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Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Eram por volta das 19h do dia 14 de agosto de 1922, quando Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, dois irmãos e mais um grupo de cangaceiros foram até Água Branca, no sertão alagoano, fazer uma tocaia e cumprir uma missão que juraram a si mesmos.

Eles esperavam a passagem de um homem: Manoel Cipriano de Souza, que foi morto com três tiros, um dado por cada um dos irmãos Ferreira.

Revelação importante

Segundo Lampião, foi ele quem delatou o local onde estava seu pai, José Ferreira dos Santos, no dia 18 de maio de 1921. Nessa data, ele foi morto pelo tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão, em Mata Grande, sertão de Alagoas.

A morte do pai de Lampião é um episódio marcante para o cangaço. A história conta que os irmãos Ferreira resolveram entrar na vida do crime para vingar os ataques que o pai sofria de um vizinho —que virou inimigo— chamado Zé Saturnino. A morte do pai foi o estopim para eles entrarem no cangaço.

Justiça acha processo
O processo judicial que denunciou Lampião e mais quatro cangaceiros pelo crime estava guardado no Fórum de Maceió. Ele traz detalhes que eram desconhecidos do crime.

O documento foi encontrado recentemente, junto com outros processos, pelo juiz e historiador Claudemiro Avelino. Todas são denúncias que acusam Lampião ou cangaceiros do seu bando por crimes de mortes, roubos e estupros.

No assassinato do suposto delator Cipriano foram denunciadas cinco pessoas:

Lampião


Livino Ferreira, irmão de Lampião


Antônio Ferreira, conhecido como Esperança e também irmão de Lampião


Antônio Rozendo, conhecido como Antônio Gelo


Antônio Bagaço

Em depoimento à polícia, a testemunha Manoel Pedro de Alcântara narrou tudo que houve naquela noite. Diz que ele e Manoel Cipriano estavam cruzando a cancela do Mané, vindos da feira de Água Branca, quando homens armados com rifles o abordaram.

Lampião mandou eles descerem dos cavalos e perguntou o nome deles. Cipriano, o primeiro a responder, recebeu logo uma resposta do chefe: “É esse mesmo que estamos esperando.”

Ao reconhecer seu alvo, ele mandou que a testemunha se afastasse e não saísse até ele dar uma “ordem expressa.”

Cipriano foi então arrastado para um local ao lado do cavalo em que estava, quando Lampião perguntou sobre o dinheiro que ele levava. Ele tinha apenas 10 mil contos de reis, pouco para a época.

Tortura e morte
Outra testemunha do crime, Silvino Antônio dos Santos afirmou à polícia que Cipriano ainda perguntou o que Lampião queria, e disse que “ele daria para salvar a vida.”

A frase dita por Cipriano, segundo testemunhas que depuseram, foi:

“Lampião, não me mate. Deixe eu criar minha família.”
-Manoel Cipriano

Não adiantou. Lampião ainda “judiou” de Cipriano (não há detalhes de como) e o sentenciou em seguida.

“Agora você conhece Lampião. Foi você quem indicou onde meu pai estava para o matarem. Agora você é quem vai pagar.”
-Lampião

Lampião então se afasta para trás e dá o primeiro tiro. Os dois irmãos de Lampião que o acompanhavam deram mais dois em seguida.

“Foram três tiros; no segundo tiro ele caiu por terra.”
-Manoel Pedro de Alcântara, testemunha

Após os tiros, e vendo a vítima no chão, um do cangaceiros disse: “Basta, vamos embora.” Foi quando outros integrantes do bando saíram do meio do mato, onde estavam na espreita para dar segurança aos irmãos Ferreira. Na fuga, um dos cangaceiros montou e levou o cavalo da vítima.

A morte não foi a única vingança dos irmãos. Após matarem, eles foram até a casa onde morava Cipriano. Ao chegarem, um filho da vítima perguntou aos cangaceiros o que eles queriam e o que tinham sido os tiros na cancela. Lampião então respondeu: “Vá lá examinar.”

As testemunhas narram que eles em seguida empurraram o filho e entraram na casa, onde quebraram portas, baús, celas, móveis e roubaram “tudo que “tudo que puderam”. Logo depois, fugiram em cavalos.

Lampião e mais quatro denunciados
A promotoria pública de Alagoas, após os depoimentos, denunciou Lampião e outros quatro cangaceiros identificados pelas testemunhas no dia 9 de outubro de 1922. Cinco dias depois, o juiz da comarca de Água Branca acolheu e pronunciou (mandou a julgamento) os réus.

Só que o processo nunca andou, e ninguém foi julgado.

Foram dadas várias ordens de intimação dos réus, mas sempre falavam que não os achavam, ou creio que não iam atrás para notificar. Naturalmente, todos tinham medo de Lampião
Claudemiro Avelino, historiador e juiz

Nenhum dos cangaceiros foi levado a julgamento em nenhuma das denúncias encontradas até aqui em Alagoas.

Em 1939, um ano após Lampião ser morto na grota do Angico, em Sergipe, um dos processos foi declarado extinto. “Nós demais processos não achamos isso essa extinção, mas talvez tenha havido uma ordem para que todos fossem arquivados, mas não encontramos”, diz.

Esse e os outros processos achados fazem parte da pesquisa de Claudemiro, que vai render um livro sobre o cangaço. A obra está em fase final de seleção de imagens para publicação.

Todos também serão digitalizados aos poucos e colocados para acesso público.

“Esses documentos são essenciais, porque sobre o cangaço há muita fantasia e folclore. O processo é um documento primário, original. Ele serve para espantar todas as dúvidas”.

Historiador, ele fez um curso de restauração de documentos antigos e passou a analisar cada um deles. O conhecimento sobre o tema o levou a ser chamado para ajudar na montagem do Museu do STF. Também foi ele responsável pelo museu no TJ (Tribunal de Justiça) de Alagoas.

Em Alagoas, diz, será montado um laboratório de restauração de documentos históricos.

Fonte: Carlos Madeiro/Uol Notícias

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