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O ex-presidente da República Michel Temer, 84 anos, afirmou em entrevista  que o governo Lula 3 não tem projeto para o país e que passou um sinal negativo ao mudar as metas do próprio arcabouço fiscal que criou no ano passado.

Mandatário entre setembro de 2016 e dezembro de 2018, Temer instituiu em sua gestão o chamado teto de gastos (que corrigia o gasto do ano corrente pela inflação do anterior) e aprovou a reforma trabalhista, além de ter iniciado as discussões da previdenciária, finalmente aprovada em 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL).

“A sensação que eu tenho é que este governo não tem um projeto. Ou, se o tem, tem às escuras, não às claras. Não lança para a população”, diz Temer.

O ex-presidente acredita que a fase de radicalização política no Brasil está ficando para trás e que o desempenho positivo de seu partido, o MDB, no último pleito seria prova disso. Temer participou nesta terça-feira (29) do Lide Brazil Conference, em Londres, promovido pela Folha, UOL e Lide.

Muitos qualificam seu governo como reformista e tendo sido capaz de estabilizar minimamente a economia com o teto de gastos. Hoje, temos juros e dólar em alta, com a inflação pressionada. Como avalia o quadro?

Assim que eu cheguei no governo, percebi que a economia não se resolve num passe de mágica. Você não reduz os juros nem a inflação com uma única medida. É preciso uma série delas. Por isso, optamos pelas reformas, começando pelo teto de gastos.

Há o fundamento de que ninguém pode gastar mais do que aquilo que arrecada. Isso já começou a dar uma credibilidade extraordinária, porque o problema da economia está muito na segurança, naquilo que as pessoas alardeiam como sendo segurança jurídica, que nada mais é do que o cumprimento rigoroso do sistema normativo.

E disso decorre também a segurança, a credibilidade social, que permite investimentos. No nosso período, fizemos isso. Especialmente eu relembro a reforma trabalhista, o teto de gastos, o encaminhamento da [reforma da] Previdência, a Lei das Estatais, que recuperou a Petrobras e outras empresas.

Isso deu credibilidade. E, para isso, é preciso uma relação muito próspera entre o Executivo e o Legislativo. Porque, diferentemente do que todos pensam, o presidente manda pouco. Ele só manda se tiver apoio do Legislativo. E disputas entre Executivo e Legislativo prejudicam a credibilidade.

Você precisa ter muita unidade no governo, que é uma coisa fundamental. Você não pode ter disputa entre ministérios como, vez ou outra, eu verifico.

O atual governo criou o chamado arcabouço fiscal e já fez modificações, alterando metas para 2025 e sinalizando que o superávit de 1% do PIB será alcançado só em 2028. Como vê o cenário fiscal neste governo?

Em primeiro lugar, quero dizer o seguinte: a ideia do teto não feneceu. O que era o teto no meu governo? Era aplicar a inflação do ano anterior no novo orçamento. O que é o teto hoje? É a inflação do ano anterior, mais 0,5% a 2,5% [de crescimento real]. Se numericamente isso vai dar certo ou não, eu não saberia dizer. Mas ainda existe a figura do teto.

Agora, é preciso que haja aplicação rigorosa desse teto. Se houver titubeio, mesmo com esse teto modificado, teremos instabilidade. Mudar a meta não é útil.

Uma certa estabilidade legislativa também é importante. Porque também a credibilidade fiscal, econômica e social deriva da não existência permanente de modificações legais. Você acabou de dizer uma coisa que preocupa, essa modificação [no arcabouço].

O governo Lula 3 está terminando o seu segundo ano. Como o sr. o avalia até aqui?


Não vejo ideia de reformas pela frente. Temos a reformatação administrativa, mas está demorando. Eu não pude realizá-la porque eu tive pouco tempo de governo. Embora tivesse feito uma reforma administrativa silenciosa, quando eliminei muitos cargos de comissão, ao reduzirmos as agências do Banco do Brasil com programas de demissão voluntária.

Eu não vejo, digamos assim, um projeto, uma meta do governo. Por que que eu tive uma meta? Porque, em um dado momento [2015], na Fundação Ulysses Guimarães, nós resolvemos realizar um documento, que foi chamado “Uma Ponte para o Futuro”. Quando eu cheguei ao governo, eu tinha um projeto.

Essas coisas todas que falamos das reformas fundamentais, que resultaram na queda da inflação e da taxa Selic, estavam programadas. Com aquele projeto, fomos fazendo as coisas e isso deu credibilidade. Agora, acho que falta o anúncio de um projeto maior.

Como o Juscelino Kubitschek [presidente de 1956 a 1961], que tinha um plano de metas. As pessoas sabiam para onde o governo estava indo. A sensação que eu tenho é que este governo não tem um projeto. Ou, se o tem, tem às escuras, não às claras. Não lança para a população.

O sr. não teria nada para citar como projeto deste governo?


