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"O governo não pode deixar as padarias falirem", diz o padeiro francês Éric Kayser, que tem buscado otimizar o consumo de energia - Divulgação
‘O governo não pode deixar as padarias falirem’, diz o padeiro francês Éric Kayser, que tem buscado otimizar o consumo de energia Imagem: Divulgação

O padeiro Eddy Mariel, 50, dono de uma pequena padaria familiar no nono distrito de Paris, passou a chegar ao trabalho mais cedo, às 3h da manhã, para dar tempo de preparar seus pães e croissants no horário em que a tarifa de eletricidade é mais barata. Assim como os cerca de 33 mil padeiros na França, Mariel vem sofrendo o impacto duplo da explosão dos preços dos ingredientes (manteiga, farinha e ovos) e da energia, que aumentou consideravelmente após o início da guerra na Ucrânia.

A baguete francesa se tornou patrimônio imaterial da Unesco, em novembro, mas a alegria com a notícia durou pouco para os padeiros do país. Alguns tiveram de encerrar suas atividades nas últimas semanas. A crise chegou a tal proporção que muitos desses profissionais decidiram ir às ruas na segunda-feira (23) para protestar contra a alta dos preços.

Recentemente, o governo francês anunciou algumas ajudas ao setor — propôs o adiamento do pagamento de impostos e de contribuições sociais das padarias, e uma tarifa máxima acertada com os fornecedores de eletricidade, nesse caso válida apenas para pequenas padarias com até 10 funcionários e com faturamento anual inferior a 2 milhões de euros.

A padaria de Mariel se encaixa nesse perfil e poderá se beneficiar dessa tarifa máxima permitida, de até 280 euros o kWh em 2023. Com a redução, ele conta que irá economizar 800 euros por ano. Mesmo assim, sua conta de energia totalizará 4.200 euros em 2023, o triplo do que costumava pagar anualmente até outubro do ano passado. Entre matéria-prima e energia, seus custos subiram 65%, afirma.

“Todo nosso dinheiro disponível em caixa virou fumaça. Não temos mais nada guardado para uma eventualidade”, diz. Na padaria fundada em 1979 por seu pai, já falecido, trabalham também sua mãe e sua irmã. Mariel começa a trabalhar de madrugada e passa o dia todo no local, ajudando também nas vendas, que não vão tão bem. As dificuldades, diz ele, já começaram na pandemia de covid-19.

A fim de reduzir o impacto de seus custos maiores, Mariel precisou aumentar os preços — em geral, dez centavos de euro. A baguete “tradição”, feita com uma farinha especial, subiu quase 10%, passando para 1,30 euro. Mesmo com as ajudas do governo, ele sente que pesa uma ameaça sobre o seu negócio. “Não estamos serenos.”

Padeiro Brahim Ayeb, em Paris - Daniela Fernandes/UOL - Daniela Fernandes/UOL
‘Os preços da manteiga e do leite dobraram. Os dos ovos triplicaram. Nossa profissão está ameaçada’, diz AyebImagem: Daniela Fernandes/UOL

Sobreviventes

Brahim Ayeb, proprietário de uma pequena padaria que leva seu sobrenome na movimentada rua do Faubourg Saint-Denis, no décimo distrito de Paris, também anda com menos clientes. “As pessoas compram apenas o necessário”, ressalta. Ele também teve de aumentar os preços: o croissant subiu 10 centavos e, os doces, de 20 a 30 centavos. “Não conseguimos fazer de outra forma. Os preços da manteiga e do leite dobraram. Os dos ovos triplicaram. Nossa profissão está ameaçada.”

O contrato de eletricidade negociado por Ayeb no início de 2021 é válido até o final de 2023. “Resta saber qual será a tarifa cobrada quando o contrato for renovado. É uma preocupação”, afirma.

A manifestação de padeiros organizada pelo Coletivo para a Sobrevivência das Padarias e das Profissões Artesanais visa estender a tarifa máxima de eletricidade garantida pelo governo a todas as empresas do setor, independentemente do tamanho.

“Apesar das ajudas do governo para pagar as contas de energia e outros benefícios anunciados, isso não impedirá que nossas faturas dobrem, tripliquem ou até quintupliquem. Algumas empresas já fecharam e não podemos aceitar isso”, declarou à imprensa francesa o padeiro Frédéric Roy, da cidade de Nice, que criou a associação que organiza a passeata.

Padeiro Eddy Mariel, em Paris - Daniela Fernandes/UOL - Daniela Fernandes/UOL
Mariel conta que, com a alta dos preços de matéria-prima e de energia, seus custos subiram 65%Imagem: Daniela Fernandes/UOL

Entretanto, a profissão está dividida. O presidente da Confederação Nacional das Padarias Francesas, Dominique Anract, não participará da manifestação e não acha o protesto necessário. Ele acredita que, por enquanto, o setor tem sido ouvido pelo Estado.

Alguns têm mais meios para enfrentar a alta dos preços. É o caso do renomado padeiro francês Éric Kayser, que possui 300 pontos de venda, incluindo alguns no exterior. Ele utiliza a inteligência artificial para fazer cálculos para otimizar o consumo de energia. “Paramos o forno quando o cozimento termina e acendemos depois. É como um carro que ligamos só quando vamos usar”, diz ao TAB.

“Também temos mais cuidado com a utilização da farinha para evitar desperdícios e calculamos melhor a produção para evitar sobras de pães”, acrescenta. Por enquanto, seus contratos de energia também foram firmados antes da explosão das tarifas. “Veremos o que vai ocorrer quando formos renegociá-los.”

Os preços de seus produtos subiram pouco mais de 10%. A baguete “tradição” passou de 1,15 para 1,30 euro, e o croissant, de 1,20 para 1,35 euro. Ele também espera que o setor receba ajudas. “O governo não pode deixar as padarias falirem.”

Na França, a profissão de padeiro é considerada simbólica. Em muitos vilarejos, uma padaria que fecha representa uma perda considerável para os habitantes. Para muitos, é como um serviço público, como uma agência dos correios ou uma estação de trem, que deixa de existir na localidade. Na atual crise das padarias, se não tiver pão, que dirá brioche.

Informações TAB UOL

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