir, e a única coisa que impede esse destino é sua base de apoio popular.
Não sabemos qual será o resultado disso. O que sabemos é que o establishment está cada vez mais ousado e determinado a derrubar Bolsonaro. A mídia perdeu qualquer pudor. Se o presidente não fizer concessões para sobreviver e avançar com algumas reformas, ainda que desidratadas, então ele dificilmente será reeleito. Por outro lado, se ele declarar guerra total a todos, como querem os mais fanáticos e jacobinos, ele não dura nem até o fim deste mandato. O segredo para Bolsonaro seguir adiante é adotar uma postura entre Macri e Trump, patinando em gelo fino, ciente de que alguns anéis terão de ser entregues para se preservar os dedos. E do lado de sua base de apoio será fundamental que os bolsonaristas entendam que não se faz uma revolução em quatro anos, e sem o Congresso ainda por cima.
Todos aqueles que temem a volta do PT e que rechaçam a ideia da volta dos tucanos deveriam ter isso em mente. Os destinos de Macri e Trump estão aí para servir como alerta.