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Policiais não raro enfrentam questões que vêm a se tornar verdadeiros calvários para qualquer ser humano, e como eles também são de carne e osso, acabam indo parar no estaleiro, tendo de se dar por muito satisfeitos se essas crises não redundam na perda da carreira — o que por sua vez desencadeia um perverso efeito dominó, que arrasta sanidade mental, vida em família, saúde financeira e amor-próprio para o limbo. Nesses momentos, o prudente mesmo é deixar de lado a vocação para o heroísmo e ser algo mais pragmático, se concentrar no que deve ser feito e retomar o eixo da própria vida, o que como todas as coisas que verdadeiramente importam, demanda energia, planejamento, dinheiro e força de vontade e muito, mas muito sangue frio. Esses ingredientes reunidos, amassados, torcidos, devidamente amalgamados, ardem ao fogo baixo da vingança, pelo tempo que for necessário, até que a massa do acepipe esteja no ponto de servir, muito bem acompanhada de boa dose de humor negro, suspense, desafio à lógica e uma promessa de felicidade quando tudo chega, enfim, a bom termo.

Mas antes, o que se vê é a junção das várias peças que deságuam no inferno particular do ex-policial que protagoniza “À Beira do Abismo” (2012), em que o diretor dinamarquês Asger Leth refina o discurso da necessidade de reparação, aqui levado às últimas consequências, de um homem comum, que nunca desejou ser herói e mártir ainda menos, mas apenas ter uma vida como todo mundo. E “inferno” parece ser mesmo a palavra mais adequada para definir seu estado: perdido entre a vida que julga ainda ter e a realidade dura que o sitia, esse homem só viu uma chance de tentar escapar ao cerco do infausto, e mesmo assim seu arrojo pode não dar em nada. Ele não pensa em se matar, mas a desdita de sua situação autoriza que qualquer um pense que ele o faça — e é justamente desse mal-entendido que ele tem de se valer a fim de tentar dar a volta por cima, a despeito de toda torcida contra, do risco, da loucura, e no seu caso, é mesmo preciso atirar-se sem medo nos braços da insânia não como o último recurso, mas como a única medida realmente eficaz quanto a reverter sua miséria existencial.

Sam Worthington dá vida a esse homem, Nick Cassidy, subitamente exilado na própria vida. Cumprindo pena por um crime que não cometeu, Cassidy se depara todos os dias com a imagem de seu próprio fracasso, como policial e como homem, claro no desabafo com a psiquiatra vivida por J. Smith-Cameron numa aparição-relâmpago — aliás, esse é um bom filme composto de pequenas participações excelentes. Ao conseguir permissão para assistir ao sepultamento do pai, começa a botar em curso a estratégia que talvez lhe vá possibilitar escapar da cadeia (o que consegue de fato) e provar sua inocência, depois de uma altercação que deriva para a troca de socos, mesmo algemado, com o irmão caçula, Joey, de Jamie Bell, e como se assiste a dada altura do roteiro de Pablo F. Fenjves, a briga não passa da encenação que dá azo ao começo de sua desforra — e é bom o espectador não perder o fio da meada nessa parte. Quando finalmente está a salvo de seus captores, hospeda-se num hotel de luxo em Manhattan, pede um café da manhã com direito a champanhe e passa a desfilar no parapeito da janela da suíte.

Doravante, Leth começa a introduzir as frações que nos autorizam vislumbrar a angústia de Cassidy e o que pretende, utilizando-se principalmente de Lydia Mercer, a negociadora para situações extremas de Elizabeth Banks que, como seu novo analisando, passa por um momento-limite. Ao passo que o personagem de Worthington e Mercer trocam impressões, o verdadeiro conflito da trama se desenrola no arranha-céu ao alto, erigido e administrado por David Englander, o magnata interpretado por Ed Harris. Joey e a namorada, Angie, de Génesis Rodríguez, conduzem a operação que, se bem-sucedida, vai livrar Cassidy dos 25 anos de prisão que ainda deve, mais outros tantos pela balbúrdia em que mergulhou toda Nova York. Harris, para não variar, eleva seu vilão, diretamente implicado em tudo o que se passa, à condição de grande estrela do filme, enquanto no chão, em frente ao edifício, Suzie Morales, a jornalista sem escrúpulos de Kyra Sedgwick, ressuscita o mote central de “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), de Billy Wilder, proporcionando ao drama do protagonista a cota de entretenimento por que o populacho clama.

“À Beira do Abismo” faz justiça ao nome e se equilibra muito bem entre a iminência de uma tragédia — que ao cabo de 102 minutos sabemos que não iria se concretizar — e a engenharia rigorosamente técnica de uma história que se deslinda em tantas outras. Parece que faz setenta anos, mas foi em 2012. Enquanto há vida, a esperança pulsa.


Filme: À Beira do Abismo
Direção: Asger Leth
Ano: 2012
Gêneros: Thriller/Crime
Nota: 9/10

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