A cena parecia saída de alguma fantasia sexual, mas era real: no meio de 12 trios seminus, lá estava eu sendo massageado por duas “sacerdotisas” em um ritual de sacralidade do corpo. Passados alguns segundos, uma delas se levantou, sentou-se em um banco e desabou em lágrimas. Logo ao lado, em outro triângulo mais que amoroso, começaram suspiros de prazer, que transbordaram em uma gargalhada e terminaram em soluços chorosos.
Como diria Cleyton Sales, nosso guia ali, “se engana quem acredita que retiro tântrico é um surubão da p…”. Depois de quatro imersões desse tipo, devo concordar: está mais para uma maratona de terapias de grupo. Só que com pouca roupa e muita emoção e contato entre os participantes.
O retiro em uma pousada rural em Ibiúna (SP)começou na sexta à noite. Uma participante atrasada pensou até em voltar atrás depois de chegar com o primeiro exercício já em andamento. “Vi pessoas em pé com o bumbum de fora, e outras deitadas, cobertas até a cabeça e quietas. Fiquei até com medo. Achei que tinha entrado no sítio errado”, confessou para o grupo, para risada geral. Aquela era uma “cerimônia de morte e renascimento”, para estimular os integrantes a “enterrarem” antigos sentimentos e se reinaugurarem.
O mundo interior não costuma responder tão rápido assim, e o pranto ressurgiu várias vezes nos três dias de estadia. Durante esse tempo, ficou claro que a massagem tântrica pode acessar áreas erógenas tanto quanto memórias afetivas que ficaram registradas só na pele.
No grupo de WhatsApp criado para congregar os novatos tântricos, a mudança era nítida. Antes do retiro, uns teclavam seus receios, enquanto outros se diziam confiantes porque “a posição dos astros” iria ajudar na “liberação da energia sexual”.
Depois da experiência, todas as mensagens no aplicativo eram de amor incondicional a tudo e a todos. Na volta à rotina, os iniciados ficaram amorosos e aéreos nos dias que se seguiram, com uma vontade incontrolável de desabafar o que estava entalado no peito para parentes, parças e peguetes.
Para um jornalista, o mais difícil em uma situação dessas é seguir o princípio oriental do “não-julgamento”, afinal, o ofício obriga a observar, comparar e descrever. Para muitas filosofias vindas da Ásia, qualquer juízo representa uma repressão e impede a consciência plena — é só pensar nos típicos posts e comentários da internet e fica fácil concordar com essa ideia.
Esse conceito ainda ajuda a se abrir para o tempo presente. Portanto, devia domar meu monstro do “senso crítico”. Outros integrantes do retiro enfrentaram desafios maiores. “Eu nunca tinha rebolado na minha vida”, testemunhou o rapaz de ascendência japonesa depois de sessão de movimentos para liberar a energia pélvica criativa, ao som de samba, salsa e música indiana. A sessão se chamava “kundalini up” — pelas crenças indianas, kundalini é uma força que sobe em espiral do cóccix até o topo do crânio e pode levar ao nirvana.
Enquanto a rotação dos quadris ajudava a liberar o lado feminino nos homens, uma bateria de sarradas no ar e urros trazia o lado masculino das mulheres à tona. Elas se empolgaram tanto na prática que o tapete de borracha desencaixou todo, e o piso parecia mais um chão cheio de fissuras após um terremoto.
Nas conversas, o casal de mentores, Cleyton e Bia, explicou os cinco pilares do prazer: desejo, presença, movimento, respiração e som. A trilha sonora do retiro ia da música mais mística à mais meiga. No meio delas, por vezes, dava para escutar o barulho da louça vindo da cozinha, afinal, só uma cortina separava a nudez dos hóspedes das funcionárias uniformizadas que garantiam a energia para o chacra da barriga deles.
Depois de muitas conversas, exercícios de respiração e meditações ativas, chegou a hora da massagem. A primeira e principal instrução era que tudo devia ser comunicado e consentido, para que não houvesse qualquer mal-entendido ou abuso. “Eu vou passar minha barba sobre sua coxa e deslizar minha mão delicadamente até seus pés”, anunciava o massageador. A massageada repetia as coordenadas e concordava antes da ação.
