O transtorno de acumulação compulsiva costuma causar muito sofrimento para o paciente e sua família. Na maior parte das situações, mesmo vivendo entre lixo e bichos, a pessoa não consegue se dar conta da gravidade do problema.
Saber por que alguém age assim é fundamental para ter uma compreensão mais ampla dessa enfermidade e, assim, ajudar. A seguir, tire oito dúvidas sobre o transtorno.
As pessoas com transtorno de acumulação têm uma dificuldade persistente de descartar ou de se desfazer de suas coisas, independentemente do valor real que os objetos tenham. A simples ideia de jogar ou doar algum desses objetos gera muito sofrimento e ansiedade. Para ser considerada um transtorno psiquiátrico, a acumulação precisa causar prejuízos na vida da pessoa, como, por exemplo, ela viver entre cômodos entulhados de coisas, afetando a movimentação e até a própria higiene.
Alguns acumuladores podem chegar a comprar itens que não usam nunca e se endividarem por isso, ou até mesmo roubar, pois sentem que “precisam” ter tal objeto. A diferença entre um acumulador e um colecionador é que o segundo organiza e mostra, geralmente com satisfação e orgulho, toda sua coletânea. Para o acumulador, tudo é desorganizado, amontoado e causa desconforto a ele próprio.
A genética, o funcionamento do cérebro e os eventos estressantes da vida têm sido alvo de pesquisas como possíveis causas. O transtorno geralmente começa na adolescência e tende a piorar com a idade. Ele afeta, em pelo menos 50% das vezes, pessoas cujos familiares próximos —pais, por exemplo— também são acometidos pela doença. Outras desenvolvem o problema depois da morte de um ente querido, divórcio, despejo ou perda de bens em um incêndio.
Entre as características comportamentais comuns de quem sofre com o transtornos estão a indecisão, o perfeccionismo, a procrastinação, a dificuldade de planejar e organizar tarefas, o evitamento de situações que consideram ansiogênicas e a distraibilidade, que significa dificuldade ou incapacidade para se fixar ou se ater a qualquer coisa que implique esforço produtivo. Em geral, essas pessoas vivem sozinhas e escondem dos amigos e familiares a própria condição.
Um dos fatores é a chamada dissonância cognitiva, uma discrepância entre as atitudes ou comportamentos que a pessoa acredita serem certos e o que realmente é praticado. Quando isso acontece, há um dilema existencial que produz muito sofrimento. A distorção faz com que o acumulador não perceba a gravidade do próprio problema, já que a ideia de se livrar de quaisquer objetos é angustiante, maior do que as dificuldades de viver no ambiente insalubre que criou.
Os acumuladores percebem o excesso, mas podem acreditar na real necessidade da acumulação: “e se eu precisar disso amanhã por algum motivo?”, “e se eu jogar fora e o lixo acumulado fizer mal ao meio ambiente?”, “e se minha mãe me pedir algo desse tipo”, e demais pensamentos do tipo. Em certas situações, a limpeza não ocorre porque os objetos tomam todo o espaço e limpar se torna impossível. Às vezes, as condições de saúde mental nem permitem perceber a sujeira ou que a pessoa seja incomodada por ela.
Cientificamente, não existe nenhuma correlação entre os dois transtornos, mas as compras compulsivas podem ocorrer junto da acumulação. Entretanto, um comportamento não está necessariamente vinculado ao outro e as compras compulsivas podem vir como sintoma de outros transtornos.
O grau varia de leve a grave. Em alguns casos, pode não ter muito impacto na vida da pessoa, enquanto em outros casos afeta seriamente seu funcionamento diário. Nos quadros extremos, em que o acúmulo de objetos soterra os móveis da casa, as pessoas podem dormir ou cozinhar em meio à sujeira e usar potes e garrafas para guardar fezes e urina.
Um dos maiores malefícios é quando a pessoa se vê também refém da síndrome de Diógenes, um conjunto de sinais e sintomas ligados a alterações comportamentais como negligência extrema no autocuidado, desorganização do ambiente doméstico, retraimento social e ausência de percepção sobre a situação, o que leva os indivíduos a recusarem ajuda.
Com o decorrer do tempo, o acúmulo passa a ser tão extremo que compromete a higiene local, atraindo a presença de bichos, e isso também pode desencadear algumas doenças de pele e infecções. Isso gera atritos com vizinhos que reclamam do odor e dos bichos e também com as autoridades. Consertos de água e luz da casa podem ficar impossibilitados. A sujeira se acumula e pode atrair bichos e a higiene e a saúde ficam ainda mais comprometidas. Em quintais, por exemplo, pode ocorrer acúmulo de água em vasilhames ou latas e resultar em criadouro de transmissores de doenças como a dengue. Há um comprometimento total da qualidade de vida e das relações interpessoais e familiares.
O tratamento mais conhecido e adotado é a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental), no qual o psicoterapeuta ajuda o paciente a ter diferentes modos de pensar sobre os objetos acumulados, além de treinar a motivação e a modificação de comportamentos em termos de aquisição, acúmulo, descarte e organização, tanto do espaço físico quanto dos objetos. O uso de medicamentos também pode ser recomendável, uma vez que permitem que o indivíduo seja mais capaz de se envolver no processo de tratamento, seja melhorando seu humor ou reduzindo sua ansiedade.
O acompanhamento para qualquer transtorno de impulso é de longo prazo e contínuo. Em vez de cura, o ideal é falar em remissão ou diminuição dos sintomas. A frequência dos atendimentos é revista, dependendo da necessidade do paciente. De forma geral, porém, quanto mais precocemente se iniciam os tratamentos, mais chances de sucesso. O apoio da família, vale frisar, é fundamental, principalmente se for livre de julgamento e tiver um viés prático, como auxiliar no descarte das coisas e na checagem constante das condições de vida da pessoa.
Fontes: Bruno Mendonça Coêlho, psiquiatra de adultos e da infância e adolescência, doutor em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP); Daniela de Oliveira, psicóloga clínica e integrante do Ambulatório de Medicina e Estilo de Vida do HCFMUSP ; Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, em São Paulo (SP), e colaborador do ambulatório de impulsividade do IPq-HCFMUSP,; Suely Sales Guimarães, doutora em psicologia pela University of Kansas (EUA) e docente do Centro Universitário Brasília (DF).
Informações UOL
Bom artigo, e quem acumula dinheiro desnecessário à sua sobrevivência, rouba etc? Enquadra-se neste diagnóstico?