Poucas horas depois do primeiro ataque do Hamas, Janine Ayala Melo, 29, descobriu que voltaria a servir ao Exército de Israel. Natural do Recife, ela fez três anos de serviço obrigatório como combatente no país e era reservista desde então.
Casada, a brasileira ganhou o direito de ser dispensada de vez das Forças Armadas quando virou mãe, mas mesmo com um filho pequeno decidiu se juntar aos colegas na guerra, que começou no sábado (7).
“No primeiro momento pensei: ‘Meu Deus, eu vou morrer. Se eu for, tem 50% de chance do meu filho ficar órfão’. Mas o segundo pensamento foi: ‘Se eu não for, meu amigo que tem três filhos vai deixar três órfãos'”, afirmou a soldada, em entrevista ao UOL.
A família de Janine que ainda vive no Brasil questionou o por que ela não aproveitava os aviões de repatriação para voltar ao país em que nasceu, mas, segundo ela, a solidariedade foi a principal motivação para manter a decisão de ir ao Exército.
“Eu não sei explicar com palavras para alguém que vive no Brasil. Eu tenho medo de morrer, mas não posso deixar meu amigo que é combatente fazer isso sozinho. Eu não quero julgar quem não veio, mas me envergonharia de deixar esse medo me influenciar a não vir”, justifica.
Janine vive em Israel desde os 15 anos e tirou a dupla cidadania aos 18. Ela fez o serviço obrigatório em um batalhão misto, com um cargo que exigia três anos de dedicação — um a mais que o padrão para as mulheres — mas que garantia que ela viraria reservista automaticamente.
Mesmo depois de dar à luz, a brasileira se voluntariou a continuar na “lista de espera” para defender o país e foi convidada a entrar para a Brigada comandada por um amigo.
Nos últimos quatro anos, ela continuou passando por treinamentos anuais, para manter o conhecimento militar. Por isso mesmo, quando entendeu o que estava acontecendo naquele sábado de manhã, não recebeu com surpresa a convocação para a guerra.
“Eu sabia que nosso objetivo era estar na região de Ascalão [mais distante do conflito inicial]. Passaram algumas horas e pessoas começaram a mandar mensagens perguntando o que ia acontecer. Os comandantes disseram só pra gente arrumar uma mala, com roupa para tempo indeterminado”, lembra.
No sábado à tarde, ela e seus companheiros já estavam na cidade em que iam trabalhar para impedir a invasão de membros do grupo extremista Hamas.
A ideia é impedir que terroristas atirem nas pessoas. Nos últimos três dias, tivemos lutas na área ao sul da cidade, pessoas do nosso batalhão tiveram que ir pra lá neutralizá-los. Nisso, tive um amigo que foi assassinado, na segunda [9]. A gente tinha se falado meia hora antes de ele ir pra missão.””
Além de impedir avanços do Hamas, os soldados também ajudam os civis a encontrar zonas seguras.
Na quarta-feira (11), Janine estava andando pela cidade quando ouviu as sirenes que alertam para ataques aéreos. Ela e um colega correram para o abrigo antimíssil mais próximo, mas descobriram que ele estava trancado, impedindo que mais pessoas conseguissem entrar.
“A gente descobriu que tem prédios em que os abrigos estão trancados, porque a responsável tinha perdido a chave. Tivemos que pegar um martelo, que por sorte meu colega tinha no carro, para colocar as famílias dentro”, lembra.
A brasileira explica que o convívio dos moradores com as sirenes, que tocam em média uma vez a cada dois meses sem maiores consequências, atrapalha na organização.
“Tem muitas famílias que estão pensando que é a realidade que eles já conheciam, mas a situação está caótica. Ninguém sabe onde estão as casas em áreas seguras”, destaca Janine, que conhece “dezenas” de pessoas que morreram e tem uma amiga do colégio refém do Hamas.
Nunca na minha vida eu vi ou vivi um evento de tais dimensões. A gente está falando de famílias inteiras que foram assassinadas, é algo inacreditável. Você, além de ser combatente, tem que ser meio psicóloga, acalmar as pessoas e adiar ou diminuir o tamanho do trauma.””
A soldada ainda lamenta a perda de vidas na Faixa de Gaza, mas defende que as Forças Israelenses tentam focar os ataques em espaços ocupados pelo Hamas.
“Quando eu ouço os bombardeiros em Gaza eu penso na mãe que está lá, a gente sabe que tem civis morrendo. Mas o Exército dá alertas para que as pessoas saiam das áreas de bombardeio. A gente não quer matar civis, a gente quer eliminar os terroristas.”
Ben Kilinski, 26, também ficou em alerta desde as primeiras notícias sobre os ataques do Hamas. Reservista há alguns meses, ele tomou a iniciativa de falar com o comandante e foi chamado para a equipe em que estavam seus colegas, no front da Faixa de Gaza.Continua após a publicidade
“Na manhã de sábado acordamos com mísseis em toda a Israel. Alerta vermelho, correria para os bunkers. Os judeus religiosos não usam celular no sábado, então muitas pessoas não sabiam o que estava acontecendo”, conta o brasileiro, que se mudou para Israel em 2020.
Ben foi a Israel pela primeira vez em 2018. Com pai judeu, ele logo decidiu se mudar de vez e se unir às Forças Armadas, onde consolidou sua conversão — segundo a Halachá, lei judaica seguida ao pé da letra pelos ortodoxos, judeus seriam apenas os nascidos de mãe judia, mas, diante do governo de Israel, convertidos que tem qualquer antepassado ou cônjuge judeus são reconhecidos e têm direito à cidadania.
Depois de cumprir seu tempo de serviço obrigatório, ele começou a estudar desenvolvimento de software em uma escola local.
Agora, o brasileiro voltou aos treinamentos intensos e às patrulhas como combatente, membro da unidade especial Brigada Nahal, tradicional em Israel.
“Teve uma bagunça no recrutamento de reservistas, então eu corri sozinho atrás de equipamento — colete a prova de balas, capacete, luvas — e peguei carona de voluntários até me aproximar da base onde estava minha unidade”, detalha Ben, natural de São Paulo.
A prioridade é resgatar as pessoas sequestradas de Gaza e retorná-las com vida para casa.””
Em meio à tragédia, Ben e Janine destacam um ponto em comum: a união do povo israelense.
“A ferida ficou. Amigos mortos, sequestrados, feridos. Mas o povo de Israel está muito unido após meses de divisão e protestos por causa da crise política. Todos se unirem novamente pra defender o país”, afirma o paulista.
“No meu pelotão tem gente religiosa, gente secular, gente de esquerda, de direita. Tem homem de 20 anos e homem de 50. E está todo mundo aqui, junto”, conta a recifense.
Informações UOL