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A escalada do supremacismo branco na Europa, mormente em países que entraram para a história por seu caráter pacifista, por sua opção bem pesada de não interferir na soberania de outros países e, na frente contrária, acolher cidadãos de nações em risco social, acossados pela fome, por políticas radicais e genocidas, pela perseguição religiosa e tantas outras desgraças inamovíveis ao longo da história, alçou uma conquista sem precedentes em 22 de julho de 2011, momento em que um lunático se desloca até uma ilha na Noruega e abre fogo contra crianças e adolescentes, em grande parte imigrantes, negros e muçulmanos. À violência da ação, iniciada por um atentado a bomba que fez  oito vítimas, coube um movimento para a compressão da sangria de igual vigor, organizado nos mínimos detalhes, rápido e, o mais importante, eficaz. Em poucas horas o autor dos disparos, fatais para outras 69 pessoas, estava segregado do convívio social. Todo o país mergulhava então no torvelinho de que sairia transformado, ferido no que tem de mais precioso, porém maduro o bastante para encarar a necessidade de discutir um tema urgente ao qual nunca havia dado a devida importância.

Famoso por aceitar o desafio de verter para o cinema eventos trágicos, o premiado Paul Greengrass dá uma contribuição inestimável à humanidade com seu “22 de Julho” (2018), em que reporta de maneira pungente os bastidores do ataque, os dramas particulares dos atingidos e as consequências para uma das democracias mais civilizadas do mundo. Greengrass se vale dos recursos todos que o consagraram nesse filão — câmera na mão; enquadramentos que levam o espectador para dentro da cena; som ambiente no lugar de trilha sonora — a fim de imprimir à história a dramaticidade que ela sem dúvida tem, mas que em nenhum momento descamba para o melodrama ou para o sensacionalismo. O diretor se fixa em destrinchar um conflito por vez, didaticamente, sem que a fluidez ou a naturalidade do que é narrado sejam comprometidas. O que se observa na tela é um enredo caudaloso, rico em informações, de assimilação imediata e logo submetida a juízos de valor que condenam o facínora, mas com espaço para que tenha a chance de tentar expor seu ponto de vista.

Anders Behring Breivik escolhera aleatoriamente o dia para deixar como legado a humanidade o ódio gratuito a indivíduos que, no seu delírio, considerava impuros e portanto indignos de estar no mesmo país que ele. A admissão da ideia de que a Noruega marchava para se tornar um território apartado do restante da Europa pelos motivos diametralmente opostos ao que defendia se prestaram como lenha a uma fogueira que vinha ardendo há algum tempo, e Breivik dedicou-se boa parte de sua vida a arquitetar a ofensiva ao que chamava de desintegração moral da Noruega, submetida a um processo irreversível de absorção de outras culturas a partir do aumento exponencial de cidadãos de outros países junto à população. A condução de Greengrass, sempre preocupado com a fidedignidade da narrativa, mostra Breivik, brilhantemente encarnado por Anders Danielsen Lie, no pleno gozo de suas faculdades mentais, tanto na primeira fase de sua empreitada (a investida contra uma autarquia do governo do primeiro-ministro Jens Stoltenberg, de Ola G. Furuseth, Oslo) como na invasão à ilha de Utøya, distante cerca de 150km a noroeste da capital, onde fulminou quase setenta pessoas e feriu outras duzentas. Como em “United 93” (2006), o apuro técnico do diretor chega a provocar espanto, e ao cabo das sequências de perseguições da besta humana no encalço de adolescentes sonhadores e desarmados, o roteiro de Greengrass dedica boa parte do que ainda resta dos 144 minutos de projeção a convalescença de Viljar Hanssen, o mártir vivido por Jonas Strand Gravli.

O terceiro ato, que desfralda os intestinos de um dos julgamentos mais esperados da história da Noruega, sucede as cenas que registram o esforço de Viljar quanto a estar apto a reencontrar-se com seu algoz depois do olho esquerdo arruinado, incontáveis sessões de fisioterapia para recuperar o movimento das pernas e tornar a andar com alguma normalidade e os fragmentos de projétil alojados no cérebro, mantidos para que se preservassem as funções vitais, mas uma bomba-relógio que poderia explodir sem prévio aviso, tensão constante para toda a vida do personagem de Gravli. A trama quase se perde em meio à discussão sobre se Breivik teria ou não a dimensão fria do mal que estava a perpetrar — tese inicialmente defendida por Geir Lippestad, o advogado do terrorista, papel de Jon Øigarden, mas o próprio acusado confessa a sua vontade de matar e a história retoma o leito. Anders Behring Breivik foi condenado a 21 anos de detenção em regime fechado, pena máxima no ordenamento jurídico norueguês, em 24 de agosto de 2012.


Filme: 22 de Julho
Direção: Paul Greengrass
Ano: 2018
Gêneros: Drama/Crime
Nota: 9/10

Informações Revista Bula

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