Por Tasso Franco
Houve uma época nesta cidade da Bahia em que a vida noturna era pulsante, quer no centro histórico; quer nos bairros para dançar e farrear; vadiar e acasalar; flanar sem medo de ser feliz.
Quem é antigo como eu lembra do Rumba Dancing, do Tabaris, do Varandá, do Maria da Vovó, no Anjo Azul, do Cacique, do XK, Braseiro da Ladeira da Praça, do Oceania, do chope La Fontana na Carlos Gomes.
Havia até um pouso da madrugada no Largo de Amaralina que sequer tinha portas, o Gereré; e no Cosme de Farias, em Semirames, brincava-se com os copos e a prosa até as madrugadas; na Boa Viagem e na Ribeira, nos divertíamos no Caçuá e no Tainheiros.
A Barra era um paraíso desde a Maria Fumaça aos clubes chiques e populares com seus bailes nos finais de semana, na Associação Atlética, no Palmeiras, no Democratas, no Amazonas e, de quebra, nas madrugadas descer a terceira escada rumo as areias da praia e ao amor.
Pensar sobre o tempo e todo esse retrocesso imaginando que teríamos continuidade com outras formas de viver a cidade às noites é um passatempo desagradável já que, nesse alvorecer do século XXI, vivemos enjaulados.
Há grades em nossas casas por todos os lados nas residências dos ricos, dos pobres, dos remediados, das autoridades, dos juízes, dos parlamentares, dos templos religiosos, nos colégios, universidades, ninguém escapa dessa vigilância permanente acrescida de cães e câmeras.
Até imagens de santos vivem em nichos enjaulados e furta-se os dízimos na Irmandade do Senhor do Bonfim a ponto de Sua Eminência, o cardeal, intervir nomeando um monsenhor probo.
Esse é o ambiente na Cidade da Bahia que já foi de paz e amor, do pombo Correio, do caminhar sem lenço nem documento nas dunas do Abaeté e nas areias das praias.
Dorival Caymmi teria sido um profeta desse novo tempo? Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia/ Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia/ “Bem, não vá deixar a sua mãe aflita/ A gente faz o que o coração dita/ Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão.
É isso, agora, proíbe-nos de sairmos às noites, de tomarmos um chopinho a beira orla, curtir o largo da Dinha, degustar o sorvete na balaustrada da Ribeira diante de tanta maldade e balas perdidas a voar.
Na década de 1970, Vinicius de Moraes e Toquinho cantavam: É bom passar uma tarde em Itapuã/Ao sol que arde em Itapuã/ Ouvindo o mar de Itapuã/ Falar de amor em Itapuã/ Depois sentir o arrepio/ Do vento que a noite traz/ E o diz-que-diz-que macio/ Que brota dos coqueirais/ E nos espaços serenos/ Sem ontem nem amanhã/ Dormir nos braços morenos/ Da lua de Itapuã.
Devolva-nos essa velha vida senhores e senhoras autoridades das gravatas, togas e colarinhos engomados. Juro que tenho saudade desse tempo da cidade inteira e não pela metade, do meio turno. Viramos repartição pública.
Hoje, é-nos proibido dormir nos braços morenos da lua de Itapuã, das dunas do Abaeté, do luar da praia de Tubarão, da colina do Monte Serrat e até do largo onde fica a Basílica do Senhor do Bonfim.
Resta-nos, oh! que tristeza, o sol se pondo em Cacha Pregos vendo-se da encosta do Farol da Barra e, logo em segunda, o caminho de casa como cordeiros de Deus.
A cidade perdeu o seu glamour dos luares, do seu encanto das noites, e olhar a beleza da lua cheia só é permitido das janelas das casas e apartamentos, das cornijas das igrejas ainda, arriscados, a seremos atingidos por alguma bala perdida que zunindo no espaço não tem endereço certo.
Eu, o andarilho desta cidade, limito-me a flanar apenas no quadrilátero do centro histórico e quando vou a algum sitio na minha vizinhança, para algum serviço, no Calabar, na Sabina, no Alto das Pombas, fico atormentado.
Era cliente há decênios da borracharia da entrada do Calabar de longos anos e, hoje, evito-a; freguês da oficina do mestre Botafogo, na Sabina, que também evito.
E o que dizer de andar pela Capelinha do São Caetano, pela Valéria, Saramandaia, São Bartolomeu, Avenida Peixe, Pedrinhas, Rua Direita do Uruguai, praça da Revolução, em Periperi, no Boca de Galinha da Plataforma que tanto gostava, nem pensar.
Fui expulso (eu e todos os outros estranhos a esses sítios) desses bairros porque não nos enquadramos dentro do código estabelecido pela bandidagem, aquele que vale, uma vez que o código Hamurabi, dos togados, não serve para nada.
Quando escrevia Dom Quixote em seu prólogo na dúvida do que colocaria no papel, Cervantes foi visitado por um amigo que lhe fez muitos questionamentos e acordou para o escrito dando um tapa na testa.
Estamos assim, vivendo em pensamentos e precisando de um papa desses a darmos nas autoridades, um tapa na consciência.
Somos, pois, os baianos da capital, da Cidade da Bahia outrora de paz e amor, plena, inteira, cheia, noite e dia, agora, apenas pássaros que somos regulados pelo tempo e, ao escurecer, ao sol se por no horizonte, irmos para casa e dormir.
Vivemos numa cidade pela metade do raiar ao por do sol.
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