(J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 1º de maio de 2024)
O Supremo Tribunal Federal sustenta, há anos, que é vítima de perseguição da direita brasileira e, nesses últimos tempos, da direita mundial. Construíram e colocaram em circulação a doutrina segundo a qual o STF é o maior produtor líquido de democracia no Brasil. Simetricamente, todos os que fazem críticas à sua conduta são conspiradores dedicados a impor uma ditadura no país, liquidar as instituições e deter o chamado “processo civilizatório”. Podem até não ser conscientes do que fazem, mas são todos “golpistas”, “fascistas”, “bolsonaristas” — enfim, inimigos da democracia que se disfarçam por trás de sua hostilidade ao Supremo para destruir o estado democrático de direito no Brasil.
Não ocorre ao STF, nunca, que pelo menos uma parte da indignação causada pelo mais alto tribunal de Justiça do Brasil junto à opinião pública não se deve às suas decisões — mas sim aos atos objetivos que os ministros praticam. Classificam absolutamente tudo, seja lá qual for a crítica, como “ataques ao Supremo”. É falso. O que acontece é que os ministros se comportam mal, e se escondem por trás da imagem do STF como “defensor perpétuo” da democracia para não ter de responder pelo que fazem. É o que está acontecendo, mais uma vez. Três ministros, ao mesmo tempo, fazem uma viagem a Londres e não explicam quem pagou suas despesas. O que isso tem a ver com democracia? Nada, mas eles se acham vítimas de mais um “ataque”.
Por este critério, o STF promove a si próprio à condição de infalível, e seus ministros a um estágio superior ao de todos os demais seres humanos vivos no momento no planeta Terra — nem um nem outro podem ser julgados, jamais, pelo seu comportamento. No caso de Londres, a deformação fica especialmente agressiva. É impossível entender, em primeiro lugar, porque três ministros, fora de seu período de férias, precisam ir a Londres para fazer uma palestra para brasileiros e sobre questões do Brasil. Fica ainda mais incompreensível que tenham sido acompanhados por um cardume inteiro de peixes graúdos do alto Judiciário: cinco ministros do STJ, um do TSE, o procurador-geral, o advogado-geral. Levaram até o diretor da Polícia Federal. Para que isso tudo?
Mas o pior é quando se vai ver quem pagou as contas — e essas contas incluem hotel com diárias de R$ 6 mil para os ministros. A tentativa de esconder foi inútil. A imprensa ficou sabendo a identidade de pelo menos dois dos financiadores: o Banco Meta e a antiga companhia de cigarros Souza Cruz, hoje de volta ao nome da matriz, a British-American Tobacco. As duas empresas têm uma penca de causas em julgamento no STF e no STJ — só o Banco Master, e só no STJ, tem 27 processos pendentes. Existe alguma possibilidade de acontecer uma coisa dessas em qualquer supremo tribunal do mundo civilizado? Não, não existe nenhuma. Fica então a pergunta final: por que dar essas informações e falar deste assunto seria colaborar com o “golpe de Estado da direita”, que, segundo os ministros, estaria em andamento?
Informações Revista Oeste