Homens têm anunciado vários serviços por meio de aplicativos de relacionamento gay. São faxineiros, eletricistas, pedreiros, pintores e motoristas particulares, entre outros. No pacote, eles também oferecem sexo para quem estiver interessado. Alguns cobram um valor extra, enquanto outros incluem o item como “brinde”.
Reportagem identificou vários perfis que disponibilizam esse tipo de serviço. Eles estão no Grindr, um app direcionado ao público gay que mostra a quantos metros de distância você está da outra pessoa. Geralmente, o esquema funciona da seguinte forma: o perfil destaca o tipo de trabalho fornecido e, na bio, são acrescentados detalhes da atividade. Se houver interesse, o cliente precisa entrar em contato para combinar valores, pacotes e o local de encontro.
O UOL conversou com quatro profissionais. São pessoas que fazem atendimento em São Paulo, Guarulhos e Jundiaí (SP). Há todo tipo de orientação, e não são apenas homossexuais. “Sigiloso, r*** grossa e bom de cama. Gosto de gente educada. Se quiser cotar corrida, pode cotar”, diz anúncio de motorista. Ao enviar mensagem para fazer a cotação de uma corrida até Santo Amaro, na zona sul, o motorista complementa: “A mamad* vai de brinde. [Mas] não faço.”
D.C.S., de 28 anos, nasceu no Nordeste, mas mora há algum tempo em Heliópolis, na zona sul da capital paulista. Apesar de ser gay assumido, prefere não se identificar, com receio da família e de perder o emprego. Ele trabalha como inspetor de limpeza em uma empresa e oferece faxinas a clientes que usam o Grindr. Cobra entre R$ 150 e R$ 250, a depender do tamanho da casa ou do apartamento, mas com um diferencial em seus serviços: é o sexo com ou sem penetração. Dependendo do que o cliente deseja, o preço da diária pode mais do que duplicar, chegando a R$ 400.
Teve uma época que eu estava desempregado e desesperado. Procurava trabalho e não encontrava. Foi aí que, do nada, veio a ideia de divulgar os meus serviços no app. Eu, particularmente, considero um trabalho normal, porque se eu faço sexo com um e outro e não ganho nada… essas pessoas transam e te descartam como objeto. Então, se passo por isso, por que não juntar o útil ao agradável e ganhar uma grana?! Pelo menos eu saio com o bolso cheio e feliz.
D.C.S, em entrevista ao UOL
A sua clientela é formada majoritariamente por gays, solteiros e casados com mulheres. “Já me perguntaram se eu trabalhava de roupa feminina, de calcinha ou só com avental. Por grana, topo tudo”, afirmou ele, referindo-se ao fetiche que parte dos clientes revela ao contratá-lo.
O termo surgiu inicialmente da necessidade de donas de casa. Eram aquelas que precisavam da ajuda de homens em reparos, manutenções, reformas e instalações na residência e não sabiam exatamente a quem recorrer. Ser um “marido de aluguel” engloba realizar atividades como eletricista, encanador, pedreiro, telhadista, entre outros. Resumidamente, é o verdadeiro “faz-tudo”.
A atividade se espalhou para outros nichos em aplicativos de relacionamento. Percebendo o aumento de um público formado cada vez mais por homens solteiros que moram sozinhos, oferecer serviços de “marido de aluguel” passou a não ser algo tão raro assim em aplicativos gays. A diferença é que parte deles também oferece sexo no pacote. “Eu cobro R$ 200 só pelo serviço. E se o cliente quiser fazer uma chupe**, aí o valor é por fora”, disse um profissional de Jundiaí em resposta à reportagem, que simulou a necessidade de consertar a torneira da pia e a maçaneta da porta de casa.
Além do Grindr, perfis que atuam em outras plataformas, como o Telegram, também foram identificados pelo UOL.
Sexo como produto e novas formas de consumo.Ao UOL, o psicólogo Daniel Fernandes explica como a revolução sexual do século 20, avanços tecnológicos, maior acesso à informação, além de mudanças socioculturais, impactaram como a sociedade lida com a sexualidade. Ele argumenta que as pessoas passaram a consumir sexo como um produto e que o fenômeno observado no Grindr pode ser uma nova forma de consumo.
Passamos por uma pandemia e vínhamos de crises políticas e financeiras, o que afetou postos de trabalho e poder de compra, somado à precarização da mão de obra e do trabalhador. Este cenário pode ter sido condição importante para os trabalhadores terem visto uma possibilidade de aumentar sua renda, de ter um pouco mais de certa segurança financeira. Às vezes, podem não estar te contratando como um eletricista, mas, se você for um ‘eletricista com benefícios’, talvez você note um aumento quantitativo substancial com esse diferencial no número de solicitações para realizar consertos ou revisões elétricas, por exemplo. Sexo gera muito dinheiro.
Daniel Fernandes, psicólogo com atuação nas áreas de relacionamentos e sexualidade
Fernandes acredita que este fenômeno (pouco estudado, ressalta) seja mais característico das grandes cidades. “Locais onde se concentra muito dinheiro nas mãos de alguns, estes que podem ser solitários, ou mesmo ter certos fetiches, e do outro lado têm-se outros que vêm tentar a vida com condições financeiras adversas. É como se juntasse a fome com a vontade de comer.”
Quem oferta o serviço talvez veja que está oferecendo majoritariamente um serviço não sexual, mas que pode vir a ser, assim como quem contrata pode entender que está contratando um profissional que não é profissional do sexo, mas pode obter sexo desta relação. É diferente de eu fazer um programa ou de contratar um garoto de programa. Talvez tenha uma sensação de maior segurança, para ambos os envolvidos.
Daniel Fernandes, psicólogo com atuação nas áreas de relacionamentos e sexualidade
Márcio Stival, advogado especialista em Direito Digital, afirma que pela lei, em princípio, não há nenhum tipo de ilicitude. “É possível haver algum tipo de infração aos termos de uso dos aplicativos de relacionamento. Isso, claro, desde que sejam pessoas maiores e também que não haja indução ou exploração sexual para ter algum tipo de benefício ou lucro. Os aplicativos são os únicos que podem, de algum modo, criar um regramento interno que impeça esse tipo de oferta dentro do seu serviço.”
O UOL entrou em contato com as plataformas citadas na reportagem, Grindr e Telegram, mas sem resposta até o momento.
InformaçõeS UOL