Por enquanto, não. Não saberia dizer. Evidentemente que há um esforço grande para reduzir a inflação, mas ainda é improdutivo. Você veja que a própria diminuição do desemprego —vários editoriais e jornais disseram— é um produto da reforma trabalhista. Ela produziu mudanças na lei, que levou alguns anos para ter o seu efeito.

Eu confesso que não vejo. Vejo boa vontade, mas não vejo execução e vejo muita divergência. Por exemplo, vejo as dificuldades que o ministro [Fernando] Haddad [Fazenda] tem muitas vezes para levar adiante certos projetos. Isso cria insegurança, o que não é útil para a governabilidade.

Aumentar a arrecadação não é ruim, mas aumentar os gastos é. Por isso que o teto de gastos não permitia a elevação dos gastos públicos. Então, dois pontos: você aumenta a arrecadação; muito bem, sinal que a produção vai indo bem. Mas não pode aumentar os gastos, senão uma coisa elimina a outra. E isso parece que está acontecendo.

O seu partido se saiu bem nas eleições. Teve o segundo melhor resultado em população a ser governada, 36,6 milhões [atrás do PSD, com 37 milhões] e ganhou em São Paulo, o que não ocorria desde 2012. Como avalia o fato de o centrão, do qual o MDB faz parte, ter sido o grande vencedor?

O MDB é o grande partido de centro do país. Sempre foi assim. Desde o momento da Constituinte [1988], quando trouxe o país para o centro. E acho que hoje, mais do que nunca, revelou-se que o centro, caminhando para a direita, prevaleceu.

Segundo ponto, o MDB saiu-se muito bem. Você acabou de dizer que pegou São Paulo, mas mais quatro capitais: Porto Alegre, Belém, Macapá e Boa Vista.

Acho que o MDB estabeleceu uma marca estupenda, que é o fato de o seu eleitor votar com uma despreocupação, sem radicalismo.

O sr. vê o Brasil saindo um pouco desse quadro de acirramento na política? O clima está melhorando?

Acho que essa eleição municipal é demonstrativa disso. Prevaleceu mais a moderação, a tranquilidade, o equilíbrio. O Ricardo Nunes [prefeito reeleito de São Paulo] é um exemplo disso. Embora esteja fora da vida pública, nas conversas que tenho com várias pessoas, vejo que todos estão cansados dessa radicalização. Não daquilo que eu chamo de polarização, que eu reservo para ideias.

Na democracia, você ter uma polarização de ideias, divergências, é fundamental. Porque senão você tem um governo absolutista. Tanto que a oposição é fundamental na democracia, porque ela ajuda, fiscaliza, contraria, contradita.

Mas acho que o quadro de radicalização foi derrotado agora e não é improvável que venha a ser derrotado em 2026.

O sr. fala em centro e fim da radicalização. Tem algum palpite para as candidaturas em 2026? Alguma no seu partido? O que acha do nome do Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo, do Republicanos]?

Não gostaria de nominar. Mas o Tarcísio é uma grande figura, sem dúvida. Seria um bom candidato, moderado. O conheço bem e tive a oportunidade de tê-lo no meu governo [como secretário para programas de parcerias e investimentos]. Faz um bom governo em São Paulo e teve uma vitória, como vimos agora, na eleição do Ricardo Nunes.

Tivemos um aumento vertiginoso do poder de alguns congressistas com as emendas, que somam cerca de R$ 50 bilhões por ano. Vimos que 98% dos 116 prefeitos mais beneficiados com emendas foram reeleitos, com uma média de 72% dos votos, grande parte do centrão. Isso não é ruim para a democracia, esse direcionamento financeiro?

Acho que está havendo um protagonismo muito grande do Congresso Nacional. No tocante ao orçamento, ele não só aprova, mas tem emendas impositivas, de bancada, de comissão. Enfim, as mais variadas, que são direcionadas a esses municípios. Então, volto a dizer, há um protagonismo muito grande do Congresso Nacional.

Isso pode conduzir um dia a uma reforma política radical. E o que chamo de reforma política radical é a mudança do sistema de governo, que é a ideia de um semipresidencialismo ou semiparlamentarismo.

Já que uma parte grande do orçamento está sendo direcionado ao Congresso, que ele seja responsável também pelos atos de governo. Porque hoje ele manda essas emendas, mas não tem responsabilidade nenhuma pela governabilidade executiva. Tem só pela governabilidade legislativa.

Mas e a transparência dessas emendas, do poder que esses parlamentares têm? Pois hoje têm nas mãos um instrumento para se perpetuarem no poder.

Há que ter transparência, até porque a Constituição determina a publicidade de todos os atos públicos, significando, portanto, a atuação dos parlamentares no tocante ao orçamento. Aliás, já caiu essa coisa do chamado orçamento secreto. Caiu porque era uma violência extraordinária contra a Constituição.

Então, é preciso cumprir rigorosamente a Constituição. Nesse particular da publicidade, da transparência, a Constituição determina isso em várias passagens.

Informações Poder 360

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