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Poliamor, trisal, namoro aberto. As novas formas de relacionamento ganham cada vez mais adeptos e colocam em questão a velha e conhecida monogamia. Afinal, por que grande parte da população humana é monogâmica? Existe alguma explicação biológica para isso?
Essa é uma questão que se torna ainda mais complexa quando se tem o conhecimento de que apenas 3 a 5% dos mamíferos do mundo se engajam em qualquer atividade monogâmica. Uma raridade no reino animal que é comum, e até padronizada, entre os seres humanos.
Esse é um tema que desperta interesse entre os estudiosos —embora ainda não haja consenso. Pesquisas feitas ao longo das últimas décadas identificaram dois hormônios que estão relacionados com a tendência à monogamia. São eles a ocitocina e a vasopressina.
As duas substâncias estão ligadas ao amor e podem fortalecer vínculos duradouros —sejam eles de amizade ou amorosos. Mas a ocitocina, em específico, também é responsável pela ligação entre mãe e bebê na hora da amamentação.
“Ela faz com que exista um aumento da confiança interpessoal, tendo um papel imprescindível nos comportamentos afetivos. Então é, sim, biológico o sentimento de aproximação entre pares”, explica Rita de Cássia Cavalcanti Brandão, psicóloga, neurocientista e mestre em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
Um estudo feito por cientistas do Instituto Nacional de Saúde, nos Estados Unidos, analisou uma espécie de roedor chamada arganaz-do-campo, que é conhecida pelo seu comportamento monogâmico. Eles descobriram que, quando inibiam os receptores de ocitocina desses animais, eles não mostravam nenhuma preferência por um parceiro, mas quando esse hormônio era estimulado, essa preferência reaparecia.
A vasopressina também demonstrou ser crucial na união dos casais —os monogâmicos continham mais receptores dessa substância do que seus primos não monogâmicos.
Apesar desse experimento ter se tornado muito popular na discussão sobre as origens biológicas da monogamia, essa não deve ser a única resposta quando se trata de seres humanos.
“Eu acho que não dá para explicar nenhum comportamento humano apenas pela genética. Sempre existe a correlação entre a genética do indivíduo e as influências culturais, dos seus pares, de onde essa pessoa mora e foi criada”, explica Eduardo Perin, psiquiatra especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Hospital das Clínicas da USP e sexólogo pelo Instituto Paulista de Sexualidade.
Brandão classifica a monogamia como um “tratado ancestral”, especialmente se pensarmos no Ocidente. Antigamente, os homens saíam para trabalhar enquanto as mulheres cuidavam da casa e da família. Essa dinâmica e divisão de tarefas também foi responsável pelo estabelecimento da monogamia dentro da sociedade.
Além disso, viver uma história de amor a dois é algo almejado por muitos, colocado nos filmes e nas histórias como o ideal. Quem nunca se emocionou com a história do príncipe e da princesa que viveram felizes para sempre como um casal?
“Precisamos saber que os fatores culturais também mudam a expressão gênica. Por mais que se tenham mais ou menos cópias de determinado gene, a cultura sempre vai ter uma influência no comportamento”, afirma Perin.
Quando se está em uma relação duradoura com alguém, com quem se divide a vida e os planos para o futuro, mas ao mesmo tempo existe um desejo de ter relações sexuais com outras pessoas, é a chamada de monogamia social. A monogamia sexual, por outro lado, é a exclusividade sexual de um casal. E ambas podem existir em um mesmo relacionamento.
Um estudo feito por cientistas da Universidade de Austin, nos Estados Unidos, que analisa a monogamia no reino animal, caracterizou a monogamia social como a formação de laços duradouros, aumento da defesa territorial e o cuidado biparental. Esses animais, no entanto, acabavam cometendo ocasionais infidelidades quando se tratava da questão sexual.
O especialista ainda toma cuidado para diferenciar a monogamia social do “poliamor”. Neste segundo formato de relacionamento, realmente existe uma relação de amor entre todos os envolvidos e não somente o desejo sexual.
Com os mais variados formatos de relacionamento existentes, Perin explica que muitos casais fazem acordos para descobrir a dinâmica que melhor funciona para eles. “É quase um contrato, nem sempre explícito, mas é possível estabelecer regras com o que você quer e espera daquilo.”
Fontes: Eduardo Perin, psiquiatra, especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP, especialista em sexualidade pelo InPaSex (Instituto Paulista de Sexualidade); Rita de Cássia Cavalcanti Brandão, psicóloga, neurocientista e mestre em antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco; Ana Luiza Fanganiello, psicóloga e mestre em sexualidade pela Unifesp.
Informações UOL