Foto: SquareOne / Universum
É fundamental ler os tantos indícios que a vida não se cansa de propagar, e, dessa forma, ter uma noção ainda que vaga de para onde seguir. Em “Enquanto Somos Jovens”, Noah Baumbach ratifica sua capacidade de apontar misérias e falsas glórias da vida a dois — e ele faz isso como poucos —, e esta história nada linear desloca-se por numa fluida zona transicional das apreciações conjugais de Baumbach, cujo princípio se deu com “A Lula e a Baleia” (2005), firmou-se em “Margot e o Casamento” (2007) e foi coroada com “História de um Casamento” (2018), para não mencionar o quase hermético “Ruído Branco” (2022).
Aqui, a vontade do diretor quanto a tirar o véu de perfeição das relações amorosas torna-se clara à medida que um personagem tão sedutor quanto controverso ganha espaço, exatamente como são os antagonistas das ficções que transformaram o cinema uma manifestação artística tão popular, e este é mais um coelho que Baumbach consegue tirar da cartola. Assertivo sem ser ranzinza, Baumbach ainda ganha o espectador com considerações muito pertinentes acerca do que define a verdade de seu ofício, colocando na boca do anti-herói questionamentos éticos que nunca envelhecem.
A transcrição de uma passagem de “Solness, o Construtor” (1892), do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), cativa o espectador ao dar uma pílula da inquietação do protagonista frente a jovens que anseiam por conhecer um recinto que Solness guarda só para si. O impasse, corpóreo ou metafísico, tem o condão de acender no anti-herói de Ibsen dúvidas que ele julgava impróprias para a idade de um senhor entrado em anos, torturado pela presença de Hilde Wangel, uma jovem que o instiga a superar as confortáveis barreiras que ergueu em torno de si.
Parece que se vai começar a ouvir “Eu e a Brisa” (1967), composta por Johnny Alf (1929-2010), mas o que toca é uma versão de “Golden Years” (1975), de David Bowie (1947-2016), decerto vinda de uma caixinha de música. Uma mulher admira um bebê enquanto a melodia inunda o ambiente, como numa Pietà às avessas, a criança oferecendo consolo àquela figura um tanto comovente, que tenta retribuir contando a fábula dos três porquinhos, reformulada pelo australiano Joseph Jacobs (1854-1916) em 1853, mas se perde logo.
O pequeno começa a chorar, Cornelia, que o observava, e o marido, Josh, ficam um tanto desesperados, mas os pais dele irrompem na sala. Este poderia ser um enredo sobre as agonias de um casal no princípio da meia-idade que não têm filhos e, pior, não sabe se devem ou não tê-los. Naomi Watts e Ben Stiller mantêm o altíssimo nível de suas performances até o fim, enquanto o diretor-roteirista acrescenta mil novas situações ao longo dos 97 minutos, a mais interessante delas sem dúvida o choque geracional depois que dá azo a uma amizade e que torna a degringolar no bem-elaborado clímax que denuncia um plano algo previsível de Jamie, o personagem de Adam Driver, para se estabelecer na carreira de documentarista, ofuscando o trabalho de Josh, conhecido no ramo, mas começando a embicar para baixo.
Talvez o grande desperdício seja Amanda Seyfried como Darby, a loura burra e ingênua que aparentemente não conhecia as intenções de Jamie, seu namorado, e acaba saindo mais apagada que quando entrou. Fora esse mínimo deslize, “Enquanto Somos Jovens” é uma potente reflexão a respeito de se saber posicionar-se no lugar em que a vida nos coloca e sobre adultos moderninhos sendo engambelados por garotos excessivamente ambiciosos que precisam envelhecer rápido. Antes que tudo se desvaneça.
Filme: Enquanto Somos Jovens
Direção: Noah Baumbach
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10
Informações Revista Bula