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Realizado em uma ecovila na Bahia, o festival "Sexsibility Brasil" reuniu 120 participantes, a maioria mulheres - Felipe Brêtas
Realizado em uma ecovila na Bahia, o festival “Sexsibility Brasil” reuniu 120 participantes, a maioria mulheres Imagem: Felipe Brêtas

“Não queremos anular a rapidinha da sua vida, mas provar que sexo não é só um ato de alívio físico.”

É fim de tarde e cerca de 50 pessoas dispostas em círculo ouvem atentas os ensinamentos de uma terapeuta sexual, que mostra técnicas para “alcançar o êxtase” através da “arte do prazer próprio”. Primeiro passo: respiração. Os participantes inspiram lentamente o ar e soltam um gemido orgástico enquanto expiram. “A arte do autoprazer começa pela respiração, mas o toque, o som e o movimento também são importantes”, garante.

Depois de 20 minutos compartilhando suas experiências e explicando o significado de sexualidade sadia, ela lança: “Agora, vamos para a prática”. É nessa hora que pede aos presentes que fiquem de quatro. A nudez está liberada.

“Simulem um círculo com o ‘rabo’ de vocês. Vamos! Quero ouvir a respiração, mais alto”, estimula a terapeuta. O movimento tem que partir do cóccix e seguir até o pescoço. “Tocar-se é um exercício de meditação.”

Festival Sexualidade Brasil - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
Os dias amanheciam com uma meditação, às 7h. Quem se sentisse confortável, podia fazer as práticas despidosImagem: Felipe Brêtas

A palavra “masturbação” não é mencionada. “Fomos condicionados a achar que autoprazer é algo feito rápido, por puro tesão. Aqui, vamos desconstruir esse conceito juntos. “Quem se sentir à vontade, pode deitar no chão.” Imediatamente, o círculo se fecha e corpos nus se espalham pelo espaço. Os toques nas genitais são lentos.

O workshop de quase duas horas culmina com alguns alcançando o clímax e dá uma prévia do que está por vir.

Das genitais vêm o poder do coração

No início de fevereiro, Universa passou quatro dias no “Sexsibility Brasil”, primeira edição nacional do festival de sexualidade positiva que acontece há 12 anos na Suécia. “Comecei esse trabalho porque eu era neurótico com relação à sexualidade”, conta o sueco Lorenzo Stiernquist, de 50 anos, fundador do movimento.

Ele relembra: “Terminei um casamento de 14 anos, perdi o emprego e tinha dois filhos para criar. Fiquei perdido. E resolvi olhar para a minha vida sexual”. Depois de ler um livro que falava sobre o “poder do orgasmo no empoderamento feminino”, decidiu criar eventos que exploravam a temática. Logo se tornou professor de tantra, coach de sexualidade e fundou o Sexsibility Festival.

Festival Sexualidade casal - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
A prática da nudez fica restrita a algumas áreas por causa de desavenças com a comunidade da vila ecológica da Bahia escolhida para receber o eventoImagem: Felipe Brêtas

Trazido por um brasileiro que participou do festival sueco em 2019, ele pede para não ser identificado por trabalhar no mercado financeiro. Ainda assim, na abertura do evento, sobe ao palco e declara: “Para mim, é um sonho sendo realizado. Nesses dois anos e meio eu descobri meu propósito de vida: fomentar a sexualidade saudável no mundo”.

As condutas e normas são claras: é vetado o uso de qualquer substância de expansão de consciência (drogas, álcool ou cigarro) e a prática da nudez fica restrita a algumas áreas por causa de desavenças com a comunidade da vila ecológica da Bahia escolhida para receber o evento.

Quanto à camisinha, uma regra básica: o usuário deve jogar o “fluído sagrado” (sêmen) na natureza, lavar o objeto e descartá-lo em caixas de papelão disponíveis. A promessa era a de que o lixo produzido viraria material para bioconstrução.

O evento de abertura se encerra sob um forte coro de respiração orgástica e um pedido de Lorenzo: colocar uma das mãos sobre a genitália e a outra sobre o coração. “Das genitais vêm o poder do coração.”

Sexualidade enquanto “tratamento espiritual”

Encravada entre o rio e o mar, a área do festival é composta por três “ocas” temáticas, onde acontecem as palestras e workshops, além dos espaços reservados para a troca sexual: um playroom e um centro tântrico que só funcionam à noite. As atividade são classificadas por desenhos de “chillis” (pimentas), que variam de acordo com sua intensidade.

Kamila Camillo, 29 anos, consultora de projetos digitais - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
Kamila Camillo estava há três anos sem ter relações sexuais: “Vim para um processo de cura”Imagem: Felipe Brêtas

Entre as opções, palestra sobre “sexo sagrado solo com respiração”, aula sobre “cordas (shibari) tântricas” para casais e um workshop sobre pornografia pessoal. Em comum, a abordagem espiritual do assunto. “Vim para um processo de cura”, conta a consultora de projetos digitais Kamila Camillo, de 29 anos, que estava havia três anos sem transar. Depois de uma desilusão amorosa, decidiu “focar” a energia sexual em outras áreas, como a profissional.

O celibato, segundo ela, funcionou. Só que tinha chegado a hora de quebrar o jejum de sexo. “Não vim para cá esperando nada do festival, mas sim de mim. Acho que aqui consigo ser quem eu sou e viver a sexualidade da maneira que quiser”, afirma.

