Foto: AMR ALFIKY/REUTERS.
Nesta semana, Donald Trump conseguiu mais um feito inédito na história recente dos Estados Unidos: ser o primeiro ex-presidente a virar réu sob acusações federais. Ao todo, são 37, sendo 31 referentes à violação da Lei de Espionagem pela retenção proposital de informações da defesa nacional; 3 sobre reter ou esconder documentos em uma investigação federal; 2 de declarações falsas; e 1 de conspiração para obstrução da Justiça. Diante de um tribunal em Miami, ele se declarou inocente das acusações. Em um pronunciamento realizado em seu clube de golfe, em Nova Jersey, após a audiência, o empresário disse estar sendo vítima de abuso de poder maligno e hediondo. “Hoje testemunhamos o mais maligno e hediondo abuso de poder na história do nosso país. Uma coisa muito triste de se assistir”, bradou o republicano, insistindo que essas acusações são interferência eleitoral. Ele repetiu ser vítima de uma “caça às bruxas” e chamou o procurador Jack Smith de “lunático”. Trump é o principal candidato do Partido Republicano para ser candidato à Casa Branca em 2024, e, mesmo diante dos casos contra ele, segue crescendo nas pesquisas e aparece bem à frente do seu principal concorrente no partido, o governador da Flórida, Ron DeSantis. As acusações desta terça-feira, 13, foi a terceira vez que ele virou réu em três meses. Em abril, Trump foi réu por falsificação de registros, incluindo comprar o silêncio de uma atriz pornô com quem teve um caso extra conjugal, e em maio, foi considerado culpado de abusar sexualmente da escritora e ex jornalista E.Jean Carroll na década de 1990.
De todas as acusações que enfrenta até agora, essa é a mais delicada e classificada como umas das piores, porque envolve documentos secretos dos EUA que estão diretamente ligados com a segurança do país. Se condenado, ele pode pegar até 400 anos de prisão. Apesar do empenho dos promotores para acelerar o caso das 37 acusações, Paulo Velasco, doutor em ciência política pelo IESP-UERJ, diz ser muito improvável que Trump fique inelegível para as eleições de 2024. As primárias do Partido Republicano começam em agosto. “Não há tempo hábil para que, até as eleições, de fato consiga-se avançar a ponto dele ser condenado e, com isso, ele se tornar inelegível. É difícil precisar, ninguém sabe muito bem, efetivamente, o quanto pode durar”, fala o especialista, acrescentando que Trump tem advogados muito hábeis, que trabalham para retardar e complicar ao máximo o processo. “Pode acontecer dos processos caminharem em uma velocidade suficiente para impedir a participação dele no pleito, mas não há nenhuma certeza nisso e é bastante improvável que aconteça isso”, acrescenta. Por mais que Trump não fique inelegível, Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, fala que essas acusações podem impactar negativamente em sua imagem e servir de munição para seus rivais dentro do Partido Republicano. Ron DeSantis, Mike Pence, que foi vice de Trump, Chris Christie e agora Francis Suarez, que eram aliados do magnata de 77 anos, se juntaram a outros nomes do partido para disputar as primárias das eleições de 2024.
“Isso é um fator negativo porque ele não poderá ser reeleito apenas na base do trumpismo. Precisará de um certo eleitorado mais ao centro que ele ainda não têm”, aponta Lucena. Mas se as acusações não o prejudicam do ponto de vista jurídico, impactam-no politicamente. Assim como nas acusações anteriores, Trump se coloca como vítima, o que alimenta e mantém a sua postura de “máquina do caos”. Não só ele como alguns republicanos chegaram a classificar essas condenações como uma perseguição. Querendo ou não, é algo que o fortalece. “Não há dúvidas que, nos últimos quatro meses, ele vem disparando em todas as pesquisas primárias republicanas. Mas é fundamental que esses processos são divisivos, eles de fato racham a sociedade norte-americana”, conceitua Lucena, destacando que uma vitória de Trump dentro do Partido Republicano para ser o nome a disputar a eleição 2024 pode causar uma racha ainda maior dentro do partido. Trump não liga muto para isso e tem aproveitado a situação para se recolocar na mídia. “Ele estava um pouco esquecido quando começou a questão ali na Justiça em Nova York, essas questões dos documentos e o Capitólio, mas esses temas o colocam toda hora nas manchetes e faz com que ele seja lembrado”, diz o professor.
Por que são as piores acusações?
O caso julgado em Miami parece mais comprometedor que o de Nova York, apesar de Trump ter demonstrado mais de uma vez sua capacidade de sobreviver politicamente aos problemas, quando não os transforma em uma oportunidade. Nos Estados Unidos, uma lei obriga os presidentes a enviarem todos os e-mails, cartas e outros documentos de trabalho para os Arquivos Nacionais. Outra proíbe a retenção de segredos de Estado em locais não autorizados e considerados inseguros. Em janeiro de 2021, quando deixou a Casa Branca e se mudou para sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida, Trump levou dezenas de caixas repletas de arquivos. De acordo com a ata de acusação, as caixas foram empilhadas no palco de um salão de dança do complexo hoteleiro antes de serem transportadas para um depósito perto de uma piscina. Algumas tinham a inscrição “segredo de Defesa”. Em janeiro de 2022, depois de receber vários pedidos das autoridades, Trump decidiu devolver caixas com quase 200 documentos confidenciais. Convencidos de que ele não havia entregado todos os documentos em seu poder, vários agentes do FBI entraram em Mar-a-Lago em 8 de agosto e levaram outras cerca de 30 caixas contendo 11 mil documentos.
Créditos: Jovem Pan.