Por: José Luiz Portela – UOL – Todos no Brasil, sem exceção, vivemos um mal-estar amplo e difuso. Não nos encontramos felizes, nem otimistas. Lulistas, bolsonaristas, nem-nem, tanto faz, todos estão tragando uma fumaça tóxica da violência que nos constitui. E assola.
Em “O mal-estar na civilização”, um clássico, Sigmund Freud realiza um escrutínio sobre as origens da infelicidade, os conflitos entre os indivíduos e a sociedade. Escrito às vésperas da crise de 1929, simbolizada pelo colapso da Bolsa de Nova York, foi publicado em Viena no ano seguinte. O título original foi: “Das Unbehagen in der Kultur”. Freud entende que 3 fontes produzem nosso sofrimento: 1) prepotência da natureza; 2) fragilidade de nosso corpo; 3) insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado e na sociedade. Simplificando, existe um instinto de construção, de modelagem de uma sociedade acolhedora e saudável, representada por Eros, e um instinto agressivo e destruidor, que contém nossa violência congênita, Tânatos, o instinto de morte. Que se antagonizam. O homem não é só bom por natureza, e o mal existe, porque tem um instinto de violência natural, dentro de nós. Não somos só bonzinhos e quem nos estraga é a sociedade, não; temos o mal também incrustado, e cabe saber lidar com isso. Conforme Freud, “uma parte do instinto se volta contra o mundo externo (que tem sido bem hostil a nós, brasileiros) e depois vem à luz como instinto de agressão e destruição. É a quadra que está em curso.
pior é que Lula e Bolsonaro, que juntos representam cerca de 75% do eleitorado brasileiro, concorrem para piorar o ambiente. Ambos são autoritários, onipotentes, messiânicos, dissimulados e têm falado bobagens a granel, contribuindo para a desinformação e aumento da agressividade. Qualquer debate entre amigos que se alinham em lados contrários se torna uma batalha oral, onde, aos poucos, o vocabulário vai perdendo o nível e enveredando para a desqualificação do outro.
Lula, no afã de parecer um demiurgo da redenção do Brasil à democracia e ao processo civilizatório, tem sido mais dissimulado, atingindo, em momentos, certa hipocrisia que assusta e causa repulsa. Pior para ele. A agressividade dele se explicita por trás de um falso amigo da paz e da conciliação. Ele pensa que não notamos que ele é nada bonzinho. Tem motivos para se sentir ofendido, mas não reage como alguém que deseja “dar a mão”. E tem muitos motivos para ser criticado, começando com a falsa ignorância do que ocorreu no Brasil do PT.
Bolsonaro, em sua limitação intelectual, e no alimento de seu lado primitivo e tosco, escorrega para o lado agressivo frontal, embora não despreze o cinismo também. A pergunta que muitos fazem, naquela “santa” ingenuidade do brasileiro, que sempre se considera vítima, nunca culpado de nada (tipo Lula), é o que fizemos para estar enredados nas duas opções. Fomos coniventes com o “jeitinho”, em várias situações de nossa vida pessoal, fomos agressivos na vida particular com amigos de bar e vizinhança, com as respectivas mulheres, fomos racistas em várias ocasiões, de forma disfarçada, pregamos um “politicamente correto” exagerado e fingido, para parecermos budas iluminados, a favor do bem, enquanto entendíamos que poderíamos levar vantagens pessoais, que abominamos nos políticos. Brasileiro é espetacular na sua capacidade de ação inovadora, criativa, adaptativa, é afetivo, mas não é bonzinho. Fascistas se fantasiam de defensores da liberdade e do direito de expressão, que eles extirpariam, um dia após assumirem o poder da forma que Bolsonaro deseja.
Burgueses acadêmicos combatem o instituto da burguesia, sendo burgueses no comportamento; socialistas e comunistas se travestem de defensores da civilidade e democracia, que extinguiriam, logo que tomassem o poder, como Prestes o faria. E Castro e Chávez fizeram. Somando os dois, a maioria brasileira não é democrata de verdade, quer usar a democracia para chegar ao poder e extingui-la. Os que pensam diferente são, infelizmente, minoria, uma minoria considerável, mas minoria. O mal-estar em que estamos metidos vem do nosso instinto violento, do nosso Tânatos nativo, e a hipocrisia de nossos dois candidatos líderes vem da nossa hipocrisia amena, feita com suavidade e afetividade. Somos o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. Os brasileiros da Sabinada, Cabanada, Palmares, Farrapos, Canudos, Revolta da Vacina, da Chibata, Confederação dos Tamoios, dos Cariris, Intentona Comunista, Revolução de 1930 e outras. Não estamos nessa só porque Lula e Bolsonaro possuem defeitos consideráveis, conforme o lado que analisa. Eles são patogênese, mas também sintoma e consequência, simultaneamente.
Os discursos que fizeram em 1º de Maio foram sem conteúdo e alimentaram a disputa agressiva. Bolsonaro insultou a Constituição. Em certo ato seus correligionários, que nele se inspiram, rasgaram a Constituição em nome de falsa liberdade. Lula falou de forma agressiva, quase sem fôlego vital, e consagrou a demagogia com aquele “vamos acabar com as salas de tiro e fazer bibliotecas”, que não fez, quando presidente, da forma figurativa que falou. Tergiversou.
Ao lado de várias lideranças velhas e de aspecto do “mais do mesmo desalentador”, Lula enalteceu seu autoengano de ser o Dom Sebastião I do Brasil. O Lula de gente nova se adornou de gente velha. O mal-estar que estamos vivendo é “coisa nossa”. Lula e Bolsonaro são tristes alternativas insuficientes para o país que precisamos. Todavia, são os nossos produtos. “Nossa dor é perceber que apesar de tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.