Acredito que só dá para alcançar a cura através da liberdade. E a verdadeira liberdade só a sexualidade pode trazer Kamila Camillo

A carioca Vanessa também chegou atrás de um tratamento espiritual para a própria sexualidade. “É uma área que venho curando dentro de mim. Entrei nesse mundo porque descobri que tinha o chacra da sexualidade bloqueado. Queria aprender ferramentas e atividades para me curar”, explica.

A carioca Vanessa - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
A carioca VanessaImagem: Felipe Brêtas

Ela, que é massoterapeuta tântrica e tem 22 anos, descobriu esse descompasso entre o “yin and yang” por causa de relacionamentos passados. “Era muito dominadora com meus parceiros. Sentia que os caras não eram suficientes para mim. Não sabia comunicar como gostava de ser tocada, era traumatizada por causa da minha infância violenta”. No festival, ela garante estar sendo tratada.

Para receber o “tratamento”, Vanessa desembolsou R$ 1.900 pelo ingresso do festival, que chegava a R$ 5 mil para quem optasse por uma suíte particular (com refeição inclusa).

Playroom com forró e centro tântrico

Uma meditação abria os dias, às 7h. Quem se sentisse confortável, podia fazer as práticas despidos. Um time de facilitadores oferecia atendimento emocional aos participantes — o “emoteam”. Diariamente, também aconteciam as “partilhas”, momento em que um grupo de participantes conversava sobre suas vivências no festival.

Luiza Tormenta  - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
A pornógrafa paulistana Luiza Tormenta Imagem: Felipe Brêtas

Para a pornógrafa e educadora sexual Luiza Tormenta, de 30, sexualidade nunca foi um problema. Pelo contrário: “Claro que a sexualidade pode ser doentia, mas os debates que o festival levanta vão além do sexo, como é o caso das rodas e palestras sobre consentimento que acontecem aqui”.

Existe algo de espiritual no prazer. No ápice do orgasmo é quando me sinto mais próxima de Deus Luiza Tormenta

Foi em busca dessa plenitude espiritual que a americana Kristina Caltabiano aterrizou no litoral sul da Bahia. “Meu propósito é repensar a maneira como vejo a minha sexualidade. Em uma relação com homens, me entrego demais e esqueço de olhar para mim. Aqui, estou buscando redefinir meus limites com o outro”, desabafa. Para ela, participar do evento é um “ato de amor próprio”.

Solteira aos 32 anos, nômade digital e com uma vida sexual ativa, Kristina revela ter dificuldades em algumas atividades. “Quando estou em um grupo só de mulheres, me sinto segura. Com homens, meu corpo responde instantaneamente”, reflete.

Festival Sexualidade Brasil - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
Facilitadora conduz atividade com participantesImagem: Felipe Brêtas

Dos 120 participantes do evento, cerca de 80 são mulheres. Ainda assim, a presença masculina é marcante. A maioria héteros, brancos e cisgêneros, traziam barba no rosto, usavam coque, falavam sobre poliamor e praticavam yoga.

O desconforto de Kristina é compreensível. Apesar das palestras sobre consentimento e a importância de respeitar a vontade alheia, alguns homens dirigiam seus olhares para os corpos das mulheres de maneira possessiva.

Em workshops que envolviam toque físico — ainda que limites fossem traçados — participantes insistiam para romper esses pactos. “Não estou te abraçando, este é — na verdade — um exercício do tantra”, ouvi de um deles.

Julia Flores (à esquerda), nossa repórter, participou do evento - Felipe Brêtas - Felipe Brêtas
Julia Flores (à esquerda), nossa repórter, participou do eventoImagem: Felipe Brêtas

Só foi possível experimentar o tesão coletivo ao escolher uma parceira do sexo feminino para realizar oficinas. “Olhe para ela como se fosse uma deusa. Trate-a como algo inalcançável, sinta desejo, dance para ela, honre-a”, instigava a facilitadora. E assim foi feito.

A prática da penetração não era estimulada em oficinas nem workshops; só era permitida no “playroom”, uma cabana temática formada por folhas de bananeira, luz neon e corpos nus. No ar, o cheiro de incenso. Gemidos e barulhos de tapa contrastavam com o som do forró que vinha do fundo da casa.

“Vá para o playroom mesmo que não faça nada; vá e fique olhando. Ainda que você se ache um estranho no ninho, é importante se habituar. Com o tempo, ficará mais confortável com o ambiente”, pregavam os facilitadores. Foi o que fiz. Para tentar entrar no clima, deixei me levar pelo ritmo do forró enquanto, no quarto ao lado, casais transavam. A sintonia com o parceiro de dança não foi das melhores — a energia não bateu. Naquela noite, fui para a cama sozinha.

Penetração energética

Embora não tenha gozado do festival na sua plenitude, a experiência foi positiva. Nunca imaginei participar de uma oficina sobre “penetração energética”, em que um grande pênis dourado e imaginário “ocupava” a sala.

Ver tantas mulheres em um só lugar celebrando a própria sexualidade, questionando padrões, se tocando, foi libertador. As palestras e rodas de conversa sobre consentimento também foram importantes — olhar para si mesma e questionar os próprios limites é enriquecedor.

Sem dúvidas, aproximei ainda mais o coração da genitália, como ensinou Lorenzo. “Ano que vem queremos realizar o festival novamente”, planeja ele.

Informações Universa UOL

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