Para quem recebia a massagem, a sensação era que os deuses abandonaram o céu e pousaram naqueles colchonetes. Mas a história era outra para o massageador calouro: ao pouco tempo os joelhos ficavam desconfortáveis, as pernas bambeavam, as costas doíam de tanto se curvar, e você tinha que se manter inclinado e equilibrado para que só a ponta de seus dedos tocassem o corpo alheio. E ainda torcendo para que não aparecesse mosquito ou mosca e atrapalhasse “todo o processo”.
Embaixo da pele arrepiada, ondas de energia fluiam e, nos picos de eletricidade, emitiam espasmos e gemidos. Os professores passeavam pelo salão orientando. “Pessoal, vamos respirar para o orgasmo se espalhar pelo corpo”, avisava Bia. “Coloca mais Eros nesse movimento, gente”, aconselhava Cleyton.
Naquele grupo, majoritariamente de solteiros e novatos, o limite eram os genitais. Em cursos mais avançados ensina-se manobras no lingam e na yoni, palavras em sânscrito para o órgão sexual masculino e feminino, respectivamente. O nível seguinte inclui o maithuna, o tal sexo tântrico, mas só casais podem se matricular nessa liturgia carnal.
Um esoterismo a la carte ronda os cursos tântricos. Imagens e livros do polêmico guru indiano Osho ficam lado a lado nos altares com símbolos orientais e cristãos. Nas formações da terapeuta Carol Teixeira, por exemplo, sempre há esculturas de Kali, deusa da mudança segundo o hinduísmo. Já no curso de Ibiúna havia uma mesa com imagens de São Francisco e Buda.
“A gente pega um pouco de cada escola e tenta simplificar os conhecimentos, sem muito misticismo. Queremos provocar, chacoalhar as pessoas e não ficar passando muitos termos para decorar”, afirma Cleyton.
Dos participantes, a maioria teve uma formação religiosa tradicional. O tantra ganha uma força libertadora para eles, porque, ao contrário do cristianismo, apresenta as sensações físicas como um dos caminhos para o sagrado.
A opção por esse sincretismo é esclarecida por Cleyton, que vem de uma família mórmom: “Os extremismos, as dualidades e as polarizações nos afastam de nós mesmos. Quando percebemos que tudo é sagrado, inclusive o corpo, nossa percepção muda.” Os polos são importantes, porém, durante a massagem: uma das recomendações é tocar ao mesmo tempo costas e ventre ou pernas e cabeça para aumentar a sensibilidade.
Segundo o terapeuta, a popularização do tantra é difícil porque se requer um ambiente de segurança e cuidado para tatear corpos e almas. “Muitas pessoas precisam mais de um abraço do que de uma massagem. Outras necessitam um cantinho para chorar, quietas, sem que ninguém fique consolando. O elemento essencial do tantra é a água, vertendo em lágrima, suor, secreção e ajudando a extravasar os sentimentos”, sintetizou Cleyton.
O retiro começou e terminou com fogueiras. Na primeira delas, se jogou sobre as chamas papéis em que os alunos escreveram uma emoção negativa a ser eliminada. Diante do fogo da despedida, os participantes, vestidos de branco, celebraram um “autocasamento”, com juras de amor próprio. Depois de proferido, o discurso era incinerado. Uma das participantes se empolgou nos agradecimentos ao casal de mentores: “Vocês mostraram que Deus é uma delícia. Obrigado, seus tesudos.”
Assim como o amor romântico dominou o século 19 e o amor livre deu as caras no século 20, nesse início de milênio é o amor próprio o sentimento preponderante, o que fica claro no narcisismo das redes sociais e na miríade de cirurgias e tratamentos estéticos. A auto-aceitação, como o curso preconiza, consegue entrar também nessa lógica, por outro caminho.
“Olha o infiltrado aí. Vê lá o que você vai escrever, hein?”, brincava, quando cruzava por mim, uma das organizadoras que sabia minha identidade secreta. Enquanto meus companheiros só precisavam se preocupar em tocar o impalpável, eu tinha que apalpar meu bolso, tirar de lá discretamente meu caderninho de anotações e rabiscar palavras e percepções que não podia deixar que fugissem. Afinal, minhas mãos deviam cumprir outra missão saindo dali: dedilhar esse texto.
Informações Tab UOL