Foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado o PL (projeto de lei) que cria uma pensão de R$ 1,5 mil por mês para crianças e adolescentes que perderam seus pais para a covid-19. Entretanto, ainda não há previsão para o avanço na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).
O Brasil tem mais de 113 mil menores de 18 anos que perderam pai, mãe, ou ambos para a covid. Os dados são do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que levantou o número entre 2020 e 2021.
O princípio do projeto é diminuir os impactos da pandemia nessas famílias. Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), que propõe o PL 2291/21, as crianças e adolescentes em situação de orfandade não contam com necessário apoio do governo.
A fonte dos recursos e a definição de quantas pessoas estariam aptas a receber a pensão serão discutidas na CAE. Porém, o gabinete do vice-presidente da comissão, senador Angelo Coronel (PSD-BA), informou que é “praticamente impossível” o PL avançar ainda neste ano. O titular da CAE, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), disse que pretende “dar celeridade no projeto”, mas não apresentou uma previsão exata para tramitar o texto.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que o presidente Lula tem “preocupação” em reparar menores que perderam os pais para a covid. O posicionamento foi dado na sexta-feira (24), durante a cerimônia de sanção de uma pensão para filhos de vítimas da hanseníase.
Meu neto perdeu a mãe no dia 5 de junho de 2021. Pouco tempo depois ele completou 14 anos. Semana passada surgiu o assunto de morte, e ele falou: ‘Não tenho medo de morrer porque a metade de mim já foi com a minha mãe’. Só para você ter uma ideia de como não há superação para isso
Madalena, avó de um adolescente em situação de orfandade pela covid
O neto de Madalena é uma das 40 mil crianças e adolescentes no país que perderam a figura materna na pandemia. O dado foi levantado pela Fiocruz. Madalena é o nome fictício da mãe de uma vítima da covid-19 que prefere não se identificar.
A avó relata que contou com apoio financeiro e emocional da família e dos amigos, em meio à dor do luto e à burocracia para regularizar a tutela de seu neto.
A gente se juntou em apoio à criança. Então todo o suporte, de todas as formas, veio da própria família e amigos. Só procurei o Estado para conseguir um documento no conselho tutelar como responsável por ele.
Madalena, avó e tutora de um adolescente em situação de orfandade pela covid
Madalena explica que o neto se sentiu como um peso quando a mãe morreu. A avó conta que sua filha era mãe solo e nunca deixou faltar nada para o menino.
Agora a gente está vendo uma luz no final do túnel e espera que aconteça [o avanço do PL]. Isso é direito, não é esmola. E se a família não tem, o governo tem que ajudar.”
Eu acho absurdo o órfão ser responsabilidade só da família. As famílias precisam de ajuda financeira, mas não só isso, também de um suporte, de uma ajuda psicológica. É preciso alimentação, educação, mas também alguém que visite para ver se está tudo bem, para conversar.
Madalena
Acredito que o governo tem plena concordância sobre o PL. Há a possibilidade de a pensão sair do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), mas também há uma discussão sobre a possível criação de um fundo da orfandade. Mas isso será discutido junto ao governo.”
O objetivo do PL é buscar justiça para muitas pessoas. Com a perda de seus pais, muitas dessas crianças se viram sem condições básicas e passaram a depender de terceiros.
Humberto Costa (PT-PE), senador autor do projeto de lei
Pelo projeto, para ter direito ao benefício de R$ 1,5 mil, a criança ou adolescente não pode estar recebendo pensão por morte. Segundo o texto, a família deverá seguir os seguintes requisitos:
Existe uma “falha grave” no projeto proposto no Senado e por isso ele deve ser revisto. A opinião é do coordenador da Coalizão Nacional Orfandade e Direitos, Milton Alves Santos.
Uma questão que a gente luta contra é o PL restringir que a família tenha acesso a outro benefício. Ele confunde a responsabilidade do Estado e responsabiliza, novamente, as famílias mais pobres.”
Segundo: esse projeto tem um recorte de renda que é para miseráveis, né? Quais são as famílias que vivem com R$ 3 mil? É ridículo. O recorte dessa renda deveria ser pelo menos o mesmo que se usa para pagar o imposto de renda. Ou uma renda básica de R$ 5 mil.
Milton Alves Santos, coordenador da Coalizão Nacional Orfandade e Direitos
Apoio além do financeiro. O coordenador também critica a ausência da obrigação para que o Estado ofereça para as crianças e adolescentes um suporte psicológico.
Essa criança perdeu as pessoas de referência e tem que lidar com a ausência desses pais. Então eu acho que é um dever do Estado, na medida em que esse mesmo Estado não preveniu a morte do pai. Existe uma responsabilidade governamental pelas mortes. Essas crianças não são só da família, elas são da sociedade também.
Dayse Bernardi, psicóloga presidente da Associação de Pesquisadores e Formadores da Área da Criança e do Adolescente (Neca) e integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)
A pesquisadora explica que há um déficit de políticas públicas para essa nova geração de crianças e adolescentes que passaram pelo trauma recente do luto por conta de uma pandemia.
O governo, a sociedade e a nossa Constituição têm que assegurar as condições de dignidade humana. Dar condições mínimas para que as famílias possam cuidar dos seus filhos, dependentes, ou seja, a responsabilidade do cuidado, da proteção, da educação. Isso talvez não esteja em destaque com o PL, até porque existe o custo emocional e o custo econômico.
Dayse Bernardi
Projetos semelhantes já existem em outras esferas no Brasil. No Maranhão, ainda em 2021, o governo estadual apresentou o “Auxílio Cuidar”, que disponibiliza R$ 500 mensais para jovens que perderam o pai e a mãe, até a maioridade civil.
Informações UOL